Política
Antídoto contra a desinformação
Produtores de conteúdo se mobilizam para desmentir fake news disseminadas pela Brasil Paralelo


Em abril deste ano, a produtora Brasil Paralelo anunciou com pompa ter se tornado “a empresa de mídia mais assinada do Brasil”, à frente dos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo, com ao menos 377 mil assinantes ativos, segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC). Fundada em 2016 e fortemente alinhada ao pensamento do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, a empresa também se gaba de ter o “segundo maior” serviço de streaming do País, no qual oferece produções próprias, cursos de formação e até filmes de Hollywood, “escolhidos a dedo pela nossa curadoria, com mensagens e valores seguros para toda a família”. Parte desse conteúdo também está disponível gratuitamente nas redes sociais e no YouTube, onde ostenta quase 300 milhões de exibições.
Recordista de gastos com propaganda política no Google Brasil até meados de 2022, segundo um relatório de transparência da big tech divulgado pouco antes do início da campanha eleitoral, a Brasil Paralelo também acumula problemas na Justiça por semear desinformação no debate público, inclusive durante a pandemia. Investigada na CPI da Covid, a produtora foi poupada no relatório final da comissão após Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, limitar o acesso (e depois ordenar a destruição) dos documentos obtidos por meio da quebra dos sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático da empresa. Nas eleições de 2022, várias publicações com informações falsas ou distorcidas foram removidas ou desmonetizadas por determinação do Tribunal Superior Eleitoral. No ano passado, o ministro Alexandre de Moraes chegou a intimar os donos da Brasil Paralelo para depor à Polícia Federal e esclarecer o impulsionamento de conteúdo contra o Projeto de Lei 2630/2020, o “PL das Fake News”.
Agora, um grupo de produtores de conteúdo se organiza para contestar a realidade paralela apresentada pela empresa com a campanha “Brasil Parasita”. “Nosso objetivo é desmascarar as teorias da conspiração propagadas pela Brasil Paralelo, usando a verificação dos fatos, apresentando pesquisadores, professores e especialistas para contrapor suas mentiras”, diz Rodrigo Kenji, historiador formado pela Unicamp e apresentador do canal Normose no Youtube. Por muito tempo, comenta Kenji, quem arriscava fazer esse trabalho acabava intimidado com ações judiciais. “Esse foi um dos elementos que nos fez entender que não podíamos mais atuar isoladamente, precisávamos agir de forma coordenada. Vimos que muita gente queria produzir, mas que havia receio dos processos”.
A ideia de uma atuação conjunta nasceu ainda em 2023, mas foi sendo maturada nos últimos meses. Em 1º de abril, enquanto a Brasil Paralelo destacava suas produções sobre a Ditadura Militar, o site da Brasil Parasita foi lançado e, logo nos primeiros dias, veiculou mais de 30 vídeos no Youtube, Instagram, X (antigo Twitter), TikTok, Kwai e Facebook.
“Depois dos vídeos, muitos fizeram reacts sobre o que estávamos falando e isso foi ganhando força. Também tem gente organizada para fazer cortes e divulgar o material pelo WhatsApp e pelo Telegram”, diz o administrador do perfil Brasil Para Lerdos. Sua página no X foi precursora em apontar malfeitos da Brasil Paralelo, o que lhe gerou dois processos, um na esfera civil e outro na criminal, motivo pelo qual o ativista pediu para não ser nominalmente citado na reportagem. “Sempre acompanhei as publicações da extrema-direita na internet e, com isso, fui vendo o que era propagado pela Brasil Paralelo, que havia revisionismo histórico e informações falsas. Em 2022, criei a página e passei a postar sobre eles. A iniciativa cresceu e passei a ser procurado por jornalistas e pesquisadores”.
Os vídeos com verificações de fatos começaram a ser divulgados no aniversário do golpe de 1964
A preocupação com a segurança jurídica dos participantes é um ponto central na campanha. Graduado em Direito e dono de um canal de divulgação científica na área, Tassio Denker deu suporte aos colegas e também fez um vídeo onde explica a forma com que a empresa busca calar seus opositores. “Fui chamado para falar sobre o assédio jurídico, sobre as ações que eles fizeram tanto na imprensa quanto nas universidades e explicar quais os efeitos disso. Ao lançar vários vídeos em uma mesma semana, buscamos demonstrar não apenas coesão, mas também neutralizar essa ação deles”.
A publicitária e influenciadora digital Carolline Sardá usou o episódio da série Investigação Paralela, que trata sobre a tentativa de assassinato de Maria da Penha pelo então marido Marco Antonio Heredia Viveros em 1983, para evidenciar como age a produtora. Com vídeos que somam mais de 11 horas de conteúdo, a Brasil Paralelo tentou apresentar o agressor como vítima de uma armação para incriminá-lo, conta. “Muitas pessoas, tanto da direita quanto da esquerda, confidenciaram que quase caíram nessa versão falaciosa. Graças ao meu conteúdo, escaparam da desinformação.”
Sardá expôs, em mais de 11 horas de gravação, um amplo conjunto de provas e testemunhos que não foram citados pela série. Segundo ela, a Brasil Paralelo prima por uma estética formal e sóbria, tentando passar uma aura de credibilidade, ao mesmo tempo que diz possuir informações novas e exclusivas, mas que foram observadas no julgamento do caso.
A influenciadora notou uma movimentação estranha por parte de militantes da extrema-direita em relação ao crime quando o deputado estadual Jessé Lopes, hoje no PL, recebeu uma visita de Heredia Viveros em seu gabinete na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e fez uma postagem sobre o encontro. “Parece haver uma atuação política coordenada. Logo após essa visita, ele passou a ser convidado para uma série de podcasts. Algum tempo depois, surge essa série da Brasil Paralelo”.
Os organizadores da campanha explicam que a iniciativa vem ganhando força e uma segunda etapa de produções está em andamento, com o objetivo de destrinchar detalhadamente como funciona a máquina de desinformação. “Hoje, temos mais de 50 produtores de conteúdo unidos para fazer essa nova etapa da campanha. Estamos juntos e não vamos parar”, diz Kenji.
A Brasil Paralelo foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento desta edição. •
Publicado na edição n° 1312 de CartaCapital, em 29 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Antídoto contra a desinformação’
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