Fashion Revolution

Na contramão da moda rápida: as técnicas que impulsionam a transição para a sustentabilidade no setor

Uso de matéria-prima natural, respeito ao tempo da natureza e metas socioambientais são algumas formas de estimular este caminho

Na contramão da moda rápida: as técnicas que impulsionam a transição para a sustentabilidade no setor
Na contramão da moda rápida: as técnicas que impulsionam a transição para a sustentabilidade no setor
Créditos: Suzana Aguiar
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Uma moda mais sustentável não é um bicho de sete cabeças, muito menos um sonho distante. É fato que o ritmo imposto atualmente – o da fast fashion – dita o completo oposto de uma moda que preserva o meio ambiente e as pessoas. Mas existem caminhos para produzir e consumir de forma responsável. E existe também um público decidido a dar seu dinheiro para empresas que se mostrem mais socioambientalmente responsáveis. Ou seja, é uma situação win-win, na qual ambos os lados se beneficiam.

As empresas são cobradas, ou “canceladas”, quanto aos seus impactos socioambientais. E não é para menos: a maquiagem verde (ou greenwashing) não tem dado conta de fugir da realidade do aquecimento global. É duro saber que vamos comemorar o dia da Amazônia, 5 de setembro, e o dia do Cerrado, 11 de setembro, com os respectivos biomas em chamas, por exemplo.

A seca, os ventos fortes e o calor têm transformado os biomas brasileiros em barris de pólvoras, declarou o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ). Frente a isso, o setor da moda pode colaborar para tornar os ecossistemas mais resilientes – e como ser humano e natureza são interligados, tais ações também trazem resiliência para populações vulneráveis.

Começando pelo básico: o uso de matérias-primas naturais. Ao dispensar o uso de fibras sintéticas, como poliéster, nylon, elastano, poliamida, que têm como origem o petróleo, existe uma gama de outras opções que, produzidas respeitando os limites da natureza, se tornam mais ambientalmente amigáveis. E elas vão além do algodão agroecológico, como por exemplo: cânhamo, buriti, tucum, tururi.

O algodão tradicional e o algodão BCI também não têm boa pegada ecológica, pois utilizam grande quantidade de agrotóxicos. Ambos, na verdade, são o mesmo: produzidos na rotação de commodities como milho e soja, são ligados ao desmatamento ilegal e a contaminação do meio ambiente e de pessoas – o algodão é a 4ª cultura que mais utiliza agrotóxicos no Brasil.

Logo, a mudança começa da primeira semente que se planta e é cultivada. Agrotóxicos não são utilizados apenas para repelir insetos, mas também para aumentar a produtividade da cultura, de forma a vender mais a commodity. Ou seja, o que o algodão tradicional e algodão BCI fazem é não respeitar o ritmo da natureza, pois uma terra que produz mais de forma não-natural, é uma terra que irá se desgastar mais e precisará de mais químicos para seguir produzindo.

A Terra não dá mais conta do ritmo de produção global. Não é à toa que o Dia da Sobrecarga da Terra é reduzido a cada ano. Em 2023, foi no dia 2 de agosto e, neste ano, no dia 1º. A data marca o dia em que a humanidade consome todos os recursos naturais que o planeta consegue produzir ou renovar em um ano. Deste modo, para a criação de um produto sustentável, a indústria da moda também precisa respeitar o tempo da natureza.

Moda que respeita a todos

Respeitando a natureza, estamos também respeitando as pessoas. No Piauí, o algodão orgânico transforma quintais quilombolas e a Caatinga. Já no Pará, a Associação Indígena Aldeia Tukaya – AITEX, da Terra Indígena Xipaya, utiliza do látex, urucum, sementes e penas para produzir biojóias, bolsas e mochilas. Utilizando equipamentos da indústria moderna e técnica ancestral, os negócios – chamados hoje de “bioeconomia” – proporcionam a valorização da riqueza cultural brasileira.

Uma moda descentralizada é uma moda que traz rostos diferentes, materiais diferentes, que reconhece, por exemplo, que existem diversas realidades Amazônicas. Ela é, também, um trabalho contínuo, ou seja, não se resume em uma coleção especial de uma grande marca do Sudeste com comunidades e associações em um interior do país. Trabalhos pontuais trazem rendas pontuais para trabalhadoras que seguirão excluídas dos grandes nomes em revistas e passarelas – trazer o nome de quem faz sua roupa é, aliás, uma das lutas do Fashion Revolution.

O que nos leva a outro ponto: a transparência. Fundamental para a sociobiodiversidade, a transparência garante que as etapas da produção sejam avaliadas não só pelas empresas, mas como por terceiros, para certificar que, por exemplo, aquele algodão não veio de uma terra desmatada ilegalmente. Reconhecer quem faz suas roupas é trazer condições dignas para as trabalhadoras e trabalhadores do setor e também impedir que empresas se maquiem de algo que não o são.

A rastreabilidade se une a transparência para formar esse duo que garante à moda uma produção mais justa para todos. Certificados de rastreabilidade já são comuns em setores com cadeiras grandes de produção e pulverizados, tal como a moda. É o caso do café e frutas frescas e processadas.

Outro ponto importante, levantado pelo “Manual de Comunicação de Moda Sustentável”, é a definição de metas climáticas e ambientais claras. O documento é elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pelo UN Climate Change e aponta que “marcas e designers estão sendo incentivados a estabelecer metas mensuráveis, como a redução das emissões de carbono, o uso de materiais recicláveis e a eliminação do desperdício de recursos”.

O Índice de Transparência da Moda Brasil 2023 também trouxe, pela primeira vez, o comprometimento das marcas com metas climáticas, tais como consumo de energia por instalação de fornecedores, produção da produção ainda movida a carvão e compromissos e investimentos em descarbonização.

A partir disso, o documento destaca que 22% das marcas pesquisadas publicam metas mensuráveis e com prazo determinado para a redução de produtos têxteis derivados do petróleo virgem. “Se as empresas não compartilham essa estratégia, não há visibilidade para cobrar delas o cumprimento do compromisso de descarbonização que as mesmas estabeleceram”, informa.

A indústria da moda pode contribuir e muito para impulsionar ou prejudicar a preservação da sociobiodiversidade brasileira. Ela deve assumir suas responsabilidades e tornar o slow fashion, a moda que respeita o tempo da natureza e das pessoas, a sua norma. No dia de celebrar a Amazônia e o Cerrado, vamos lutar por eles. Seja para a criação de novas leis dentro do setor, seja em lutas socioambientais, como no caso do marco temporal e no Pacote da Destruição.

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