

Opinião
Não ao cigarro eletrônico
Um Projeto de Lei apresentado no Senado pela indústria do tabaco coloca em risco as conquistas das políticas antifumo


A luta contra o tabagismo une ex-ministros da saúde de diferentes concepções ideológicas, como expressa manifesto assinado por José Serra (FHC), Humberto Costa, José Saraiva Felipe, José Agenor Alvarez da Silva e José Gomes Temporão (Lula 1 e 2), por mim (Dilma) e Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich (Bolsonaro).
Somos contrários à comercialização dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar – conhecidos como Vape, Pod ou cigarro eletrônico –, produtos que ameaçam a saúde pública devido ao impacto que exercem sobre fumantes e não fumantes.
A proibição do cigarro eletrônico foi realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2009, ratificada pelo órgão em 2022 e reconfirmada em abril de 2024. Entretanto, por interesses da indústria do tabaco, um novo Projeto de Lei foi apresentado no Senado Federal em 2023.
O Vape, em geral, contém quatro partes principais: um reservatório, um dispositivo de aquecimento, uma bateria de lítio e um bocal. No reservatório, são alojados a nicotina e, por vezes, aromatizantes, solventes e outros componentes químicos. Os solventes e aditivos podem originar componentes tóxicos que causam danos a saúde.
Inúmeros estudos mostram que o cigarro eletrônico faz mal à saúde e que as substâncias presentes nesses dispositivos estão relacionadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, câncer e inflamação dos pulmões, quadro que pode evoluir para insuficiência respiratória.
Além disso, a bateria pode explodir e causar lesões e mortes. O cigarro eletrônico contém elevadas concentrações de nicotina, níveis significativos de metais como alumínio (associado ao enfisema pulmonar), cromo (relacionado ao câncer de pulmão), níquel (associado ao câncer de pulmão e seio nasal) e cobre (causador de danos ao fígado, aos rins e pulmões).
A desinformação ajuda a explicar o crescimento do cigarro eletrônico. O produto surgiu com a falsa propaganda da indústria de que “reduziria danos”. As evidências revelam, no entanto, o contrário: ele contém componentes químicos prejudiciais à saúde, que viciam e aumentam a dependência.
O Brasil tem desempenhado papel exemplar na luta contra o tabagismo em âmbito mundial. Em razão de décadas de esforços, ocorreu uma clara redução no consumo de tabaco, em adultos, de 34%, em 1996, para cerca de 11%, em 2023, proporcionando benefícios evidentes para os indivíduos e a sociedade em geral.
A proibição dos cigarros eletrônicos mantém a coerência de uma política voltada para a preservação da saúde individual e coletiva. Esses avanços têm sido atribuídos a medidas regulatórias como a proibição da propaganda de produtos de tabaco, a partir do Decreto nº 5.658 de 2006, que promulgou a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco.
Vieram depois a Lei nº 12.546 de 2011, que instituiu os ambientes livres de tabaco; e o Decreto nº 8.262/2014, que regulamentou esses ambientes, determinou o aumento dos espaços de advertências e imagens antifumo nas embalagens, proibiu a venda desses produtos a menores de 18 anos, definiu um preço mínimo para a comercialização e proibiu as propagandas comerciais, entre outras medidas.
Estes avanços estão sob ameaça. Pesquisas recentes do IBGE revelam que a experimentação de cigarro eletrônico entre escolares, de 13 a 17 anos, já atingiu 16,8% em 2019 e o uso regular de qualquer produto do tabaco, nesta faixa etária, aumentou de 9% em 2015 para 12% em 2019. Ou seja, as conquistas da luta antitabaco estão sendo seriamente ameaçadas.
A liberação da venda de Vapes ampliaria as oportunidades de seu consumo entre os jovens, uma vez que o acesso seria facilitado. Além disso, essa regulamentação promoveria a falsa ilusão de um produto menos nocivo. O amplo comércio, aliado à limitada capacidade de fiscalização, poderia proporcionar aos menores mais chances de iniciar ou manter seu vício desde cedo.
Diante das evidências disponíveis, considerando a natureza dos riscos vinculados ao uso dos cigarros eletrônicos, seu elevado potencial para adição e vício, em especial entre adolescentes e jovens, torna-se imperativo manter sua proibição no Brasil. Só assim se poderá prevenir um aumento ainda maior do seu consumo.
Como ex-ministros da Saúde, conclamamos os senadores a afastarem essa ameaça da sociedade e a manter a proibição do cigarro eletrônico. Temos o compromisso de nos engajar no esforço da sociedade brasileira na proteção de nossa população. •
Publicado na edição n° 1310 de CartaCapital, em 15 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Não ao cigarro eletrônico’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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