

Opinião
“Esperado e surpreendente”
Tanto a goleada tomada pelo Vasco quanto a taça conquistada pelo Real Madrid refletem as estruturas por trás de cada um dos clubes


A derrota do Vasco para o Flamengo numa goleada histórica de 6 a 1 pode repercutir, para nós, mais que a 15ª conquista do melhor campeonato de futebol dos tempos atuais, a Champions League, pelo Real Madrid. O placar da partida pela Série A do Brasileirão foi completamente estranho.
É um desses resultados que acontecem de vez em quando. E, em geral, ocorrem quando um clube dos chamados grandes atravessa uma tempestade, como é o caso da nau vascaína, que está em rota de colisão com a própria SAF que a administra.
O time – que, como qualquer outro, para andar bem precisa necessariamente estar de cabeça limpa – fica transtornado diante de uma situação como esta. A guerra judicial entre a SAF 777 Partners e a diretoria de Pedrinho continua.
De acordo com o Globo Esporte, os dois lados se preparam para as próximas batalhas tanto no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro quanto na arbitragem, que ficará a cargo da Fundação Getulio Vargas.
O C.R. Vasco da Gama é um dos três melhores clubes do País em termos de organização e história. Seu passado é rico em todos os sentidos. Já conta com o segundo presidente a ter sido um atleta profissional.
Para haver resultados desequilibrados como esse que vimos na tarde do domingo 2, no Maracanã, é necessário que um dos times esteja, de fato, atravessando um momento de muito descontrole. Cabe lembrar, como tenho escrito outras vezes aqui, que os clubes administrados pelas SAFs têm passado por isso com maior frequência. O Botafogo, em 2023, é outro exemplo ilustrativo. Na partida contra o Flamengo, vimos em campo os jogadores vascaínos aparvalhados, mostrando claramente a sua desorientação.
A Seleção Brasileira, naquele traumático episódio da Copa 2014, diante da Alemanha, também nos mostrou isso. Uma semana antes, o técnico Luiz Felipe Scolari havia pedido socorro a uma psicóloga, solicitando que fosse com urgência à concentração. Ou seja, a coisa já não andava bem.
São muitos os exemplos de goleadas tomadas por times que, tecnicamente, teriam capacidade de enfrentar o adversário. Mas não tem jeito: não há um fator isolado que possa explicar um fenômeno como esse, que deixa o torcedor atordoado.
Já no que diz respeito a mais essa conquista do Real Madrid – do consagrado técnico Carlo Ancelotti – diante do Borussia Dortmund, deu-se o inverso.
Achei interessante o comentário de Carlos Mansur, em sua coluna em
O Globo,tentando encontrar uma explicação razoável ou sobrenatural para os acontecimentos que levaram às seguidas vitórias do clube espanhol. Mansur cita o mata-mata do Real contra o Paris Saint-Germain, nas oitavas de final.
O time francês tinha vantagem no duelo até os 16 minutos do segundo tempo, quando uma falha grotesca do goleiro Donnaruma levou à virada no jogo.
Em seguida, ele comenta a decisão com o Manchester City. A superioridade dos ingleses, teoricamente, era absoluta, até que, na prorrogação, Ancelotti colocou o sempre surpreendente Rodrygo, que fez a façanha de meter dois gols, levando à concretização, para espanto de todos, da vitória merengue.
Numa final contra o Liverpool, com desempenho também completamente favorável aos britânicos, a vitória acabou atribuída à atuação “sobrenatural” do goleiro Courtois.
Não se pode, de toda forma, esquecer que o Real Madrid é o clube que mais bem domina o funcionamento do futebol profissional ao longo da história desse esporte.
Outros times aproximam-se desse poder, como o tradicional rival Barcelona; como tentam agora os ingleses ou como foram, tempos atrás, os italianos Milan e Juventus.
Mas, como dizem os próprios espanhóis, las brujas estão aí. E o Real segue dando todas as condições ao craque Ancelotti, que, com seu terno impecável, conquistou em Wembley, no Reino Unido, sua quinta taça na Champions.
Fico então com o Mansur, que atribui esta bela campanha à atitude do treinador italiano de “deixar confortáveis as estrelas” que compõem seu elenco para vencer quase sempre de maneira “esperada e surpreendente”.
Sem problemas estruturais ou contratuais, e com métodos atualizados de trabalho, o clube permite que cada indivíduo cumpra seu papel na engrenagem.
Fortalece-se assim a confiança mútua – elemento principal no rumo à superação, sem a qual, seja em qualquer atividade, não se alcança o sucesso. •
Publicado na edição n° 1314 de CartaCapital, em 12 de junho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘“Esperado e surpreendente”’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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