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O impasse persiste

A greve nas universidades e institutos federais arrasta-se há quase dois meses, sem avanço nas tratativas entre o governo e os sindicatos

O impasse persiste
O impasse persiste
Do outro lado do balcão. Ex-sindicalista, o secretário José Lopez Feijóo foi escalado para negociar com os servidores parados – Imagem: Redes sociais/ANDES-SN e Vinícius Loures/Ag. Câmara
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Mais antiga universidade pública do Brasil e apontada como a terceira melhor pelo QS World University Rankings, a UFRJ está prestes a fechar as portas. A previsão é de que ela encerre este ano com um déficit acumulado de 380 milhões de reais, fruto de uma série de cortes e contingenciamentos de recursos ao longo de uma década. Por falta de manutenção, os prédios da instituição de ensino estão literalmente caindo aos pedaços e, segundo a Pró-Reitoria Financeira, só há verba para manter a operação até julho. No início de maio, parte do edifício da Escola de Educação Física e Desportos desabou, comprometendo o acesso ao ginásio e às salas de aula. No fim do mês passado, o Conselho Universitário da UFRJ publicou uma carta aberta denunciando os problemas estruturais da instituição, um cenário de penúria que se repete em praticamente todas as universidades federais do País.

Para se ter uma ideia, entre 2012 e 2021, o orçamento discricionário da UFRJ teve redução de mais de 60%. “Com a Emenda Constitucional 95 e os cortes motivados pela guerra cultural no governo Bolsonaro, os novos cortes incidiram sobre o orçamento que, em 2019, era de indescritíveis 361 milhões de ­reais. Desse modo, a deterioração da infraestrutura foi acelerada. Graves e dolorosos incêndios atingiram nossas instalações, situação que não foi revertida até o momento”, explica o pesquisador Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ. Embora a educação seja apontada como uma das prioridades pelo presidente Lula, a atenção dada ao ensino superior não condiz muito bem com o discurso. Em 2024, a previsão orçamentária para as universidades é de 5,9 bilhões de reais, perda de quase 10% na comparação com os 6,2 bilhões de reais de 2023. O sucateamento soma-se à greve dos professores e técnicos administrativos das universidades e dos institutos federais, que está completando dois meses sem que as negociações entre as partes avancem.

Em busca de acordo para encerrar a greve, Lula agendou reunião com os reitores para a segunda-feira 10

Depois de uma liminar da Justiça Federal suspendendo um acordo entre o governo e uma federação de sindicatos conhecida pela sigla Proifes, o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos voltou a negociar, na segunda-feira 3, com outras entidades representativas que não aceitaram a proposta do governo, a exemplo da Andes e do Sinasefe. O cenário pouco mudou. Os sindicatos defendem um reajuste de 3,69% este ano, 9% em 2025 e 5,61% em 2026. O governo diz não ter orçamento para reposição este ano e propõe 9% em janeiro do ano que vem e 3,5% em maio de 2026, além da elevação do chamado “estepe”, que serve de base para calcular a progressão da carreira docente. O presidente da Andes, Gustavo Seferian, avisa que a categoria não aceita reajuste zero este ano e vai intensificar a mobilização.

Já são 63 universidades federais paralisadas e mais de 550 campi dos institutos federais fechados. Está prevista para 14 de junho uma nova rodada de negociação, mas o governo adiantou que não vai discutir pontos da pauta que tratem de aumento de despesas. A proposta inicial dos professores era de um reajuste de 22,71%, fracionado em 2024, 2025 e 2026. O porcentual iria recompor as perdas acumuladas desde 2016. Em 27 de maio, a categoria apresentou uma contraproposta com os índices atuais, que totalizam 18,85%. “A posição do governo é bastante intransigente. Não é uma postura democrática, sobretudo após a assinatura de um acordo com uma entidade sem representatividade sindical qualquer”, dispara Seferian, referindo-se ao Proifes. “Dentro da proposta, vários elementos foram contemplados para nós, da Federação, à exceção do reajuste de 2024. As outras propostas estavam de acordo com a nossa expectativa”, defende-se Wellington Duarte, presidente da Proifes, acrescentando que a entidade entrou com recurso para derrubar a liminar e fazer valer o acordo assinado.

Segundo o secretário de Relações do Trabalho do Ministério da Gestão, José Lopez Feijóo, a elevação do estepe na carreira vai proporcionar um reajuste aos professores entre 13% e 31%, variando entre 23% e 43% se forem agregados a isso os 9% concedidos a todos os servidores públicos em 2023. “Quando você eleva os estepes, a remuneração de um professor universitário de dedicação exclusiva, o chamado titular, aumenta de 22 mil ­reais para 26 mil reais. Um professor inicial sai de 10 mil reais para 13 mil reais”, explica Feijóo. “O governo propõe uma mescla na recomposição, que não se dará de forma linear. Fizeram uma tabela com uma variação, nesses três anos, para os servidores bastante díspar entre as pessoas ao considerar o nível da carreira. E isso só iria acontecer a partir do ano que vem, este ano seria zero por cento, o que não aceitamos”, rechaça Seferian.

