Economia
Moeda forte
Fluxo em alta para o País não comove o mercado, atento apenas à situação fiscal, que não justifica sustos


O silêncio da mídia a respeito da onda de investimentos estrangeiros no Brasil anunciados nas últimas semanas é desconcertante. Só não é mais constrangedor do que o apoio escancarado dos jornalões às tentativas reiteradas do Banco Central e do sistema financeiro de questionar a política econômica do governo Lula, sem apoio nos chamados fundamentos econômicos, ou até mesmo na direção contrária ao que essas regras apontam, segundo se conclui do próprio noticiário e da análise de alguns economistas. O investimento externo anunciado nas últimas semanas inclui 130 bilhões de reais de dezenas de fabricantes de automóveis dos EUA, da Europa e da Ásia, 40 bilhões do grupo mexicano de telefonia América Móvil, 4,6 bilhões da fabricante chilena de celulose CPMC, 1,5 bilhão da coreana LG na produção de eletrodomésticos e 100 milhões da indiana Mahindra, a maior fabricante de tratores do mundo. Uma missão do governo do Japão, chefiada pelo premier Fumio Kishida e integrada por representantes de ao menos 40 empresas japonesas, desembarca no Brasil este mês, com foco na cooperação em tecnologias verdes.
Segundo a Kearney, o Brasil, ausente da lista dos 25 países mais atrativos para o Investimento Direto Estrangeiro em 2023, retornou ao grupo neste ano e ocupa a 19º posição. Entre as economias em desenvolvimento, ressalta a consultoria, o País subiu duas posições e é considerado o quinto destino mais atraente, à frente do México e atrás apenas de China, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Índia. Na quarta-feira 1º, a agência de classificação de riscos Moody’s mudou de Estável para Positiva a perspectiva da nota de crédito soberano do Brasil, agora a um ponto apenas de distância do grau de investimento (o colunista Paulo Nogueira Batista Jr. trata do tema em sua coluna à pág. 41).
A evidência contundente da confiança externa na política econômica do País não parece ser mais importante, para os jornais, do que o alarmismo do BC quanto a outro sinal de êxito da condução da economia, que é a criação de 719 mil empregos com carteira assinada no primeiro trimestre, alta de 33%. Uma melhora acompanhada do aumento do rendimento médio para 1.848 reais por pessoa por mês, elevação recorde de 11,5% ante 2022, e de um salto de 40% quando são considerados apenas os mais pobres.
O Brasil retornou ao grupo de países mais atraentes ao capital estrangeiro
A relação direta e imediata entre a melhora do mercado de trabalho e a variação da inflação simplesmente não existe, ressalvam economistas renomados, mas não há espaço, no BC e no setor financeiro, para considerações distintas daquilo que o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, em seu diagnóstico do neoliberalismo, denominou “fetiche equivocado” de fundamentalismo de mercado e celebração acrítica da globalização. Na manhã da quarta-feira 1º, a principal notícia nos sites dos jornais de maior circulação no Brasil era a preocupação de Roberto Campos Neto com a possibilidade de o aumento do emprego ter efeito inflacionário. Uma conjectura, alçada à posição de manchete no noticiário econômico.
Talvez encorajados pela declaração de Campos Neto, dirigentes de instituições financeiras começaram a alardear que reduzir a taxa Selic abaixo de 10% seria imprudente. “As premissas são de que a inflação sempre é de demanda, pressionada pelo lado fiscal ou pelo mercado de trabalho. E qual é o ‘remédio’? Juros altos”, observou Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial e Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em uma rede social. Essa “pura ideologia”, acrescentou o economista, serve ao propósito de manter os juros nas alturas “para alimentar o rentismo”.
Sobre esse assunto, é importante destacar as considerações de Gabriel Galípolo, diretor do Banco Central, em evento organizado pela Upload Ventures, em São Paulo. O BC, disse Galípolo, não tem meta de diferencial de juros nem meta de taxa de câmbio, apenas meta de inflação, que “vem se comportando bem”, a julgar pelo último IPCA-15. Acrescente-se que o indicador mencionado subiu 0,21% em abril, diante da expectativa do mercado de 0,29%, com alta de 3,77% em 12 meses.
