Frente Ampla
O triunfo do amor
Não foram poucos a manifestar indignação frente ao que consideraram um desrespeito na abertura dos Jogos Olímpicos, como se a fé cristã não acolhesse o diverso


Deu o que falar a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Revoltados de plantão elegeram a suposta, mas não verdadeira, referência à última ceia como a vilã da festa. A “Festa dos Deuses” foi expressa de forma inovadora e inclusiva. Não foram poucos a manifestar verdadeira indignação frente ao que consideraram um desrespeito. Como se a fé cristã não acolhesse o diverso. Acolhe. A crítica veio guiada pela ignorância dos que desconhecem isso. Mas, apesar de ter sido a catalisadora do pensamento conservador, este não foi o motivo de tanto desgosto.
Numa cerimônia que resgatou a História e a Cultura francesas, não faltaram outras referências para exaltar o solo revolucionário e a imensidão de personalidades (com destaque para as mulheres) que contribuíram para fazer da França um museu vivo. Gastronomia, moda, literatura, teatro, música, cinema, artes visuais e dança deram as mãos para celebrar o esporte. E Paris tinha muito a mostrar. Foram 12 capítulos entre os desfiles das delegações que registraram o espírito francês.
Mas, talvez, os “tés” que passaram pelas telas e telões tenham sido demasiadamente insuportáveis para os que não toleram o que cada um deles simboliza. Enchanté. Synchronicité. Liberté. Egalité. Fraternité. Sororité. Sportivité, Festivité. Diversité. Solidarité. Os “tés” que se somaram a um chamado pela paz: “Ensemble, Unis Pour La Paix” (Juntos, unidos pela paz, em português). A cada um deles, uma forte simbologia na forma de arte expressava uma visão de uma sociedade inclusiva. Um povo que não aceita que preconceitos, ódios e violências prevaleçam.
Poderia aqui citar inúmeros momentos que atiçaram os ânimos. Aya Nakamura cantando rodeada por uma banda militar. O novo e a tradição unidos. Um piano em chamas acompanhando uma mensagem poderosa pela paz. O hino francês na lindíssima voz de uma cantora negra, Axelle Saint-Cirel. Os aplausos emocionados à delegação da Palestina. O prêmio ao idealizador da equipe olímpica de refugiados, Filippo Grandi.
Numa das cenas da abertura das Olimpíadas, dentro de uma biblioteca, o talento literário foi destacado. Inúmeros livros, todos com o tema do amor, foram sendo mostrados. Um deles, O Triunfo do Amor, de Marivaux, dá o tom do fio que perpassou toda a cerimônia. O amor pelo outro e por si próprio. O amor pelo esporte. Pelo país que cada atleta representa. O amor pelas cores e bandeiras. O amor pelas regras que impõem respeito aos adversários, posto que não são inimigos. O amor pela superação de limites e pelo suor que leva à vitória.
Para os que defendem cada um dos “tés” foi disso que se tratou. Por trás de cada um deles, está o amor. E quem é capaz de amar não julga, não desrespeita, não ofende, não oprime e não subjuga. Esta é a mensagem intolerável para os que questionam a cerimônia. A crítica elegeu um inimigo, mas o conjunto da obra foi o que realmente ofendeu quem não tem espaço para o amor e solidariedade no coração.
E, para fechar com chave de ouro, a apresentação deslumbrante de Celine Dion trouxe o Hymne à l’amour, de Édith Piaf. “Dieu réunit ceux qui s’aiment” (Deus une aqueles que amam). Une na fraternidade, na sororidade, na igualdade e na diversidade. Quem não gostou do que viu, não sabe sequer o significado de cada uma dessas palavras. Que dirá colocá-las em prática.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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