CartaCapital
Drogas/ Vitória de Pirro?
O STF descriminaliza posse de maconha e Arthur Lira prepara revide na Câmara


Depois de nove anos de julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu, na quarta-feira 26, descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal e definir uma quantidade mínima da droga para diferenciar usuário de traficante. O processo começou a ser julgado em 2015 e foi paralisado em diversas ocasiões por pedidos de vista dos ministros da Corte.
Inicialmente, o relator Gilmar Mendes defendeu que a medida fosse estendida para todas as drogas, por entender que a persecução penal de usuários e dependentes químicos compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de provocar o inchaço dos presídios no Brasil, que já possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. Depois, o magistrado decidiu restringir a descriminalização apenas à maconha, ajustando-se à tendência da maioria de seus colegas.
O avanço pode, porém, transformar-se numa vitória pírrica. Tão logo a decisão foi anunciada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, oficializou a criação da comissão especial que vai analisar a PEC das Drogas. Patrocinada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a proposta proíbe a posse de qualquer quantidade de narcótico e mantém um dos maiores vícios da atual legislação: a falta de um critério objetivo para distinguir usuário de traficante, deixando a distinção à análise subjetiva de policiais e juízes.
Na prática, jovens negros, pobres e periféricos quase sempre são considerados traficantes, com pena de até 15 anos de reclusão, ao passo que jovens brancos e moradores de bairros abastados costumam ser enquadrados como usuários, sujeitos a punições alternativas à prisão, mesmo quando são flagrados com quantidades idênticas ou superiores de entorpecentes. Unidos pelo atraso, Lira e Pacheco parecem dispostos a manter tudo como está.
A miragem das aulas
Os técnicos-administrativos das universidades federais decidiram continuar em greve, mesmo após os professores anunciarem o retorno ao trabalho após 69 dias de paralisação. Em assembleia na segunda-feira 24, a Fasubra, federação sindical que representa a categoria, decidiu recusar a proposta do governo Lula e manter as negociações com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Com isso, a volta às aulas será prejudicada. Os docentes podem estar presentes, mas faltarão funcionários para manter o serviço de laboratórios, bibliotecas e restaurantes universitários.
Diplomacia/ Deportação a jato
Palestino é impedido de entrar no Brasil por ter sido incluído em obscura lista do FBI
O professor se diz vítima de perseguição política – Imagem: Redes sociais
Barrado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o professor palestino Muslim M. A. Abuumar protestou contra a decisão das autoridades brasileiras de deportá-lo no domingo 23. “Essa jornada árdua incluiu uma decisão injusta da Polícia Federal de impedir minha entrada no Brasil, emitida sob ordens de um país estrangeiro imperialista que patrocina ativamente o genocídio em Gaza perpetrado por Israel”, afirmou, em comunicado à imprensa, após retornar com a família para a Malásia.
Abuumar, de 37 anos, desembarcou em Guarulhos com a esposa grávida, o filho e a sogra na sexta-feira 21. A família ficaria quase um mês no estado de São Paulo, onde mora um irmão do palestino. Depois de passar por interrogatório, o professor foi informado de que não poderia entrar no País. A deportação foi autorizada por uma juíza plantonista. Segundo o jornal O Globo, o nome do palestino figura em uma lista feita pelo FBI, polícia federal dos EUA, de pessoas supostamente vinculadas ao Hamas.
O professor se diz perseguido por seu posicionamento político. “Fui muito claro ao afirmar que, como acadêmico e como palestino, acredito que Israel é um regime de apartheid, que está cometendo um genocídio em Gaza e deve ser levado à Justiça, e isso está de acordo com o direito internacional e a posição do próprio governo brasileiro.” A PF não comentou o caso.
