Entrevistas
Retórica pós-atentado de Trump, mesmo violenta, pode seduzir indecisos
Para o professor Rafael Ioris, o atentado amplia o favoritismo de Trump, diante de um Partido Democrata que sequer consegue bater o martelo sobre seu candidato


O ataque a tiros na Pensilvânia, no último sábado 13, torna Donald Trump ainda mais favorito a vencer o pleito de novembro nos Estados Unidos. Ironicamente, apesar de sua retórica incendiária, ele pode conquistar a empatia de eleitores indecisos e potencialmente decisivos.
Essa é a avaliação de Rafael Ioris, professor de História e Política da Universidade de Denver, no Colorado.
Se, entre os republicanos, fortalece-se na base republicana a imagem de Trump como um “messias”, os indecisos podem passar a se questionar sobre os motivos do atentado contra o magnata – que, pelo desfecho, projeta uma imagem de força. Agrega-se a esse cenário a confusão no Partido Democrata, com dúvidas sobre a própria permanência do presidente Joe Biden na campanha eleitoral.
“Ou seja, em uma situação excepcional, as coisas ainda assim estão favorecendo Trump”, resume o especialista. “Por isso, eu acho que o favoritismo dele se consolida”, afirma Ioris em entrevista a CartaCapital.
Confirmando essa maré positiva, uma juíza da Flórida rejeitou nesta segunda-feira 15 um caso criminal contra ele pela acusação de gestão indevida de documentos confidenciais, devido a razões processuais. De toda forma, condenações judiciais não têm abalado a imagem do ex-presidente diante de sua base.
Na Convenção Nacional Republicana, em Wisconsin, nesta segunda, Trump anunciou como seu vice o senador J.D. Vance, de Ohio. O evento também formalizou o ex-presidente como candidato à Casa Branca.
Já a convenção do Partido Democrata está agendada para o período entre 19 e 22 de agosto, em Chicago. Até lá, deve seguir forte a pressão sobre Biden para que desista da corrida.
Por ora, o presidente aposta na moderação para lidar com a repercussão imediata dos tiros disparados contra Trump. Em um raro discurso no Salão Oval da Casa Branca, afirmou ser hora de “baixar a temperatura” política e avaliou se tratar de “um período de teste” para os Estados Unidos.
Leia os destaques da entrevista.
CartaCapital: Trump é mais favorito agora do que era até sábado?
Rafael Ioris: Tudo faz indicar que sim. A base republicana está muito mais motivada para a eleição do que a base democrata – que, em geral, é um pouco mais heterogênea e, portanto, mais difícil de mobilizar e de manter coesa. Já Trump domina o Partido Republicano, “trumpenizou” o partido.
A volta de Trump seria uma coisa existencial, a defesa da “verdadeira América”. O atentado consolida ainda mais a noção de que Trump é uma “vítima”, um “mártir”. A narrativa corrente é de que o deep state, supostamente liderado pelos democratas, o considera uma ameaça tão grande que tentou até matá-lo – ainda que o autor dos tiros tivesse mais afinidade com os republicanos do que com os democratas.
Há ainda certo aspecto religioso, de que ele só sobreviveu “porque Deus quis”. Há essa narrativa messiânica. Vão martelar muito isso na convenção que começa hoje. A história americana é muito pautada por um messianismo, e isso se recoloca nessa base trumpista.
CC: O atentado pode aproximar Trump de eleitores até aqui considerados indecisos?
RI: Acho que sim… Em qualquer atentado similar, o que em geral aconteceria é ter empatia com a vítima. “Por que queriam matá-lo? É porque ele ameaça essa lógica de ‘inimigos da nação'”? É irônico, porque quem trouxe muito uma narrativa mais violenta para a política nos últimos tempos foi de fato Trump, mas acho que haverá uma empatia maior em setores mais indecisos ou que não estavam prestando tanta atenção à campanha.
CC: O atentado deve mudar a retórica violenta de Trump?
RI: Nessas últimas 48 horas, ele tem feito declarações mais moderadas. No ato, o gesto que ele fez foi claro – “fight, fight“. Depois, fez pronunciamentos na linha “precisamos nos unir”.
Mas é difícil acreditar que isso vai durar. Tem mais três meses de campanha pela frente, e seria muito surpreendente que o Trump tivesse passado por uma iluminação existencial e se tornasse um cara mais moderado.
O que ele quer dizer com “América unida”? Não é a América toda, é a América dele, a América que ele projeta. Ele quer que a base dele se torne mais aguerrida. E a base dele entende muito bem isso.
É uma coisa que parece quase predestinada… O cara conseguiu, no meio daquela coisa toda, fazer aquele gesto com a bandeira, para aquela foto, que é perfeita. Ou seja, em uma situação excepcional, as coisas ainda assim estão favorecendo Trump. Por isso eu acho que o favoritismo dele se consolida.
Comício de Donald Trump é interrompido após supostos sons de tiros, em 13 de julho de 2024. Foto: Rebecca Droke/AFP
CC: Como foram as últimas semanas de Biden e como o atentado deve impactar a campanha?
RI: A campanha já não vinha bem, estar na defensiva é sempre ruim se você quer ser o vencedor.
Seis meses atrás, ele já tinha vários problemas a explicar. Inflação, por exemplo. “Por que eu devo te reeleger se a minha vida está mais difícil, se o custo de vida aumentou?” E ele dizia duas coisas: que a culpa era de uma inflação global, que tem a ver com a guerra da Ucrânia, e que ele fez tudo para melhorar e está melhorando. Quando você tem de explicar, já está na defensiva.
Além disso, há uma certa divisão, com a grande maioria apoiando o suporte dos Estados Unidos à Ucrânia, mas começando a haver um certo desgaste. Aí se agregou a questão de Gaza, que dividiu ainda mais um eleitorado mais favorável, a princípio, aos democratas.
CC: Após o debate, a acuidade física e mental começou a preocupar ainda mais… O atentado muda o jogo?
RI: Não estava claro antes do atentado se Biden ia sair ou não, mas ele estava sendo muito resistente a essa ideia. Vamos dizer que em um cenário em que ele abdicasse da indicação do partido, o mais provável, por razões procedimentais, seria que Kamala Harris fosse a substituta. Seria o caminho menos traumático. E há uma coisa em que ela poderia dar um gás para doadores e para bater em Trump: uma mulher miscigenada batendo em um homem branco misógino. Mas bater em um cara que agora é visto como vítima é arriscado. Ou seja, apresenta-se um desafio adicional à campanha democrata, com Biden ou sem ele, de como bater na vítima.
CC: Uma retirada de candidatura tem de partir de Biden? Ou o partido pode tomar essa decisão independentemente dele?
RI: A não ser que se deteriore rapidamente no próximo mês a acuidade mental dele, acho muito difícil tirá-lo sem a sua anuência. Se Biden não quiser abrir mão, é muito difícil tirá-lo. Seria visto pela opinião pública como um golpe do partido e enfraqueceria o próximo candidato, que entraria como ‘golpista’.
E Biden, até o momento, está resistente. Ele também não está totalmente fora do ar, terá dias bons e dias ruins. E fica nessa indefinição, porque não não é uma uma decisão branco e preto.
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