

Opinião
Duas décadas do 192
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, o SAMU, uma das mais importantes e exitosas políticas de saúde do País, completa 20 anos


Criado pelo presidente Lula em 2004, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, o SAMU 192, foi uma iniciativa do governo federal construída em parceria com estados e municípios, responsáveis por sua operacionalização.
Atualmente, atende mais de 187 milhões de brasileiros, 92% da nossa população, em torno de 3,9 mil municípios, e conta com orçamento federal de 1,9 bilhão de reais, equivalente a 50% dos recursos para sua manutenção.
Usando macacões azuis, surgiu uma nova corporação composta de mais de 80 mil profissionais de saúde, que fazem a diferença na proteção da vida. São médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, motoristas e técnicos de regulação médica responsáveis por 192 Centrais de Regulação e uma frota de 3.847 ambulâncias de suporte básico e de suporte avançado de vida (UTI), 256 motos e 13 lanchas, além de 21 equipes de resgate aeromédico.
Antes da sua criação, o atendimento era precário. Ambulâncias, quando disponíveis, transportavam pacientes para unidades sem condições para realizar os cuidados necessários. Familiares ou populares, na ânsia de prover transporte rápido, nem sempre procediam da maneira mais adequada. As taxas de mortalidade em domicílio ou nas vias públicas eram elevadíssimas.
Uma alternativa era acionar o Corpo de Bombeiros, presente em menos de 30% dos municípios, apto a atuar em situações críticas, como vítimas presas às ferragens de veículos, incêndios, ou quando a equipe de saúde se coloca em risco, mas sem o preparo médico das equipes do SAMU.
Em 2003, foi criada a Coordenação de Urgências e Emergências no Ministério da Saúde, para formular uma nova política. Buscou-se, com apoio de técnicos de várias partes do País, analisar 16 experiências de implantação do SAMU que estavam em curso, como as do Recife, de São Paulo, Campinas, Porto Alegre e Vale do Ribeira (SP), apoiadas por uma cooperação direta com o Ministério da Saúde da França.
Nesse período, como diretor do Departamento de Atenção Especializada, fui designado pelo ministro Humberto Costa para conhecer a experiência pioneira do SAMU francês, criado após a Segunda Guerra Mundial, que inspirou o equivalente no Brasil e em outros países.
O SAMU é muito mais que um serviço de ambulâncias, motolâncias, ambulanchas ou de transporte aeromédico. É uma estratégia decisiva de cuidado que faz parte da Política Nacional de Urgência e Emergência, sendo o primeiro componente da rede implementado no País.
Ele opera por meio de três estratégias que diferem sua atuação da de outros países: a adoção do 192 como número telefônico nacional, o funcionamento sob regulação médica e o reconhecimento da sua autoridade sanitária.
O coração do SAMU é a Central de Regulação Médica de Urgência. Quando alguém liga para o 192, o atendente faz algumas perguntas e toma decisões iniciais. Em seguida, o médico regulador, como autoridade sanitária constituída – inclusive com o poder de decretar vaga zero – encaminha o paciente para o serviço médico mais adequado para suas necessidades. Mais do que rapidez, o objetivo é transportar a pessoa de maneira segura, após a sua estabilização.
Atua sobre as urgências traumáticas, clínicas, obstétricas, cirúrgicas, pediátricas e psiquiátricas. Vale lembrar que até a sua criação, urgência em saúde mental era, literalmente, um caso de polícia.
O SAMU é fundamental também em situações de desastres e acidentes com múltiplas vítimas. Isso requer planejamento, treinamento e educação permanente para formar profissionais com habilidades e competências necessárias.
Em duas décadas, o SAMU constituiu-se como uma política de Estado. Sobreviveu ao golpe e à retração dos investimentos nos governos Temer e Bolsonaro, onerando estados e municípios. De 2017 a 2022, a expansão da cobertura havia parado em 82%. A frota não foi renovada, impondo condições críticas de atendimento e segurança.
Felizmente, o SAMU voltou a ser fortalecido a partir do atual governo Lula. Pretende-se, agora, chegar a 100% em 2026. Além da renovação e expansão da frota, o custeio do serviço foi ampliado em 30% em 2023. Em 2024, o governo federal entregará 1.780 novos veículos. No PAC estão previstas 14 novas centrais de regulação, além de 350 novos veículos.
O SAMU é o serviço público mais bem avaliado, um reconhecimento simbólico muito importante, porque, efetivamente, faz a diferença e goza da confiança da população.
Não é por menos que seus profissionais têm orgulho de ser “samuzeiros”, uma postura ética e profissional de compromisso que tem feito muita falta nos serviços médicos País afora. •
Publicado na edição n° 1314 de CartaCapital, em 12 de junho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Duas décadas do 192’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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