Sociedade
PM-SP enquadra negros como traficantes e brancos (com o mesmo volume de drogas) como usuários, diz pesquisa
Levantamento foi feito pelo Centro de Estudos Raciais do Insper, em São Paulo


Um estudo divulgado pelo Centro de Estudos Raciais do Insper evidenciou rastros do racismo estrutural na atuação da Polícia Militar de São Paulo.
Ao menos 31 mil pessoas pretas e pardas foram enquadradas como traficantes em situações similares a de brancos tratados apenas como usuários. Os dados do estudo foram divulgados pela Folha de S. Paulo nesta sexta-feira 21.
A distorção é devido à omissão legislativa da Lei de Drogas, que não estabelece critérios objetivos para a distinção de usuários e traficantes. Devido ao lapso, cabe aos agentes e ao Judiciário determinar, de acordo com critérios subjetivos, quem será preso e quem poderá ter direito a penas alternativas.
O estudo, conduzido pelo pesquisador Daniel Duque, analisou 3,5 milhões de boletins de ocorrência registrados pela PM de São Paulo entre 2010 e 2020. Para evidenciar a distorção, o pesquisador comparou casos de detidos do mesmo gênero, grau de instrução e quantidade da mesma droga.
Duque constatou, no levantamento, que a probabilidade de uma pessoa preta ou parda ser enquadrada como traficante é 1,5% maior do que a de uma pessoa branca.
O estudo ainda mostrou que o componente racial é ainda mais evidente em casos envolvendo pequenas apreensões de drogas leves, como a maconha. Além do fator raciais, nível de instrução também tem influência nas decisões policiais.
Indivíduos com ensino médio completo ou nível superior são mais frequentemente tratados como usuários, enquanto aqueles com menor grau de instrução são classificados como traficantes, mesmo em circunstâncias semelhantes.
O levantamento ainda indicou que, em áreas com maior proporção de pessoas pretas, a distorção do enquadramento entre usuário e traficante tende a ser menor.
Nos casos analisados, cerca de 80% das apreensões de drogas resultaram em autuações por tráfico, com um aumento para 84,3% em 2020, diz a publicação divulgada pelo jornal.
Em relação às substâncias apreendidas, a maconha foi encontrada em 65,2% dos casos de consumo e 36,3% dos de tráfico. A cocaína e o crack foram responsáveis por, respectivamente, 22,3% e 10,9% dos casos de consumo, e 37% e 24,1% dos de tráfico.
Substâncias sintéticas e lisérgicas representaram 1,5% dos casos de consumo e 2,6% dos de tráfico.
Mudanças na Lei de Drogas
O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a descriminalização do porte de maconha. O julgamento pretende analisar se o artigo da lei que deixou de prever a prisão em caso de usuários é constitucional. A discussão, interrompida nesta quinta-feira 20, será retomada na próxima terça-feira 25 pelos ministros do Supremo.
No curso da análise, os ministros ponderaram o lapso legislativo relativo à quantidade de drogas que distingue usuários e traficantes e propuseram o estabelecimento de uma jurisprudência orientadora para os demais tribunais.
Embora nove ministros já tenham votado, a Corte ainda não formou maioria para chegar a uma tese.
Até aqui, há cinco votos por declarar inconstitucional o enquadramento do porte de maconha para uso pessoal como crime, enquanto três magistrados consideram constitucionais as punições da Lei de Drogas. Já o ministro Dias Toffoli abriu nesta quinta uma terceira corrente, em uma espécie de meio-termo. O ministro pretende determinar ao Legislativo e ao Executivo que formulem e efetivem, em até 18 meses, uma política pública sobre as drogas, “baseada em evidências científicas”, a fim de estabelecer critérios objetivos para afastar usuário e traficante.
Restam as manifestações de Luiz Fux e Cármen Lúcia.
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