Sucateamento. Devido à falta de manutenção, foram registrados incêndios e desabamentos nos prédios da UFRJ – Imagem: Redes sociais/SintURFJ

Em recente evento público, o presidente Lula elogiou o caráter democrático da greve, lembrou que no governo passado havia repressão aos grevistas, cenário que não existe mais, e deu o recado: “Vamos negociar com todas as categorias. Ninguém será punido neste país por fazer uma greve. Eu nasci fazendo greve. É um direito legítimo. Só que eles têm de compreender que pedem quanto querem e a gente dá o quanto pode”. O argumento de que a União não dispõe de recursos para atender à pauta dos professores e técnicos administrativos das universidades e institutos federais é desconstruído pela Auditoria Cidadã da Dívida. Segundo a entidade, com base nos dados oficiais divulgados no fim de março, a União conta com 1,5 trilhão de reais na conta do Tesouro Nacional, 1,4 trilhão de reais no caixa do Banco Central e 1,7 trilhão de reais em reservas internacionais.

“E não venham dizer que não se pode mexer em reserva, porque o Banco Central está aí oferecendo contrato para pagar a bancos e grandes exportadores e importadores a variação do dólar. Metem a mão nas reservas constantemente. Nos últimos cinco anos, foram 60 bilhões de dólares torrados para garantir essa variação de dólar para banqueiros e grandes exportadores da mineração e do agronegócio, que têm acesso a esses contratos. São quase 5 trilhões parados”, destacou Maria Lúcia ­Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, durante live na terça-feira 4. O presidente da Andes compara os acenos do governo federal a alguns setores econômicos com o tratamento dispensado aos docentes. “O governo está sempre cedendo na pauta econômica, na desoneração e favorecimento de setores no orçamento público, beneficiando o capital em detrimento da valorização do servidor público, que está sendo escanteado.”

“Quando o governo indica reajuste zero, ele não só não dá reajuste, como também nos impõe um ônus de pagarmos a conta do desequilíbrio fiscal, que vem se acentuando desde 2015, mas que não é causado pelas universidades”, salienta o professor da UFPE Paulo Rubem Santiago, integrante do Comando de Greve em Pernambuco. “Além de pedirmos a reposição das perdas salariais, defendemos a recomposição dos orçamentos de custeio e investimento das universidades, que hoje, segundo a Andifes, a associação dos dirigentes das federais, estaria na faixa entre 5 bilhões e 5,5 bilhões de reais, o mínimo para manter as universidades funcionando até o fim deste ano.”

A UFRJ deve terminar o ano com um déficit de 380 milhões de reais e diz só ter recursos para manter as portas abertas até julho

Para a pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da UFPE Ângela Amaral, a paralisação dos docentes representa a volta dos movimentos sociais às ruas e está servindo de vitrine para mostrar para a sociedade o sucateamento das instituições de ensino. “Esta greve explicita as reais problemáticas que as universidades públicas brasileiras vivenciam, assim como as contradições e o desmonte de um patrimônio nacional, que deveria servir para construir um projeto de nação. Esse projeto vem sendo negligenciado por inúmeros governos”, destaca, lembrando que 95% das pesquisas científicas no Brasil são produzidas pelas universidades públicas. “Esta também é uma greve de resistência contra a ofensiva neoliberal e mercantil de tratar a educação como mercadoria, como commodity, abrindo espaço para grupos e grandes conglomerados educacionais que investem nas Bolsas de Valores e que fazem da universidade um processo de garantir a acumulação de riqueza desses setores.”

Em situação mais difícil que os docentes estão os técnicos administrativos em educação (TAEs), primeiros a entrar em greve e raras vezes atendidos pelo Ministério da Gestão. Depois da pressão dos sindicatos dos professores, o governo resolveu marcar uma reunião com a ­Fasubra, federação que representa a categoria, para terça-feira 11. Com uma defasagem salarial de 34%, os TAEs querem reajuste de 4,5% em 2024, 9% em 2025 e 9% em 2026. Assim como propõe aos docentes, para este ano a proposta do governo para os administrativos é zero reajuste, 4,5% em 2025 e 9% em 2026. A categoria também defende a reestruturação de carreira, já que o salário desse setor do funcionalismo é apontado como o menor dentro do serviço público.

“Existe uma enorme evasão de trabalhadores das universidades que fazem novos concursos para outros órgão, por conta dos baixos salários. A cada dez técnicos administrativos que entram na universidade, sete saem para outras instituições e isso vem dificultando, inclusive, o desempenho das atividades das universidades, porque é necessário um bom tempo para formar um trabalhador”, salienta Danilo Araújo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Pernambuco. Segundo Feijóo, para se chegar ao topo da carreira, os TAEs levam, em média, 22 anos, mas o governo está disposto a reduzir esse tempo para 18 anos.

Agonia. Leher denuncia o processo de asfixia financeira das universidades – Imagem: Marcelo Camargo/ABR

Um ponto de pauta que é comum a todas as categorias dentro das universidade e institutos federais é o que eles chamam de revogaço. Trata-se da revogação de instruções normativas publicadas no governo Bolsonaro que ferem o direito de greve dos servidores públicos. Essas medidas continuam em vigor, mesmo um ano e meio após o início da gestão Lula. Os grevistas também se queixam de, em nenhum momento, ter sido recebidos pelo primeiro escalão do governo Lula, nem pelo ministro Camilo Santana, do MEC, nem pela ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação.

Em busca de acordo para encerrar a greve, o presidente Lula convocou reitores de universidades e institutos federais para uma reunião em Brasília, que aconteceria na quinta-feira 6, no Palácio do Planalto. Contudo, por incompatibilidade na agenda presidencial, ela foi remarcada para a segunda-feira 10. •

Publicado na edição n° 1314 de CartaCapital, em 12 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O impasse persiste’

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