

Opinião
Brasil deveria desestimular a visita de chefes de Estado que apoiem golpistas, como Milei
Somos, porém, um país bastante acovardado, ainda, devastado pelo neoliberalismo escravocrata


“Houve um tempo em que tive um certo esnobismo com relação à música popular. Isso foi no tempo em que eu achava que era o poeta, aquelas besteiras que você pensa quando é menino” – Vinicius de Moraes
O Brasil, aos trancos e barrancos, cresce: já somos a oitava economia do mundo; o desemprego caiu ao menor índice dos últimos 10 anos e a pobreza absoluta também se reduziu, atingindo a menor marca da série histórica (desde 2012), graças aos exitosos programas sociais promovidos pelo governo Lula.
Em breve, será possível que o Brasil volte a ocupar o espaço internacional que conquistara antes do golpe de Estado de 2016.
Nessa perspectiva, seria importante que o País se preparasse para se defender externamente e levar à Justiça aqueles que violarem a legislação brasileira, ainda que no exterior.
Vale recordar que na Lava Jato foi notória a manipulação dos órgãos de governo dos Estados Unidos da América para sancionar desproporcionalmente a Petrobras e as construtoras brasileiras, sem que os governos golpistas de Michel Temer e Jair Bolsonaro esboçassem qualquer reação, no sentido de protegê-las e, dessa forma, reparar a patente injustiça cometida não apenas contra elas, mas toda a nação brasileira.
Convém notar que a Justiça estadunidense é altamente ideologizada: por exemplo, a Corte Suprema acaba de decidir que um presidente é inimputável no cargo.
Isso representa um contrassenso evidente, na medida em que todos os funcionários públicos o são, sem exceção.
Dessa forma, que exemplo e que métrica de ética e moralidade darão os presidentes daquele país aos seus subordinados e a toda a nação?
O fato de que a esdrúxula sentença irá beneficiar Donald Trump, isentando-o dos crimes cometidos na Presidência, não é, evidentemente, mero acaso.
Nesse sentido, caberá instruir e capacitar na matéria os agentes externos brasileiros, desde empresários públicos e privados até diplomatas.
Com efeito, o golpe de Estado que impediu a posse de Evo Morales na Presidência da Bolívia, em 2019, foi sabidamente articulado pelas embaixadas dos EUA, da União Europeia e do Brasil, em La Paz.
Entretanto, não há qualquer registro de investigação sobre as comunicações entre o Itamaraty e aquela embaixada à época, o que não pode ser saudável para a democracia boliviana e ainda menos para a brasileira. Ao contrário, a ausência de transparência sobre esse nefasto episódio da política externa irá, forçosamente, projetar sombras sobre o relacionamento bilateral, com um país irmão e fronteiriço, até que tudo seja devidamente esclarecido.
Pior, por representar uma evidente violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, a interferência indevida nos assuntos internos do país acreditante traz uma nódoa para a diplomacia brasileira que só poderá ser removida com a elucidação do episódio, por mais doloroso que seja.
Nesse diapasão, os deputados Ricardo Salles, Bia Kicis e Gustavo Geyer deveriam automaticamente perder seus mandatos, por terem publicamente apoiado a tentativa de atentado à democracia na Bolívia.
Igualmente, chefes de Estado que apoiem golpistas deveriam ser desestimulados a visitar o Brasil, como é o caso do vizinho Milei, que pretende vir ao País para se encontrar com o golpista Bolsonaro, cuja prisão, infelizmente, tarda.
Mas somos um país bastante acovardado, ainda, devastado pelo neoliberalismo escravocrata.
Nos âmbitos municipais isso fica muito evidente. Dois exemplos: nos terminais de ônibus municipais de Jundiaí, não há sequer um policial, deixando os passageiros à mercê de todo tipo de estafas e agressões, sem terem a quem recorrer. Em Sorocaba, por sua vez, o cemitério mais parece um filme de terror, com túmulos abertos, literalmente, pois a segurança, se houver, deve ser minúscula, claramente insuficiente. O neoliberalismo não acredita em lágrimas ou em nem sequer respeitar os mortos. A resposta ao descalabro é dada pelos próprios funcionários: deverá haver privatização da segurança. Ou seja, o mesmo roteiro de sempre: deixar degringolar para que a população apoie a privatização. A direita não falha…
Em âmbito internacional, pobres dos franceses, sendo que de cada três eleitores, um votou na extrema-direita, no primeiro turno das eleições legislativas, no último domingo.
Para o Sul Global, a notícia não poderia ser pior, mas a África, mais uma vez, indica-nos o caminho: a independência das velhas metrópoles e a busca de alternativas, sobretudo o aprofundamento da integração continental, pois, no concerto das nações, só se ouvem as vozes claras; só se acolhem as legítimas, ainda que no longo prazo.
Em Pai nosso que estais na terra (editora Paulinas), o cardeal português José Tolentino Mendonça ilustra: “Há um rabino, comentador da Cabala, Soloviel, que afirma: ‘As duas vozes, a de Deus, que não devemos nomear, e a voz do Mal, do Mal inominável, são terrivelmente semelhantes. A diferença entre uma e outra é apenas o som de uma gota de chuva a cair no mar'”.
Fazer o discernimento, conjuntamente, é, de fato, divino, libertador, emancipador.
Naquela mesma obra, o prelado português rememora: “Michelangelo dizia que as suas esculturas não nasciam de um processo de invenção, mas de libertação”. Estavam lá, dentro da pedra, ele apenas as libertava.
Que a humildade do gênio que nos legou o Davi, o Moisés, Deus e Adão – no teto da Capela Sistina – nos permita refletir sobre nossas escolhas, inclusive para as eleições municipais, que não tardam.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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