Política
Manual de sobrevivência
Como os brasileiros podem proteger-se da avalanche de fake news que contamina o debate eleitoral


Os processos eleitorais têm sido marcados por desafios muito expressivos na contemporaneidade. Um dos principais está relacionado ao combate à desinformação, que se tornou uma estratégia de marketing político auspiciosa o bastante para eleger presidentes. O fenômeno é potencializado pelo fato de a maior parte das pessoas estar hoje vinculada às plataformas de tecnologia e distribuição de mensagens.
Para manter a competição justa, o Tribunal Superior Eleitoral tem se empenhado em formular regras capazes de oferecer respostas aos problemas de cada ciclo. Até 30 de agosto de 2024, os tribunais regionais produziram 239.740 decisões sobre as eleições municipais deste ano. A integridade delas depende de regras claras e de informações assertivas e públicas. Nesse sentido, elenco, abaixo, algumas medidas simples, mas que são capazes de auxiliar os eleitores na escolha do candidato em cenário de desinformação amplamente disseminada.
O primeiro ponto está relacionado à fonte da notícia. O jornalismo profissional é bem conhecido da população brasileira e está distribuído entre a mídia impressa, com jornais e revistas, e os canais do audiovisual, com emissoras de rádio e televisão. Para o público, de modo geral, é importante verificar a fonte da qual recebeu uma informação antes de compartilhá-la, caso pretenda fazê-lo.
O segundo elemento importante é a leitura do texto completo da reportagem, entrevista ou artigo, e não apenas o seu título. Isso porque um texto com desinformação pode conter partes de notícias verdadeiras, mas a leitura do texto completo permitirá ao eleitor emitir um juízo mais ampliado de toda a matéria, que pode conter informações corretas, mas mescladas com falsas ou distorcidas, com um propósito claro de enganar e fazer com que alguns candidatos sejam favorecidos e outros prejudicados.
O terceiro item importante, sem custos de ser verificado, é o endereço eletrônico da matéria. Como destacado acima, não é trabalhoso identificar os canais da imprensa tradicional, que tem grandes equipes de jornalistas profissionais para produzir e checar as informações antes de veiculá-las. Portanto, desconfie se o endereço eletrônico for desconhecido.
O quarto ponto está relacionado ao anterior. Além da matéria recebida, é relevante ler outros textos do mesmo site para avaliá-las quanto à veracidade das informações presentes nos textos. O fato de não estar relacionado aos grandes canais da mídia pode ser uma pista de que a fonte não é segura. Lendo outras matérias, é possível constituir um juízo mais aprofundado sobre a seriedade daquela fonte que produziu a informação.
O TSE compartilha notícias verificadas por agências de checagem na página “Fato ou Boato”
O quinto elemento relaciona-se à utilização da própria internet para buscar outras informações existentes sobre o site que publicou a notícia recebida. Existem buscadores que possibilitam saber, inclusive, qual é a avaliação de outros usuários sobre o serviço prestado. Portanto, o eleitor teria condições de emitir uma avaliação ampliada, com base no contato de outros usuários da internet com aquele veículo de comunicação.
O sexto ponto está relacionado à capacidade de julgamento em relação aos sites cujo teor principal é a divulgação de notícias sensacionalistas. Geralmente, os títulos das matérias com aquele teor buscam captar a atenção das pessoas com algo bastante incomum de ter acontecido, mas que leva a atenção dos leitores para aquele conteúdo. Esse item, combinado ao item dois mencionado acima, oferecerá condições para que os eleitores tenham uma visão mais ampliada dos propósitos daquele site.
O sétimo item a ser considerado está relacionado ao modo como foi escrita a matéria. Importante ficar atento aos erros de ortografia e gramática. Além disso, observe como estão estruturadas as frases, pois alguns textos falsos foram apenas traduzidos de outros idiomas, como o inglês. A estruturação das frases não é comum à língua portuguesa.
O oitavo ponto está relacionado à conferência da notícia em outros sites. Em geral, os grandes veículos de comunicação produzem matérias sobre os mesmos assuntos e por razões diversas. O modo como a notícia é descrita pode variar de uma para outra. Ao ler o que foi escrito por outros veículos de comunicação, é possível ter melhores condições de avaliar a veracidade da notícia que está sendo veiculada.
O nono ponto relaciona-se à conferência sobre a data de publicação da reportagem. Isso porque muitas notícias falsas são elaboradas com o uso de uma afirmação verídica, mas aplicada fora do contexto e do tempo no qual a matéria está sendo veiculada. Por fim, o décimo e último ponto relevante para o eleitor é conferir a autoria do texto, pois os jornalistas profissionais dos veículos sérios de comunicação tendem a ser reconhecidos pela visibilidade que possuem, derivada da própria profissão.
Caso o eleitor esteja sem tempo e energia para seguir os passos sugeridos acima, consulte a página “Fato ou Boato” do TSE, que possui parceria com diversas agências de checagem do País. A maioria delas tem chatbot do WhatsApp, por meio do qual o eleitor pode submeter um texto, áudio ou vídeo para obter rápido retorno sobre a veracidade das informações. •
* Professor adjunto do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Observatório das Eleições.
Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.
Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Manual de sobrevivência’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.