Campos Neto. Viciado em juros altos, o presidente do Banco Central antecipou o debate sobre sua própria sucessão – Imagem: Pedro França/Ag. Senado
Seria mais adequado, segundo o diretor do BC, “na linha de parcimônia e serenidade”, conseguir dar tempo para ver os efeitos da protelação da pretendida redução dos juros nos EUA. É preciso aguardar para ver, quando ocorre esse tipo de reajuste da curva americana, como isso se desdobra “para aquilo que efetivamente é o mandato do BC, que é uma meta de inflação”, disse Galípolo, antes de acrescentar: “Acho importante a gente ter calma, não se emocionar muito e entender como isso vai desenrolar-se. Ainda que o risco que você esteja correndo é o de estar um pouco mais atrasado nesse processo de função de reação”.
A inquietação atual do chamado mercado e da mídia a ele acoplada, iniciada após a previsível mudança da meta fiscal para 2025, de 0% do PIB para um déficit de 0,5%, aumentou com a perspectiva do fim do mandato de Campos Neto em dezembro, vista como um risco pelos agentes financeiros, que não parecem dispostos a aceitar sem resistência a redução da taxa de juros ao patamar de um dígito, padrão consolidado no mundo dito civilizado. A possibilidade de Campos Neto ser substituído por Galípolo, o mais cotado para a posição tanto pelo vasto conhecimento técnico quanto pela identificação com a política econômica do governo, atiçou as inquietações de banqueiros, donos de corretoras, financeiras, seguradoras e fundos, assim como dos rentistas, precisamente por apontar para uma maior possibilidade de se pôr fim às taxas de juro selvagens de 10% ou acima disso, e da maior taxa de juros real do planeta.
Campos Neto não viu problema, entretanto, em extrapolar suas funções de autoridade monetária e liderar a campanha contra a redução dos juros incivilizados e a candidatura de Galípolo, ao defender, no começo de abril, a antecipação do debate sobre a transição na presidência do BC. O ímpeto só parece ter sido refreado após o colega lembrar o dever do Banco Central de se concentrar no indicador inflação, que anda bem comportada. Desde então, Campos Netto deixou de lado o tema da sucessão, ao menos por ora, e passou a se manifestar sobre os riscos do aumento do emprego.
A Moody’s mudou de Estável para Positiva a perspectiva da nota de crédito soberano do Brasil
Considerações a respeito do efeito anti-inflacionário do aumento da produção e da oferta parecem estar a anos-luz das preocupações dos formuladores de decisões do BC, do mercado e da mídia. Um levantamento de conjuntura realizado pela Fiesp e pelo Ciesp apontou um “expressivo aumento” de 4,3% nas vendas reais da indústria no estado de São Paulo em março, na comparação com o mês anterior. A pesquisa mostrou que os salários reais médios e as horas trabalhadas na produção também tiveram destaque no período. Resultados relevantes, se considerarmos o efeito multiplicador da atividade industrial, mas que não receberam a atenção devida por parte dos grandes veículos de comunicação.
O dito mercado reconhece que a questão crucial para a piora das perspectivas econômicas mundiais é a diminuição das possibilidades de redução dos juros nos EUA, um sério limitador das indicações de queda dos juros em outros países, inclusive no Brasil. O fato de o próprio BC liderar um movimento de piora adicional das expectativas parece, porém, algo inédito e de difícil compreensão. Em recente entrevista coletiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apresentou os melhores indicadores sobre o mercado de trabalho em dez anos e isso se combina com a inflação controlada. “Por dois meses consecutivos, tivemos 0,16% de inflação e depois o IPCA-15 veio em 0,21%, bem abaixo da expectativa do mercado, que era 0,29%. Estamos combinando geração de empregos com uma inflação bastante controlada, nesses primeiros meses do ano.” •
Publicado na edição n° 1309 de CartaCapital, em 08 de maio de 2024.
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