CartaCapital
Rio de Janeiro/ A maldição do Guanabara
PF indicia Cláudio Castro sob suspeita de corrupção


A Polícia Federal indiciou o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), pelos crimes de corrupção e peculato. Sob sigilo, o inquérito apura desvios de recursos públicos em projetos de assistência social entre 2017 e 2020, quando ele era vereador e, depois, vice de Wilson Witzel. As investigações foram autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça e continuam em andamento. Caberá à Procuradoria-Geral da República decidir se aceita o indiciamento e formaliza uma denúncia contra Castro.
Em delações premiadas, o empresário Marcus Vinícius Azevedo da Silva, ex-assessor de Castro, e Bruno Selem, funcionário da Servlog, uma das empresas envolvidas no esquema, acusam o governador de receber propinas de empresários ligados a projetos sociais. Em uma das ocasiões, ressaltou Silva, o hoje governador teria recebido 20 mil dólares durante uma viagem aos parques da Disney, nos EUA, “em 2018 ou 2019”.
Por meio de nota, o governador nega qualquer ilegalidade. “As informações que sustentam a investigação são infundadas e a defesa reitera que tudo se resume a uma delação criminosa, de um réu confesso, em documentos que estão sob segredo de Justiça e continuam a ser vazados”, afirmou Castro, ora amaldiçoado pela mística do Palácio Guanabara, com sua extensa lista de governadores enredados em escândalos de corrupção.
Abolição inconclusa
O Ministério da Justiça divulgou, na terça-feira 30, o “Relatório Nacional Sobre Tráfico de Pessoas”, com dados de 2021 a 2023. O documento aponta que 8.415 pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão. Destas, 6.754 eram negras (pretas e pardas), 80% do total, enquanto 1.497 eram brancas (18%) e 148 indígenas (2%). Na ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski anunciou o lançamento do novo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a prever cinco eixos de atuação: ações preventivas, proteção e assistência às vítimas, repressão e responsabilização dos infratores, estruturação de políticas públicas e coordenação e parcerias.
Intolerância/ Discurso de ódio
MPF cobra 100 mil reais de pastor por atos de racismo religioso
O evangélico atacou as religiões afro-brasileiras durante um culto – Imagem: iStockphoto
O Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra um pastor evangélico acusado de disseminar discurso discriminatório contra religiões de matriz africana. Na ação, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro pede uma indenização de 100 mil reais.
De acordo com representação formulada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro, o pastor atacou o evento “Águas de Axé”, realizado anualmente na cidade de Mangaratiba. “Em um culto assistido por dezenas de fiéis e publicado na internet para um número incalculável de pessoas, o autor das ofensas proferiu discurso que discrimina, deprecia, humilha, estigmatiza e demoniza”, diz a nota do MPF.
No vídeo, o líder religioso convoca seus fiéis para uma espécie de “guerra espiritual”, a fim de que a Praia de Jacareí não se transformasse em “lama”, como teria se tornado a Praia de Sepetiba, após a colocação de uma escultura de Iemanjá no local. A ação também pede uma apuração criminal com base no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, a prever pena de reclusão de um a três anos a quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Letalidade policial/ Rastro de sangue
Número de mortos pela PM paulista quase dobra no primeiro semestre
O governo estadual responsabiliza os criminosos pela matança – Imagem: PMSP/GOVSP
As mortes decorrentes de intervenção policial no estado de São Paulo quase dobraram no primeiro semestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. O número de suspeitos abatidos em supostos confrontos com a Polícia Militar passou de 155 para 301, alta de 94%, segundo a Secretaria de Segurança Pública.
No primeiro trimestre, a letalidade policial já havia disparado. Foram 179 óbitos registrados nos primeiros três meses de 2024, ante 75 no mesmo período de 2023. A alta foi puxada, sobretudo, pela Operação Verão na Baixada Santista, que resultou na morte de 56 suspeitos entre 2 de fevereiro e 1º de abril. A ação foi desencadeada após o assassinato de Samuel Wesley Cosmo, um soldado da Rota, a violenta tropa de elite da polícia paulista.
A Secretaria de Segurança Pública diz que as mortes “são consequência direta da reação violenta dos criminosos” e que as polícias e a Corregedoria não “toleram excessos ou desvios de conduta” na atividade policial. O governador Tarcísio de Freitas passa, porém, uma mensagem de leniência com a matança. Em março, ao ser questionado sobre uma denúncia apresentada por entidades de direitos humanos às Nações Unidas, a apontar indícios de execução e tortura na Operação Verão, Tarcísio debochou: “Pode ir à ONU, à Liga da Justiça, ao raio que o parta, que não estou nem aí”.
