Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Os desafios de manter a frente ampla unida no governo Lula

Vitórias contra a PEC das Praias e o PL do Aborto mostram que a coalização resiste, mas será preciso insistir no diálogo com os liberais

Os desafios de manter a frente ampla unida no governo Lula
Os desafios de manter a frente ampla unida no governo Lula
Protesto contra o PL do Aborto na Avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Nelson Almeida/AFP
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As forças democráticas vêm demonstrando uma consistente capacidade de mobilização contra as agendas da extrema-direita bolsonarista no parlamento. A reação à PEC das Praias, que pretende privatizar o litoral brasileiro, é um exemplo notável. A onda de críticas ao projeto nas redes sociais e na mídia paralisou o trâmite da medida.

Mais recentemente, o movimento feminista agiu com força, unidade e rapidez contra o PL 1902, que criminaliza vítimas de estupro que buscam o aborto legal, impondo a elas penas mais severas que aos estupradores. A tomada das ruas e redes pelas mulheres  provocou um recuo público de Arthur Lira, responsável por viabilizar a tramitação acelerada do projeto na Câmara dos Deputados.

Essas vitórias, ainda que não definitivas, são exemplos de como barrar a agenda ultraliberal e conservadora do bolsonarismo em um Congresso amplamente favorável a essas pautas. A chave foi a rearticulação da frente ampla política e social em defesa da democracia e dos direitos. Nessa frente, caminham lado a lado movimentos sociais mais ligados à esquerda, organizações do terceiro setor mais alinhadas com o campo liberal, além de personalidades e partidos e lideranças políticas desses dois campos.

Desde 2019, essa coalizão tem agido em manifestações em defesa da educação e contra o negacionismo do MEC bolsonarista, e se consolidou durante a pandemia da Covid-19, com um programa em defesa da vida baseado em cinco eixos: vacinação universal e valorização do SUS; defesa da ciência e educação; apoio estatal aos mais vulneráveis economicamente; proteção ao meio ambiente; e combate à fome, sobretudo nas periferias urbanas.

Essa agenda, baseada na Constituição e sustentada pela sociedade civil e pelo Estado, resultou em conquistas significativas: Cozinhas Solidárias, campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos, ampliação da renda básica com o auxílio emergencial, vacinação em massa contra a Covid-19, investimentos internacionais na proteção da Amazônia e a legitimação da ciência e universidades. Além, por óbvio, da eleição de Lula em 2022.

No entanto, essa frente ampla vem se fragmentando desde o início do governo, especialmente após a tentativa de golpe do 8 de Janeiro. A principal razão é a disputa – ou melhor, o combate – dos setores liberais à manutenção do programa estruturado durante a pandemia e defendido eleitoralmente pelo presidente Lula: um modelo de desenvolvimento que priorize o combate às desigualdades.

Ao contrário do que a mídia empresarial insiste em repetir, não foi o presidente Lula que rompeu com o programa da frente ampla, mas sim os setores liberais, que escolhem priorizar a questão fiscal. As constantes críticas à “gastança” do governo e as pressões por corte de gastos são impulsionadas pelo rentismo e pelo mercado, mesmo sabendo que esse tipo de política tenha como resultado em todo o planeta o aumento das desigualdades e o fortalecimento da extrema-direita. Essa pressão enfraquece o governo e favorece o avanço do bolsonarismo.

A unidade na luta contra a PEC das Praias e o PL do Aborto mostrou que a sociedade brasileira, unida em uma frente ampla democrática, pode derrotar a extrema-direita, como ocorreu durante a pandemia e nas eleições de 2022.

Pode ser assim também ao longo do governo Lula. É preciso insistir no diálogo com os setores liberais, lembrando-os de duas realidades. Primeiro, que  o resultado polarizado das eleições de 2022, no qual o voto dos liberais foi decisivo, não anula o fato de que o programa que elegeu o presidente é pautado no combate às desigualdades a partir da ação estatal. Segundo, que o perigo do autoritarismo bolsonarista segue vivo e forte no Brasil, e que a extrema-direita será a única beneficiada de um eventual fracasso de Lula, podendo solapar a democracia e os direitos no Brasil de maneira definitiva.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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