CartaCapital
Israel/ Entre a condenação e o cessar-fogo
Os EUA tentam barrar um despacho do TPI contra Netanyahu


A cavalaria do general Custer, ou melhor, do general Biden veio novamente em socorro dos velhos aliados encurralados. Na terça-feira 30, a porta-voz da Casa Branca enviou uma mensagem ao Tribunal Penal Internacional, sediado em Haia, que ameaça emitir ordens de prisão contra autoridades de Israel, incluído o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, por possíveis crimes de guerra. A investigação começou em 2021, mas acabou por incluir o massacre iniciado após os atos terroristas do Hamas em 7 de outubro do ano passado. Em abril, após a retirada das tropas israelitas, foram encontrados cerca de 300 corpos em uma vala comum nas imediações do hospital Nasser, em Khan Younis. Nem essa atrocidade comove os EUA. “Fomos muito claros sobre a investigação do TPI. Não apoiamos, não achamos que tenham jurisdição”, anunciou Karine Jean-Pierre em uma conferência de imprensa. Segundo relatos da plataforma Axios, Netanyahu apelou diretamente a Biden por uma intervenção. Na sexta-feira 26, o premier havia reclamado em sua conta na plataforma X. “A ameaça de deter militares e dirigentes da única democracia do Oriente Médio e do único Estado judaico no mundo é escandalosa e criaria um precedente perigoso.”
O governo Biden vale-se de uma falácia para se opor à investigação do TPI. A emissão de ordens de prisão contra autoridades israelenses, diz Washington, colocaria em risco o acordo de cessar-fogo em negociação neste momento. Durante uma reunião do Fórum Econômico Mundial na Arábia Saudita, Anthony Blinken, secretário de Estado norte-americano, pressionou o Hamas a aceitar os termos “bastante generosos” oferecidos por Tel-Aviv. Foi seguido de outros representantes ocidentais, entre eles David Cameron, ministro das Relações Exteriores do Reino Unido. Em linhas gerais, Netanyahu oferece 40 dias de trégua em Gaza e a libertação de centenas de presos palestinos em troca de 30 reféns israelenses em poder do grupo armado. Paira um certo otimismo entre os negociadores, mas não é a primeira vez nestes seis meses de conflito. Os representantes do Hamas deixaram o Cairo, sede das conversações, na segunda-feira 29 e prometeram voltar com uma resposta por escrito, sem, no entanto, anunciar uma data. Líderes da facção insistem: um acordo só será possível se Israel reconhecer a existência de um Estado palestino.
Seria essa a última cartada de Biden não só para deter o massacre em Gaza – o número de mortos aproxima-se dos 35 mil –, mas para salvar o próprio pescoço? O presidente dos EUA tem sido incapaz de deter Netanyahu, que manteve, à revelia das negociações de um cessar-fogo, uma incursão em Rafah, na fronteira com o Egito, onde estão confinados, como gado à espera do abate, cerca de 1,5 milhão de palestinos. Uma operação militar na cidade, castigada pela escassez de ajuda humanitária, elevaria a uma escala inimaginável o massacre. Ao mesmo tempo, a censura imposta às universidades e a repressão brutal dos protestos estudantis contra a limpeza étnica promovida pelos israelenses tende a se voltar contra o democrata. Mais de 900 manifestantes foram presos até o momento e as imagens da violência policial expõem um tanto mais o cinismo da “pátria das liberdades”. Em sete meses, Biden enfrentará uma difícil eleição contra Donald Trump, agravada pelo derretimento de seu apoio no eleitorado jovem, que, ao contrário da classe política e dos mais velhos, não se alinha de forma incondicional na defesa a Israel. Ao contrário, demonstra simpatia pela causa palestina. As mais recentes pesquisas não trazem boas notícias ao atual presidente. Segundo uma sondagem encomendada pela rede de tevê CNN, Trump tem 6 pontos porcentuais de vantagem. Para 71% dos entrevistados, Biden tem lidado mal com o conflito em Gaza.