Assédio fardado
O Ministério da Defesa exonerou dois servidores militares, após eles serem alvo de uma denúncia de abuso sexual. O episódio teria ocorrido durante uma viagem oficial a Manaus, realizada de 15 a 19 de julho. Após um jantar com autoridades locais, Ubiratan Poty, então diretor do Programa Calha Norte, e Armindo Nunes de Medeiros Júnior, coordenador de engenharia no mesmo projeto, teriam tocado nas partes íntimas de uma mulher, que atuava como funcionária no local, revelou o portal Metrópoles. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial da União da segunda-feira 29.
Sociedade/ Fúria sobre rodas
Empresário atropela e mata motociclista com Porsche em São Paulo
O carro foi usado como arma para praticar o crime, avalia delegado – Imagem: Redes sociais
Na terça-feira 30, a Justiça decretou a prisão preventiva de Igor Sauceda, que atropelou e matou um motociclista em São Paulo com seu Porsche. Entregador de aplicativo, Pedro Kaique Figueiredo, de 21 anos, chegou a ser socorrido e levado para um hospital após a batida, mas não resistiu aos ferimentos. O caso inicialmente foi registrado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar, mas, depois, foi convertido em homicídio doloso.
Figueiredo havia quebrado o retrovisor do carro de Sauceda momentos antes da colisão. A família da vítima e o delegado responsável pelo caso estão convencidos de que o empresário provocou o acidente de forma intencional. Já o advogado de defesa, Carlos Bobadilla, alega que seu cliente foi atrás do motociclista buzinando, com o objetivo de forçar uma parada para averiguar o prejuízo causado. “O motoboy fez uma curva e houve a colisão, o meu cliente tentou desviar. Iremos comprovar isso com a perícia.”
Segundo o jornal O Globo, Sauceda já usou seu Porsche para perseguir e ameaçar a família de um antigo sócio no Beco do Espeto, bar localizado no Itaim Bibi. O empresário também teria recebido 5.250 reais de auxílio emergencial de 2020 a 2021, de acordo com dados do Portal da Transparência.
Paris 2024/ Histeria olímpica
Performance na abertura dos jogos atiça o fundamentalismo cristão
Imagem: Redes Sociais/Paris 2024
Uma performance com drag queens na cerimônia de abertura das Olimpíadas despertou a fúria dos fundamentalistas cristãos. Muitos acreditaram tratar-se de uma paródia da Santa Ceia, tal como foi retratada por Leonardo da Vinci. A Conferência de Bispos da Igreja Católica Francesa apressou-se a criticar as “cenas de zombaria” contra o cristianismo. Líder da extrema-direita francesa, Marion Marechal manifestou repúdio nas redes sociais: “Saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação”. Vice-premier da Itália, Matteo Salvini emendou: “Abrir os Jogos Olímpicos insultando milhares de milhões de cristãos no mundo foi realmente um péssimo começo, amigos franceses”. Com seu habitual oportunismo, o bilionário Elon Musk, dono da X, classificou a apresentação como “extremamente desrespeitosa”. No Brasil, os bolsonaristas não tardaram a se unir à cruzada retórica.
Diante da repercussão negativa, os organizadores das Olimpíadas esboçaram um pedido de desculpa. “Se alguém se sentiu ofendido, é claro que lamentamos muito”, disse Anne Descamps, porta-voz da Paris 2024. Já o presidente francês, Emmanuel Macron, deu de ombros para os descontentes: “This is France!”, escreveu nas redes sociais. Quem pagou caro pela “blasfêmia” foram os artistas que participaram da apresentação. A DJ Barbara Butch, protagonista da performance, apresentou uma queixa às autoridades após ser vítima de cyberbullying. Os cristãos indignados a ameaçaram de “morte, tortura e estupro”, além de proferirem “numerosos insultos de caráter antissemita, homofóbico, sexista e gordofóbico”, denunciou sua advogada, Audrey Msellati.