Mortes festejadas com “charutos e cerveja”
Cinco policiais militares foram afastados de suas funções após permitirem que um youtuber norte-americano participasse de operações em favelas da Zona Norte de São Paulo. Gen Kimura divulgou as imagens nas redes sociais. Na gravação, o influenciador diz ter obtido a permissão do comando do 18º Batalhão da PM para “mostrar a realidade do trabalho policial em uma das cidades mais perigosas do mundo”. Em uma das conversas registradas no trajeto, um policial comentou que as mortes de criminosos são comemoradas “com charutos e cerveja”. Os agentes cumprirão serviços administrativos durante o período de investigação interna da corporação.
Justiça Eleitoral/ O valentão das redes sociais
TSE mantém prisão de ex-deputado por violência política de gênero
Costa ficou conhecido por bajular Temer com tatuagem – Imagem: Redes sociais
O Tribunal Superior Eleitoral manteve, na terça-feira 25, a prisão preventiva do ex-deputado Wladimir Afonso Rabelo da Costa, um ex-delegado acusado da prática de violência política de gênero contra a deputada federal Renilce Conceição Nicodemos de Albuquerque, do MDB do Pará. Por unanimidade, os ministros da Corte decidiram pelo indeferimento do pedido da defesa pela revogação da medida cautelar.
Segundo o inquérito, o réu ameaçou e perseguiu a deputada pelas redes sociais, chegando a divulgar o telefone da vítima e a impulsionar vídeos com ofensas e humilhações. Costa também realizou lives, nas quais fazia ilações acerca de relacionamentos da vítima, incitando violência contra a mulher.
Ao votar, a relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, observou que o ex-deputado cumpriu algumas medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e o distanciamento físico da vítima, mas ele continuou a ofender a vítima na internet. Deputado federal por quatro mandatos consecutivos, de 2003 a 2019, Wladimir Costa ficou nacionalmente conhecido por tatuar o nome do ex-presidente Michel Temer entre o ombro e o braço direito.
Sociedade/ Assange livre
O fundador do WikiLeaks aceita um acordo e deixa a prisão
De volta para casa – Imagem: Wikileaks/AFP
Após 1.901 dias em um presídio de segurança máxima, Julian Assange está livre. O fundador do WikiLeaks aceitou os termos de um acordo com a Justiça dos Estados Unidos, no qual se declara culpado por violar a Lei de Espionagem norte-americana e conspirar para obter e divulgar ilegalmente informações confidenciais de defesa nacional. A pena inicial de até 175 anos proposta pelo Ministério Público dos EUA será reduzida a 62 meses, período compensado pelos quase cinco anos de detenção do australiano no Reino Unido. O pai de Assange agradeceu a interferência diplomática de Anthony Albanese, primeiro-ministro da Austrália. A atuação de Albanese foi essencial para a Justiça britânica conceder uma nova possibilidade de recurso, depois de um tribunal de Londres determinar a extradição para os EUA. Também pesou no acordo agora oferecido por Washington. “A prioridade é que ele volte a ficar saudável. Tem estado numa condição terrível nos últimos cinco anos”, afirmou Stella Assange, mulher do jornalista. Para o fundador do WikiLeaks, obviamente, é melhor assinar o acordo do que se submeter a uma punição equivalente a uma pena de morte, mas a solução oferecida pelo Departamento de Justiça norte-americano não deixa de ser uma ameaça à liberdade de imprensa, como bem lembrou Stella. “Iremos pedir perdão, mas o fato de haver uma confissão de culpa, ao abrigo da Lei de Espionagem, é uma preocupação muito séria para os jornalistas.” No anúncio da libertação, o WikiLeaks agradeceu o empenho de ativistas e autoridades que defenderam os direitos de Assange ao longo do processo.
