Sociedade
#NemPresaNemMorta: audiência debate descriminalização do aborto no STF
Ao longo do dia a hashtag ficou entre os tópicos mais populares da rede social no Brasil enquanto a sociedade civil discutia o tema


Nesta sexta-feira 3 o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o debate público sobre a ação que pede a descriminalização do aborto. A discussão passa por definir se o aborto deve ser visto como um problema de saúde pública, se o direito de decidir sobre o próprio corpo no caso de uma gestação é garantido pela Constituição, e se tratar a interrupção da gravidez como crime é ou não uma medida eficiente para evitar a prática do aborto e, ao mesmo tempo, proteger a vida das mulheres. As discussões se encerram às 19h serão retomadas na manhã da segunda-feira 6.
Ao longo do dia a hashtag #NemPresaNemMorta ficou entre os tópicos mais populares da rede social no Brasil. O STF recebeu mais de 180 pedidos para falar na audiência e selecionou os palestrantes com base na representatividade, na qualificação técnica e na “pluralidade” das opiniões.
Cerca de 60 pessoas – entre representantes de religiões, médicos, juristas e ativistas brasileiros e estrangeiros – apresentam suas posições aos ministros do tribunal e ao público presente. As exposições irão orientar os ministros quando o caso for levado para julgamento no plenário, o que ainda não tem data definida.
As audiências foram convocadas pela relatora, a ministra Rosa Weber. Ao abrir o debate, a presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia pediu “tolerância quanto à compreensão diferente dos temas”.
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Pela manhã a doutora Sandra Elena Sposito, que é a favor da descriminalização e falou em nome do Conselho Federal de Psicologia, rebateu a tese defendida pelos grupos intitulados pró-vida (a favor ds criminalização) de que o aborto seria uma prática de eugenia. “Decisões individuais das mulheres não podem ser consideradas eugenia. Eugenia são as esterilizações compulsórias feitas contra as mulheres”, disse.
Sandra, que tem deficiência física, afirmou que as mulheres com deficiência passam suas vidas tendo sua sexualidade negada e que o aborto é também fruto dessa recusa e da falta de informação. “Imagine como é para uma mulher cega ou surda acessar a educação sexual e reprodutiva, ou mesmo conversar com um médico sobre a nossa sexualidade. Para eles somos estéreis. E isso faz com que sequer recebemos informação sobre contracepção. Queremos nós decidir sobre a nossa fecundidade”, acrescentou.
Antes disso falou a representante do grupo Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, Lenise Aparecida Martins, que defendeu seu ponto de vista a partir da argumentação sobre eugenia, e afirmando que estava “defendendo uma pessoa que ainda não pode se defender”. Lenise terminou sua exposição com a pergunta “Será que a vida de quem tem passado vale mais do que a vida de quem tem futuro?”
Histórico
Atualmente, a legislação brasileira considera legal o aborto em três circunstâncias: quando a gravidez resultar de um estupro, no caso de fetos anencéfalos ou caso a gestante esteja correndo risco de vida. Hoje a mulher que aborta e os que a ajudam a realizar o aborto podem pegar de um a três anos de detenção.
Dentre os estudos mais relevantes, está a Pesquisa Nacional de Aborto – PNA, publicada em 2010, que mostrou que uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já fez pelo menos um aborto, o que representa cerca de 5 milhões de mulheres.
Segundo dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 500 mil mulheres recorrem ao aborto clandestino todos os anos. Um dos relatórios que irá subsidiar a decisão do STF aponta que total de tratamentos feitos pelos SUS em complicações consequentes de um aborto – como hemorragias e infecções -, 75% são de interrupções voluntárias feitas ilegalmente. Ao menos 4.455 mulheres morreram de 2000 a 2016.
O principal argumento da ação movida pela ONG Anis-Instituto de Bioética e pelo PSOL é o de que a proibição viola direitos fundamentais previstos na Constituição, como o direito à dignidade, à cidadania e à vida, levando em conta que milhares de mulheres colocam suas vidas em risco ao buscar a interrupção ilegal da gravidez.
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