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Chico Chico segue a crescer

Em Estopim, o artista revela o domínio de suas construções sonoras e um timbre ainda mais próximo ao da mãe

Chico Chico segue a crescer
Chico Chico segue a crescer
Mistura. O álbum, seu segundo solo, trafega entre sons urbanos, como o pop e a house music, e tradicionais, como o samba de roda e o bumba-meu-boi – Imagem: Maria Magalhães
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O álbum Estopim é um vento forte vindo da nova geração da música. Seu autor é Francisco Ribeiro Eller, o Chico Chico, único filho de Cássia Eller (1962-2001), que esbanja intensidade nesse que é um dos melhores discos do ano.

“Gosto da impressão que as pessoas têm tido sobre o disco. Pode ser a maneira de interpretar, a fase que estou. Eu mesmo sinto que está diferente. Agora, se me pedir para dizer o que está diferente, vou me enrolar demais”, diz Chico Chico em entrevista por Zoom a CartaCapital.

Desde o primeiro registro fonográfico, 2×0 Vargem Alta (2015), que leva o nome da banda da qual participava, ele indicava, como cantor e compositor, ter grande aptidão. O talento se confirmaria nos dois trabalhos seguintes, em dupla: Onde (2020), com Francisco Gil (neto de Gilberto Gil) e Chico Chico & João Mantuano (2021).

Seu primeiro solo, Pomares, foi lançado em 2021. E a diferença deste segundo solo, Estopim, para os outros trabalhos é que Chico Chico, aos 31 anos, alcançou o timbre ideal – que soa ainda mais parecido com o da mãe. Além disso, demonstra total domínio musical, tanto no aspecto da construção sonora quanto na interpretação.

Das 11 faixas do álbum, sete são de ­Chico Chico – sendo uma só dele e as outras seis em parceria com João ­Mantuano, Sal Pessoa, Tui Lana e João Duarte. O disco traz também dois duos vocais, um com Juliana Linhares e outro com ­Julia Vargas.

O trabalho trafega entre sons urbanos, como o pop e a house music, e tradicionais, como o samba de roda e o bumba-meu-boi. As letras também fazem referência a esses dois universos – sem que eles se mostrem conflitantes ao longo do disco. A disposição das faixas tem fluência e equilíbrio.

“Isso está muito presente na minha composição. Ela tende a cair para o regional, seja lá o que significa isso, já que música regional se faz no Brasil inteiro”, afirma. “Vem da minha criação”, diz, sobre a incorporação de ritmos nordestinos à carreira. São sons, conta, “que minha mãe ouvia” e que foram aprendidos também na escola.

O clima mais urbano, por sua vez, vem do próprio lugar onde nasceu e vive: o Rio de Janeiro. O cotidiano na contemporaneidade também surge forte, em letras como a de Acorda Zé, canção que tem uma levada roqueira: Que eu lembrei que eu esqueci de te falar/ Que o consultório te ligou pra remarcar/ Sua limpeza e seu check up anual/ Se desculparam por e-mail/ Via“via virtual”/ O que se passa com contato pessoal?

Quando questionado sobre a influência de Cássia Eller no seu trabalho, o músico diz não conseguir especificar o impacto. “Não saberia dizer nada, talvez seja um erro meu”, afirma. “Adoro ouvir os discos dela. Ouço como ouço Beatles. As coisas estão permeando a gente.”

“O disco novo é pra cima. Se quiser dançar, dance. Se quiser dormir, durma”, brinca o cantor e compositor

Chico Chico tinha 8 anos quando a mãe morreu, em 2001. Nesse ano, foi lançado Acústico MTV: Cássia Eller, para o qual foi gravada, pela segunda vez, a canção composta por Renato Russo quando ela estava grávida: Vamos descobrir o mundo juntos baby/ Quero aprender/ Com o teu pequeno grande coração/ Meu amor/ Meu Chicão.

Chico Chico tem uma relação profunda com o processo de composição desde quando suas primeiras músicas foram registradas. “Não é só inspiração. Às vezes, estou brigado comigo, com o violão, com a alegria, muito mais próximo com a tristeza”, conta. “A música às vezes não vem. Nessas horas, o desespero acaba me levando ao movimento. É algo cíclico. Não sei e é muito saudável, mas, de vez em quando, produz resultados”, explica.

A aproximação com a dor, ou a tristeza, no entanto, se deixava ver muito mais no primeiro álbum solo do que neste. Chico Chico admite que as composições reflexivas e introspectivas do álbum de 2021 lhe “custaram muito para escrever”, embora tivessem “arranjos solares”. Agora, acha que gravou um disco que é mais sua cara, inclusive por ser um tanto “ácido na sonoridade”.

O músico atribui a qualidade de Estopim – que sai pela gravadora Deck – ao coprodutor e amigo Pedro Fonseca, carinhosamente chamado por ele de ­Fonsa, tecladista com quem trabalha desde a primeira banda, 2×0 Vargem Alta. O outro coprodutor é Rafael Ramos.

“Esse moleque é foda. Já trabalhei com várias pessoas, sempre foi legal, mas, com Fonsa, me sinto sendo legendado. É como se ele conseguisse entender meu idioma e transcrever”, diz. Pedro Fonseca fez um trabalho de pré-produção, que incluiu a escolha de repertório. A CartaCapital, o produtor disse que o novo álbum reflete a “natureza inquieta, curiosa e criativa” de Chico.

Chico Chico reconhece que a convivência com o meio musical desde a infância influenciou de forma direta sua formação artística. Sua mãe, Cássia ­Eller, tinha, além da voz singular, a abertura para trafegar muito bem por entre diferentes gêneros e ritmos. Não é difícil supor que o contato com um espectro sonoro amplo, acabou por moldá-lo.

“O disco novo é pra cima. Se quiser dançar, dance. Se quiser dormir, durma. Tem que servir para alguma coisa”, diz Chico Chico, que tem um temperamento espontâneo e, ao mesmo tempo, se desculpa, durante a conversa, pela própria forma de falar, perguntando, aqui e ali, se foi claro o bastante.

“Quero que as pessoas escutem o ­álbum e decidam o que querem fazer. Só não façam mal aos outros”, invoca. ­Chico Chico é assim: afetuoso e autêntico. ­Parece ser, na vida, o que é na música. •

Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Chico Chico segue a crescer’

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