Fim da mamata
Por decisão da Suprema Corte de Israel, os estudantes ultraortodoxos das escolas talmúdicas estão obrigados, como os demais jovens do país, a se alistar nas forças armadas. “Na ausência de uma regulamentação adequada, o Executivo não tem poder para ordenar a não aplicação da Lei do Serviço Militar”, afirmaram os magistrados. “O Estado deve agir para aplicar a lei.” A dispensa dos alunos do Talmude havia sido estabelecida em 1948 por David Ben Gurion e sempre foi uma moeda de troca pelos votos dos radicais extremistas.
Rússia/ Criminosos de guerra
O TPI emite mandados de prisão contra aliados de Putin
Choigu e Guérassimov na mira da Corte de Haia – Imagem: Andrey Rusov/Ministério da Defesa/Rússia
O ataque a alvos civis na Ucrânia levou o Tribunal Penal Internacional a emitir, na terça-feira 25, mandados de prisão contra dois aliados importantes de Vladimir Putin. Valeri Guérassimov, chefe do Estado-Maior, e Serguei Choigu, ex-ministro da Defesa, foram considerados pela Corte diretamente responsáveis pela destruição da infraestrutura elétrica da Ucrânia entre outubro de 2022 e março de 2023. “Os danos civis acessórios esperados teriam sido claramente excessivos em relação à vantagem militar esperada”, concluíram os magistrados. Procurador do TPI, Karim Khan definiu assim a decisão: “Como destaquei em várias ocasiões, nenhum indivíduo, em qualquer lugar do mundo, deve sentir que pode agir com impunidade”. Assim como Israel, a Rússia não assinou o Tratado de Roma, portanto seus cidadãos não estão, em tese, ao alcance do tribunal. O Kremlin considerou “insignificantes” os mandados de captura, mas o fato é que uma decisão anterior da Corte de Haia teve o condão de limitar os deslocamentos de Putin. Desde a emissão de um mandado de prisão contra ele, o presidente russo só visita países não signatários do tratado.
Protestos no Quênia
Uma proposta de aumento de impostos provocou uma tragédia no Quênia. Manifestantes invadiram o Parlamento e enfrentaram as forças de segurança nas ruas da capital, Nairóbi. Saldo: ao menos 17 mortos e 86 feridos. A reação policial foi criticada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. “Insto as autoridades a atuarem com moderação e peço para que as manifestações decorram de forma pacífica”, clamou. A segurança é “a prioridade máxima”, respondeu o presidente do país, William Ruto.
Geopolítica/ O triunfo da beligerância
O ex-primeiro-ministro holandês Mark Rutte vai comandar a Otan
Com Rutte, a estratégia de expansão permanece a mesma – Imagem: Sandra Blaser/WEF
A Organização do Tratado do Atlântico Norte escolheu trocar seis por meia dúzia. Sai o ex-primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, que ocupou por uma década o posto de secretário-geral, entra o ex-primeiro-ministro holandês Mark Rutte. Ambos defendem a expansão dos gastos militares dos associados da Otan e preferem manter o conflito na Ucrânia “até a derrota total da Rússia” a buscar um acordo de paz. Apesar do apoio dos Estados Unidos, a escolha de Rutte prolongou-se além do esperado, por objeções, agora superadas, da Hungria e da Turquia. O novo secretário-geral toma posse em outubro. Stoltenberg celebrou a indicação do sucessor. “Saúdo calorosamente a escolha de Mark Rutte”, afirmou. “É um verdadeiro transatlanticista, líder forte e construtor de consensos. Desejo-lhe todo o sucesso na medida em que continuamos a fortalecer a Otan para os desafios de hoje e de amanhã.” A nomeação também destravou a composição dos principais cargos na União Europeia. Rutte tinha se tornado um empecilho ao acordo entre o centro-direita, os socialistas e os liberais. Não mais. Ursula von der Leyen ganhará um novo mandato como comissária. António Costa, ex-primeiro-ministro de Portugal, será o presidente do Conselho Europeu e Kaja Kallas, premier da Estônia, assumirá o cargo de chanceler da UE.
Publicado na edição n° 1317 de CartaCapital, em 3 de julho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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