Os fervorosos fiéis não notaram, porém, algumas discrepâncias na “paródia”. Em vez dos 12 apóstolos, havia 18 artistas em cena. Ao som de música eletrônica, homens, mulheres e drag queens desfilaram sobre a mesa. Para encerrar a apresentação, o cantor e ator Phillippe Katarine surgiu sobre um prato pintado de azul e vestido de Dionísio, o deus da festividade na mitologia grega. Segundo Thomas Jolly, diretor artístico da cerimônia de abertura das Olimpíadas, a tela A Última Ceia, de Da Vinci, não serviu de inspiração para a performance. “A ideia era fazer um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo.” A referência exata teria sido Festa dos Deuses, quadro pintado por Jan Harmensz van Bijlert entre 1635 e 1640, a retratar justamente… uma grande celebração em torno de Dionísio. Voilà!
Em águas turvas
Uma das principais promessas de legado olímpico em Paris tornou-se uma dor de cabeça para os organizadores dos Jogos. Os franceses investiram 1,4 bilhão de euros para despoluir o Rio Sena, que voltaria a ter condição para banho após mais de cem anos. Não é isso que tem ocorrido, porém, na maior parte do tempo. Após a realização de testes nas águas, a prova de Triatlo, que deveria ser realizada na terça-feira 30, precisou ser adiada. Caso o icônico rio não esteja próprio para banho até 2 de agosto, é possível que a disputa seja realizada sem natação, apenas com corrida e ciclismo.
Oriente Médio/ Paz sepultada
Assassinato de líder do Hamas ameaça desencadear uma guerra regional
Haniyeh era visto como um negociador pragmático – Imagem: Governo da Rússia
O conflito israelo-palestino nunca esteve tão perto de escalar para uma guerra regional no Oriente Médio. Em retaliação a um ataque com foguetes nas Colinas de Golã, que provocou a morte de 12 civis, Israel anunciou ter matado o comandante operacional do Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute. Na madrugada do dia seguinte, o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, foi assassinado em Teerã. À mídia estatal do Irã, o líder Ali Khamenei responsabilizou o premier israelense, Benjamin Netanyahu, pelo ataque aéreo em território iraniano e prometeu uma “dura punição”.
O Irã não está sozinho no repúdio ao ataque. Vice-ministro russo de Assuntos Exteriores, Mikhail Bogdanov enfatizou que o assassinato de Haniyeh é “totalmente inaceitável” e “provocará uma nova escalada de tensões”. A chancelaria turca acrescentou que o ataque em Teerã pode “estender a guerra em Gaza para uma dimensão regional”. A China também repudiou o incidente e manifestou preocupação com a segurança da região.
Até mesmo aliados de Tel-Aviv criticaram a ação. Em comunicado, o governo do Egito disse que o assassinato de Hanyieh “indica a falta de vontade política de Israel para frear os conflitos regionais”. Já o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, apressou-se a esclarecer que Washington não participou da execução do ataque: “Isso é algo sobre o qual não havíamos sido informados e no qual não estamos envolvidos”.
Após a morte de um general iraniano em um ataque aéreo no Líbano, convémlembrar, Teerã retaliou com uma chuva de mísseis em Israel. A grande maioria dos projéteis foi interceptada pelas forças israelenses, mas alguns atingiram uma base militar no Deserto de Negev. O Irã deu-se por satisfeito e Netanyahu foi convencido por aliados a não revidar.
Haniyeh morava em Doha, no Catar, mas transitava pela região e tinha boa interlocução com Ancara e Moscou. Pragmático, era uma peça-chave nas negociações de paz entre o Hamas e Israel, mas este não parece ser o objetivo de Netanyahu, como a própria população israelense começa a perceber. Em pesquisa divulgada pelo Canal 12 no início de julho, 54% dos entrevistados avaliam que a campanha militar em Gaza se estende por questões políticas e 68% classificaram como ruim a gestão do conflito pelo premier. Dois terços não acreditam em “vitória total” sobre o Hamas.
Limites à Suprema Corte
O presidente Joe Biden apresentou, na segunda-feira 29, uma proposta para reformar a Suprema Corte dos EUA. A medida inclui o fim do mandato vitalício dos juízes, a introdução de um código de conduta obrigatório e uma emenda constitucional para acabar com a imunidade de ex-presidentes por crimes cometidos no exercício do mandato. De maioria conservadora, o tribunal reconheceu, no início de julho, que Donald Trump não poderia ser responsabilizado por “atos oficiais”, como chefe de Estado. O entendimento foi firmado na análise de recursos do republicano no processo em que é acusado de pressionar autoridades estaduais para manipular o resultado da eleição de 2020, na qual foi derrotado nas urnas.
Publicado na edição n° 1322 de CartaCapital, em 7 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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