

Opinião
A nova era do combate à fome no Brasil
A mobilização democrática dos movimentos sociais e as políticas públicas do governo Lula podem tirar o Brasil do Mapa da Fome


Quando afirmamos que o Brasil vive uma conjuntura política de defesa e fortalecimento da democracia, é fundamental ir além da dimensão institucional. Sem políticas públicas que combatam as desigualdades e garantam ou ampliem direitos, nenhuma democracia pode sobreviver. Não basta defender as instituições, é preciso materializar a democracia na vida cotidiana do povo.
Por isso devemos comemorar a redução da insegurança alimentar no Brasil após a posse de Lula. De acordo com a FAO, o número de pessoas em insegurança alimentar severa caiu 85%, de 17,2 milhões em 2022 para 2,5 milhões em 2023. A ONU, por outra metodologia, apontou que 31 milhões de brasileiros saíram da insegurança alimentar nesse período. No entanto, há um caminho a ser percorrido: ainda há 8,4 milhões de brasileiros vivendo em condições de subnutrição e fome.
Essa conquista reflete a prioridade que o presidente Lula sempre deu ao combate à fome em sua trajetória. Isso inclui seu programa político nas eleições de 2022 e a estratégia de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, desenhada desde o governo de transição, antes mesmo de assumir o mandato.
A criação de secretarias específicas – a Secretaria Extraordinária de Combate à Fome e a Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional – forma a base institucional dessa estratégia. Destas iniciativas surgiram programas importantes como o Brasil Sem Fome, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Alimenta Cidades. Este último é uma política de segurança alimentar e nutricional voltada para as cidades brasileiras, com foco especial nas periferias urbanas, visando territorializar as ações de combate à fome para alcançar as pessoas que ainda sofrem com essa condição.
Além disso, o governo Lula lançou, no âmbito da reunião presidencial do G-20, a Aliança Global contra a Fome e Pobreza, que visa integrar políticas públicas entre os países para avançar no combate à fome em escala internacional. O Brasil se comprometeu a financiar 50% dessa aliança e também propôs a criação de um imposto global que incida sobre os super-ricos para financiar ações desse tipo.
A estratégia de combate à fome, como elemento central do fortalecimento da democracia brasileira, inclui também um forte braço de mobilização social. Esse movimento começou com a 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 2023 e ganhou força com a implementação de um programa inspirado na experiência das Cozinhas Solidárias.
As Cozinhas Solidárias são uma iniciativa dos movimentos sociais que surgiu durante o governo Bolsonaro para combater a fome. Nesse período, as políticas públicas de combate à fome, já desmanteladas pelo governo de Michel Temer, foram completamente destruídas. Isso resultou no retorno do Brasil ao Mapa da Fome, com dezenas de milhões de pessoas enfrentando insegurança alimentar severa, desfazendo uma década de avanços no combate à fome no país.
Movimentos sociais como o MTST e o MST já desenvolviam experiências de cozinhas coletivas em suas ocupações urbanas e assentamentos rurais, expandindo essa ação para alcançar a população das periferias urbanas e rurais em situação de fome.
Por serem espaços de acolhimento comunitário, as Cozinhas Solidárias têm um potencial formativo e de integração de políticas públicas. Quase sempre lideradas e conduzidas por mulheres negras, permitem transversalizar ações de promoção da igualdade de gênero e raça. Antes de se tornarem um programa de governo, as Cozinhas Solidárias já potencializavam iniciativas como creches e escolas comunitárias dos movimentos sociais, além de rodas de conversa sobre alimentação saudável e hortas comunitárias, que fomentam uma dinâmica de educação ambiental, entre outras atividades.
Por fim, mas não menos importante, as Cozinhas Solidárias podem ter um papel decisivo na busca ativa das pessoas que ainda estão passando fome. Há um contingente de pessoas difícil de alcançar pelos métodos tradicionais de cadastramento, e a mobilização comunitária e democrática dos movimentos sociais pode cumprir um papel decisivo nisso.
Em suma, com mais democracia, tanto institucional quanto social, o Brasil voltará a se orgulhar ao sair do Mapa da Fome ainda neste mandato do presidente Lula. Sem pessoas com fome, nossa democracia se torna mais forte.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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