Política
Voz indomável
Ameaçado de cassação, o deputado Glauber Braga recusa-se a ceder aos desmandos de Arthur Lira para preservar o seu mandato


Acusado de quebra do decoro parlamentar por expulsar da Câmara dos Deputados um provocador do MBL a pontapés, Glauber Braga considera remotas as chances de não ser cassado pelos seus colegas, e não pelo motivo alegado no processo. “Estão usando esta situação como pretexto. Um sujeito nos agride, nos coage por cinco vezes e, quando a gente reage, vira motivo para cassação. A deputada bolsonarista Carla Zambelli correu atrás de um rapaz com uma arma nas mãos à luz do dia e não foi cassada nem teve seu mandato ameaçado”, observa. “Trata-se de um pretexto que o Lira utiliza para calar quem reage aos seus desmandos.”
De fato, o parlamentar do PSOL fluminense é um dos mais contundentes críticos do sequestro de recursos públicos pelo orçamento secreto, manietado pelo presidente da Câmara e seus comparsas. Na quarta-feira 28, durante uma tensa audiência do Conselho de Ética da Casa, disse haver uma “armação” para silenciá-lo e repetidas vezes chamou Arthur Lira de “bandido”. Nesta entrevista a CartaCapital, ele afirma que lutará até a última trincheira para evitar a cassação, mas sem retroceder na sua combativa atuação parlamentar. “Eu ainda acredito na manutenção do meu mandado, mesmo sendo hoje uma hipótese minoritária, porque acredito na mobilização do povo contra o arbítrio e contra as manobras de Lira.”
CartaCapital: Recentemente, o senhor disse que tem 99% de chance de ser cassado, pois Arthur Lira atua nos bastidores para isso. Por que o presidente da Câmara se incomoda tanto com sua atuação parlamentar?
Glauber Braga: Lira não aceita o fato de eu ter denunciado publicamente o sequestro do orçamento público. Ele maneja bilhões de reais e isso é um absurdo tão grande que não podemos aceitar como fosse algo razoável. Não é. Ele age como um bandido em articulação com seu grupo fazendo com que as pessoas não tenham o básico, porque está tudo nas mãos dele e dos que são mais próximos a ele. Posso dar um exemplo. Conversei recentemente com o coordenador de um centro de pesquisas sobre o Alzheimer na UFRJ, no Rio de Janeiro. Os institutos mais avançados são este, do Rio, e outro no Rio Grande do Sul. Perguntei qual o custo anual para manutenção de suas atividades, ele me disse que era 1 milhão de reais. No último escândalo relacionado ao Lira, só em uma ligação, ele coagiu um presidente de Comissão a desviar 320 milhões para Alagoas. Essa quantia seria suficiente para manter esse centro de pesquisas por mais de 300 anos. Nós podemos naturalizar isso? Evidentemente que não.
CC: Após o ministro Flávio Dino suspender as emendas impositivas devido à falta de transparência, líderes dos Três Poderes chegaram a um acordo para estabelecer novos critérios. O senhor acredita que essa iniciativa irá, de fato, moralizar as emendas?
GB: Lira não vai aceitar transparência nem participação do povo na definição de como os recursos públicos devem ser aplicados. Ele concentra esses recursos para manutenção de seu projeto de poder. Não tenho dúvida de que, se vier à tona tudo o que já fizeram com essas emendas, veremos escândalos e mais escândalos de corrupção e subtração do orçamento público.
CC: A justificativa apresentada para a sua cassação é a alegada agressão a um militante do MBL que veio provocá-lo.
GB: O MBL é uma quadrilhinha que está a serviço de quem os financia. O que está colocando em risco nosso mandato não foi minha reação ao militante do MBL, mas a atuação direta do Lira. Estão usando esta situação como pretexto. Um sujeito nos agride, nos coage por cinco vezes e quando a gente reage vira motivo para cassação. A deputada bolsonarista Carla Zambelli correu atrás de um rapaz com uma arma nas mãos à luz do dia e não foi cassada nem teve seu mandato ameaçado. Trata-se de um pretexto que o Lira utiliza para calar quem reage aos seus desmandos.
“Não vou recuar e não farei acordos. Se imaginaram que isso poderia me calar, estão enganados”
CC: Os progressistas estão em minoria na Câmara. O senhor acredita que a base governista, mais ampla, com integrantes também do Centrão, irá se mobilizar para preservar seu mandato?
GB: A minha esperança é a rua, a mobilização popular. Eu não me represento a mim mesmo, represento os milhares de eleitores que votaram em mim. Represento também os que não votaram em mim, mas têm meu mandato como referência de luta. Eu ainda acredito na manutenção do meu mandato, mesmo sendo hoje uma hipótese minoritária, porque acredito na mobilização do povo contra o arbítrio e contra as manobras de Arthur Lira.
CC: Caso o senhor realmente perca o mandato, pretende recorrer à Justiça. Acredita que o STF comprará briga para restituir seu mandato?
GB: Vou utilizar de todos os instrumentos a minha disposição para lutar pelo mandato, mas não darei um passo atrás. Não vou recuar e não farei acordos. Se eles imaginaram que isso poderia me calar, estão enganados. Vou continuar mantendo firmes as denúncias e aquilo que representa, repito, esse sequestro de bilhões do orçamento público.
CC: Lira tem um poder, um controle sobre a Casa como nunca se viu antes. A que o senhor atribui esse fenômeno?
GB: A maioria dos presidentes da Câmara foi autoritária. A diferença é que Lira tem o que os presidentes anteriores não tiveram que é o controle sobre bilhões de reais para manter seus aliados sob sua influência. Esse tipo de controle, esse saque de recursos como o Lira faz é inédito.
CC: Como desmontar essa engrenagem?
GB: Será preciso mobilização popular. O povo precisa saber o que está acontecendo. Nós temos que enfrentar a situação para derrotar esta manobra de poder, e isso não se consegue apenas com articulações institucionais, mas com o povo. Uma pesquisa recente mostrou que mais de 80% dos brasileiros têm uma imagem negativa do Lira. Trata-se da figura mais impopular de toda a República. Como um sujeito como esse não vai ser enfrentado para continuar com esse projeto de poder?
CC: No Brasil, os movimentos de extrema-direita têm crescido de forma acelerada e isso se reflete no Congresso. Como conter esse avanço? Onde a esquerda tem falhado?
GB: A esquerda tem que ir para o enfrentamento. Precisa dialogar com o povo sobre suas reais necessidades. Falar de comida na mesa, transporte público, saúde, educação de qualidade, além de demonstrar que essa extrema-direita e os liberais de plantão querem desmontar o Estado brasileiro nas suas garantias sociais, naquilo que é público. A gente ganha este debate, mas não podemos dar moleza. É preciso manter nossas bandeiras levantadas e partir com força para cima dessa turma. O que a França Insubmissa fez recentemente na disputa com a extrema-direita deve servir como exemplo no Brasil. Eu uso como orientação de vida uma frase do Marighella: “Não tenho tempo para ter medo”. •
Publicado na edição n° 1327 de CartaCapital, em 11 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Voz indomável’
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