Opinião

Privataria Tarcisiana, a venda da Sabesp é um fracasso

Parece até mentira, mas o governo deixará de receber participação nos lucros e usará recursos públicos para garantir as tarifas. Enquanto isso, os acionistas seguirão lucrando

Privataria Tarcisiana, a venda da Sabesp é um fracasso
Privataria Tarcisiana, a venda da Sabesp é um fracasso
Tarcísio no evento que formalizou a privatização da Sabesp, nesta terça-feira (23), na sede da B3, em São Paulo (Foto: Mônica Andrade/Governo do Estado de SP)
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A sanha privatista do governador Tarcísio de Freitas continua causando estragos e prejuízos. O absurdo da vez é a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp. A privatização está envolta em incoerências e suspeitas de irregularidades. A maior empresa de saneamento da América Latina, com lucro líquido de 3,12 bilhões de reais, foi vendida por um preço 10,6% abaixo do mercado e da própria expectativa do governador. As ações foram negociadas a 65 reais, enquanto na bolsa estavam a 75 reais.

A Equatorial Energia fez uma oferta de 6,87 bilhões de reais por 15% da Sabesp. Um valor muito aquém da expectativa do governador, que esperava lucrar 30 bilhões de reais. Na prática, vai arrecadar no máximo 50% desse valor, pois a venda do restante das ações (17%) não ultrapassará 8 bilhões de reais.

Essa venda é uma verdadeira lambança e demonstra a incapacidade do governador de gerenciar o estado mais rico do país. Para cumprir a promessa de reduzir tarifas após a venda, ele vai retirar recursos obtidos com a privatização para controlar os preços de uma empresa que agora será privada. Parece até mentira, mas o governo deixará de receber participação nos lucros e usará recursos públicos para garantir as tarifas. Enquanto isso, os acionistas seguirão lucrando.

Além disso, é inacreditável que a Sabesp, responsável pelo serviço de água, coleta e tratamento de esgoto em 375 municípios, atendendo 28,4 milhões de pessoas, só tenha atraído o interesse de uma única empresa sem experiência no ramo. A Equatorial está gerindo há dois anos o serviço no Amapá, um estado cuja população corresponde aos moradores de um bairro da zona sul de São Paulo. Tarcísio entregou uma empresa lucrativa, com tecnologia e conhecimento, para uma empresa do setor de energia que já figurou como a pior do ramo no ranking da Aneel.

Curiosamente, a presidente do conselho de administração da Sabesp, Karla Bertocco, tinha, até dezembro de 2023, cargo no conselho da Equatorial. Outro ponto de estranheza: ela abriu mão de ganhar 1 milhão de reais por ano no conselho da Equatorial para receber 160 mil reais anuais na Sabesp. Será que já sabia quem levaria o leilão? Será que sabia que seu salário na Sabesp em breve aumentaria significativamente?

O que não surpreende é que os principais acionistas da Equatorial são o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra Capital e o fundo americano Blackrock. Ao se tornar acionista de 15% da Sabesp, a Equatorial vai indicar boa parte da diretoria. O foco da gestão já é evidente: garantir lucros bilionários aos acionistas e prestar um serviço péssimo, modelo adotado pela Enel. A Equatorial ainda nem assumiu o comando da Sabesp e já apresentou aos investidores um plano estratégico que inclui corte de trabalhadores e maior distribuição aos acionistas.

O silêncio de alguns veículos da grande mídia sobre a privatização da Sabesp é escandaloso. Historicamente, eles defendem a política de Estado mínimo e privatização, mas surpreende a cobertura pífia sobre as suspeitas no processo. Sem concorrência, com preço abaixo do mercado e suspeitas de conflitos de interesse, nada disso despertou considerável interesse da grande mídia. Curioso, não?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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