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Succession da vida real

A briga de foice na sucessão de Rupert Murdoch em seu império de mídia parece uma recriação do seriado da HBO

Succession da vida real
Succession da vida real
Aparências. Não se enganem com os sorrisos estampados no retrato familiar – Imagem: Redes sociais
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Um bilionário idoso entra em guerra com seus filhos adultos pelo futuro de seu império de mídia. Seu único aliado é o filho mais velho, coroado líder do empreendimento paterno após anos de conflitos com os irmãos. Ao escolher um sucessor, o patriarca rejeita três outros filhos, que continuam sendo ameaças: quando ele morrer, cada um deles terá tanto poder quanto o filho mais velho para moldar suas empresas, potencialmente contrariando as ideologias de direita que as guiaram durante décadas.

Longe dos olhos do público, ele faz um movimento dramático. Para entregar o controle ao primogênito, o magnata silenciosamente lança uma proposta extraordinária para alterar o trust definido para dar influência aos outros três herdeiros após a sua morte. Mas eles estão prontos para lutar. Isso pode soar parecido com o seriado Succession, da HBO, mas é a vida imitando a arte – que, por sua vez, estava imitando a vida.

Rupert Murdoch, de 93 anos, o bilionário dono da News Corp e da Fox ­Corporation que ajudou a inspirar o programa, está tentando dar ao seu filho mais velho, Lachlan, o controle total de seus veí­culos de mídia após sua morte. Embora os outros filhos adultos – James, ­Elisabeth e Prudence – devam receber partes iguais dos lucros da companhia, eles não teriam poder de decisão sobre as empresas após a morte do ancião.

Essa batalha é, de fato, maior que qualquer coisa apresentada em Succession, de acordo com Robert Thompson, um estudioso de mídia na Universidade de ­Syracuse, no estado de Nova York. “Este é, possivelmente, o canal de comunicação de língua inglesa mais influente no mundo”, afirma, referindo-se à News Corp e à Fox. “Como isso acabará terá um impacto real e significativo para as ­pessoas ­reais que vivem no planeta Terra.”

Espólio. O bilionário dono da News Corp e da Fox pretende dar ao filho primogênito o controle total das empresas após sua morte – Imagem: D. Shankbone

A News Corp é dona de mais de cem jornais grandes e locais, incluindo o Wall Street Journal e o New York Post, nos Estados Unidos, assim como o Times e o Sun no Reino Unido. Enquanto isso, a Fox é a controladora da Fox News, principal ­rede de TV a cabo conservadora dos EUA, com milhões de espectadores.

A briga jurídica dos Murdoch desenrolou-se em segredo durante meses – até quarta-feira 24, quando veio à tona. O New York Times noticiou a decisão de um comissário de sucessões de Nevada, que está sob sigilo, de que Murdoch pode reformular o trust irrevogável de sua família se puder provar que a mudança está sendo feita de boa-fé e beneficia seus herdeiros. A decisão monta o cenário para um julgamento de alto nível sobre o futuro de sua vasta gama de interesses na mídia, com Murdoch e os três filhos agendados para brigar no tribunal em setembro.

Ambos os lados, de acordo com o New York Times, aumentaram o número de advogados de renome. William Barr, ex-procurador-geral dos EUA, está ajudando Murdoch a reescrever o fundo, e ele também contratou Adam Streisand, advogado de julgamentos que trabalhou em casos de espólio envolvendo Michael ­Jackson e Britney Spears.

A rixa parece ter cobrado um preço da família. Quando Rupert se casou com sua quinta esposa, no mês passado na Califórnia, Lachlan teria sido o único dos quatro filhos mais velhos presente. Os outros dois também teriam se afastado. Com Lachlan como sucessor de seu pai, a Fox News e a News Corp continuarão sendo uma força conservadora. Mas, sob a estrutura atual do trust, os outros três irmãos, considerados mais moderados politicamente, podem reagir.

Espinha dorsal do conglomerado, o conservadorismo também é muito lucrativo. Em 2023, a Fox faturou 14,9 bilhões de dólares

Murdoch parece interessado em evitar essa perspectiva. O conservadorismo tem sido a espinha dorsal de seu império desde o início, e provou ser notavelmente lucrativo. Embora o magnata tenha formado relações bem-sucedidas com figuras conservadoras poderosas na Austrália e no Reino Unido, foi somente com a ascensão de Donald Trump que ele teve laços estreitos com a Casa Branca. Embora a Fox inicialmente desdenhasse de Trump, a rede logo se tornou seu megafone mais poderoso. Murdoch, por sua vez, teve acesso direto a um comandante em chefe.

