Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Por que grandes produtoras do funk paulista apoiam Pablo Marçal
Para Tiaraju Pablo, coordenador do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp, a precarização do trabalho e o imediatismo abrem espaço para discursos de extrema-direita nas periferias


Um dos principais estudiosos da realidade da periferia de São Paulo, Tiaraju Pablo não ficou surpreso quando os donos de duas grandes produtoras de funk paulistanas, a Love Funk e GR6, sinalizaram apoio a Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB), respectivamente, para as eleições municipais.
“Essas produtoras comandam verdadeiras indústrias culturais contemporâneas. Seus donos são milionários, que enriqueceram com esse negócio da venda de músicas de funk, além de agenciar vários artistas”, explica ele, que coordena o Centro de Estudos Periféricos da Unifesp. “Não tem contradição, tem interesse de classe.”
O discurso do coach de extrema-direita ocupa, também, um vácuo de perspectivas de futuro que assolam as periferias, potencializadas pela estagnação econômica brasileira e as transformações no mercado de trabalho.
“A gente tinha a carteira de trabalho, a promessa da aposentadoria, o salário todo mês. Havia certa previsibilidade e uma capacidade de projeção de futuro. Isso, hoje, não existe mais”, destaca. “Isso faz com que essa juventude seja muito imediatista e queira resolver seus dramas econômicos o mais rápido possível.”
Nessa desestruturação, as ideias Marçal encontram um canal aberto, sob duas ideias-chave: empreendedorismo e enriquecimento fácil.
“A subjetividade da urgência abre espaço para o discurso empreendedor, que diz que uma pessoa é capaz de superar os seus problemas pela sua própria capacidade, pelo seu talento, pelo seu mérito”, complementa. “É a chave nessa necessidade de, ao mesmo tempo, se virar individualmente, mas com perspectiva de ficar milionário”.
A realidade que leva os moradores da periferia a buscar alternativas nos diversos arranjos econômicos da chamada gig economy, como o trabalho de entregadores e motoristas de aplicativos, também reverbera na cultura local, influenciando gêneros musicais como o funk e o trap, subgênero do rap que ecoa nas periferias exaltando o sucesso individual, a ostentação de carros, roupas e marcas.
Não quer dizer, contudo, que não hajam divergências internas. Artistas como MC Hariel, Mano Brown, Djonga, Rincon Sapiência e Filipe Ret, reagiram à manifestação das produtoras com tom de preocupação e o fato de revelarem contradição do movimento. “Muita gente do funk não concorda com a ostentação e acha que o funkeiro deve ter uma relação de compromisso com a sua comunidade”, ressalta o sociólogo. Nas eleições de 2022, lembra ele tanto Fernando Haddad, na disputa ao governo do estado de São Paulo, quanto Lula, à presidência, venceram na contagem de votos nas periferias de São Paulo. “Ainda que haja uma subjetividade individualista que se espalha rapidamente. O movimento do funk é muito grande e tem várias vertentes.”
Tiarajú Pablo ressalta também que o funk já teve diversos representantes tentando se enveredar na política, com cantores e MCs se candidatando a cargos de vereador no Rio de Janeiro e em São Paulo, por diferentes partidos. A mais bem-sucedida foi Verônica Costa, que ocupou a vereança no Rio por vários mandatos, representando partidos de direita.
Mas, mesmo em meio ao sucesso musical e eleitoral, lembra Tiarajú, o funk continua sendo alvo de forte discriminação, principalmente contra a juventude pobre e negra das periferias. “As forças que estão tentando cooptar essa juventude ou se aliar a ela são justamente as forças que mais reprimiram nas últimas décadas o funk.”
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