Sánchez não se rende
Alvo de uma campanha difamatória da extrema-direita, escorada no anúncio de um inquérito preliminar em um tribunal de Madri por alegado tráfico de influência de sua mulher, Begoña Gómez, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, anunciou na segunda-feira 29 a decisão de permanecer à frente do governo. O Ministério Público pediu o arquivamento da denúncia contra Gómez. No domingo, milhares de espanhóis saíram às ruas em apoio ao premier. “Não se trata do destino de um líder específico. Trata-se de decidir que tipo de sociedade queremos ser”, discursou. “Há muito tempo deixamos a lama contaminar a nossa vida pública. Peço à sociedade espanhola que volte a dar o exemplo.”
São Paulo/ Tribunal do Santo Ofício
Cremesp suspende o registro de médicas por realizarem abortos com aval da Justiça em São Paulo
O serviço de aborto legal na unidade foi interrompido – Imagem: Prefeitura de São Paulo
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo suspendeu o registro de duas médicas do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na capital paulista, após elas realizarem abortos com autorização judicial. Segundo a CNN Brasil, que revelou o caso, uma das profissionais coordenava o setor responsável pelos procedimentos de interrupção gestacional e a outra utilizava a técnica de indução de assistolia fetal, recomendada pela Organização Mundial da Saúde em gestações acima de 22 semanas.
Referência em abortos legais, o hospital teve o serviço interrompido pela prefeitura. À época, o secretário municipal da Saúde, Luiz Carlos Zamarco, disse que iria priorizar cirurgias de pacientes com endometriose. A CartaCapital Zamarco confirmou ainda a intenção de nomear a ginecologista Marcia Tapligliani para a direção da unidade de saúde. Filiada ao PL de Jair Bolsonaro, ela concorreu a deputada estadual em 2022 com um forte discurso antiaborto. Após a repercussão negativa, a nomeação foi cancelada.
Por meio de nota, o Cremesp diz respeitar o direito ao aborto legal e confirmou estar apurando os “fatos que se encontram em sigilo”. As profissionais investigadas, informa a CNN, interromperam a gestação de pacientes com fetos que possuíam má-formação e sem expectativa de vida extrauterina. Em ambos os casos, as mulheres foram encaminhadas pela Defensoria Pública com decisão judicial favorável à realização do aborto.
Golpistas alemães
A Alemanha deu início ao julgamento dos primeiros nove réus acusados de integrar uma rede de extrema-direita que planejava um golpe de Estado no país. A organização foi desmontada em dezembro de 2022 durante uma megaoperação policial. Foram presos 26 suspeitos, entre ex-militares, um aristocrata e uma juíza. A autodenominada “União Patriótica” preparava um ataque ao Parlamento alemão, com o intuito de provocar o caos e criar condições para o golpe. A ideia era empossar o “príncipe” Henrich 13º Reuss, apontado como líder do movimento, e negociar um novo tratado de paz com os vencedores da Segunda Guerra Mundial, EUA, França, Reino Unido e Rússia.
Rio Grande do Sul/ Sem trégua
O estado volta a ser castigado pela fúria das chuvas
Os temporais causaram estragos em mais de cem cidades gaúchas – Imagem: Gustavo Ghisleni/AFP
Tempestades provocaram ao menos dez mortes e deixaram um gigantesco rastro de destruição no interior do Rio Grande do Sul. De acordo com um boletim da Defesa Civil, mais de 2,5 mil habitantes tiveram de abandonar suas casas em decorrência de inundações e deslizamentos de terra. Havia 21 desaparecidos até a quarta-feira 1º, mesmo com a Força Aérea Brasileira mobilizada para auxiliar nos resgates e buscas.
Os temporais causaram estragos em mais de cem municípios gaúchos, entre eles Encantado, Itaara, Paverama, Pântano Grande, Salvador do Sul, Santa Maria, Santa Cruz do Sul e Segredo, nos quais foram registradas as mortes. Diante da perspectiva de mais chuvas até o fim da semana, o governador Eduardo Leite, do PSDB, decidiu suspender as aulas.
“Estamos vivendo um momento muito crítico”, lamentou Leite, ao reconhecer que o total de vítimas pode aumentar muito nos próximos dias. Atendendo aos apelos do governador, o presidente Lula marcou uma viagem ao estado para acompanhar a situação de perto e anunciar medidas emergenciais. A chegada está prevista para a quinta-feira 2, após o fechamento desta edição.
Publicado na edição n° 1309 de CartaCapital, em 08 de Maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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