Nem todos os filhos de Murdoch ficaram felizes com isso. Durante a presidência de Trump, Elisabeth, Prudence e James começaram a se afastar da política do pai. Quando Roger Ailes, ex-CEO da Fox, deixou a empresa em 2016, após várias denúncias de assédio sexual, ­James supostamente acreditou que poderia conduzir a rede em outra direção, trazendo um executivo experiente que era menos ideólogo. Em vez disso, o ­Murdoch mais velho assumiu como presidente.

No verão de 2020, James – que já foi um executivo sênior da News Corp – anunciou que estava se demitindo do conselho administrativo por “desentendimentos sobre certos conteúdos editoriais”. Ele e sua mulher, Kathryn, foram veementes sobre a crise climática e pareciam ressentir-se do negacionismo da Fox News e da News Corp.

“Nós discutimos política desde que eu era adolescente”, disse James sobre seu pai ao New York Times, em 2020. Nesse ano, James e sua mulher doaram mais de 600 mil dólares para a campanha do presidente Joe Biden.

Murdoch, afinal, coroou Lachlan como seu sucessor. Embora Lachlan não fale publicamente sobre suas ideias políticas pessoais, segundo relatos elas geralmente inclinam-se mais para o conservadorismo do que as de Rupert. E, embora Lachlan pareça menos interessado do que o pai em influência política, ele importa-se com lucros. Trump tem sido lucrativo.

Espelho. Ao assistir à popular série da HBO, os integrantes da família Murdoch talvez enxerguem o próprio reflexo – Imagem: HBO/Max e Redes sociais/Fox News

Depois que Trump perdeu a eleição, em 2020, seu relacionamento com a rede azedou. A Fox News estava relatando que Biden tinha vencido, apesar das alegações desenfreadas de interferência feitas por Trump. “É muito triste ver isso acontecer”, tuitou Trump na época. “Mas eles esqueceram o que os tornou bem-sucedidos, o que os levou até lá. Eles esqueceram a galinha dos ovos de ouro.”

O que é bom para os pontos de audiência é bom para os negócios da Fox, e o que é bom para os negócios é bom para os herdeiros de Murdoch – era o que o juiz tinha em vista ao conceder a Murdoch a capacidade de alterar o fundo irrevogável. “É isso mesmo, você pode provar o que é do melhor interesse da empresa? Você pode provar que outra coisa é do melhor interesse da empresa?”, disse Zachary Kramer, reitor da Faculdade de Direito da Universidade Elon e especialista em direito fiduciário e patrimonial. “Esta será a posição de ­Rupert Murdoch: ‘Queremos tomar decisões que sejam do melhor interesse da empresa, porque, se a empresa for bem-sucedida, os beneficiários se sairão melhor ainda’.”

James, Elisabeth e Prudence podem argumentar que apoiar Trump não foi tão bom para a rede. Em 2021, a ­Dominion processou-a por 1,6 bilhão de dólares em um caso de difamação, depois que aliados de Trump na rede disseram que a empresa de equipamentos de votação participou de um complô para fraudar a eleição em 2020.

A Fox News acabou fechando um acordo com a Dominion por 787,5 milhões de dólares, embora a soma tenha sido uma ninharia em comparação com os 14,9 bilhões em receita que a companhia como um todo obteve durante o ano fiscal de 2023.

No último ano, as relações entre Trump e a Fox parecem ter descongelado. Trump liga para os programas com mais frequência e o canal organizou uma palestra com ele no começo do ano. A influência da família Murdoch mudou nos últimos anos. Há novos players de mídia, como a Newsmax, e outros bilionários influentes estão cortejando Trump, como Elon Musk, dono da X, que está injetando milhões na campanha de Trump.

O próprio Murdoch foi visto basicamente à margem da convenção nacional republicana em julho em Milwaukee. “Houve um tempo em que, se você quisesse sobreviver no Partido Republicano, tinha de se curvar a ele ou a outros”, disse ­Donald Trump Jr. num evento na convenção. “Eu não acho que isso ainda aconteça.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1322 de CartaCapital, em 07 de agosto de 2024.

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