

Opinião
Sobre o investimento estrangeiro
O programa do governo de garantias para investimentos considerados sustentáveis gera risco fiscal e risco cambial


O investimento estrangeiro é positivo ou negativo para um país? Como para muitas questões econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém, portanto, examinar o tema um pouco mais de perto.
Não é o que geralmente se faz. No governo, por exemplo, tem havido muito oba-oba por ocasião do anúncio de alguns novos investimentos do exterior. E foi anunciado há pouco, com certo estardalhaço, um programa que oferece proteção cambial a certos tipos de investimento estrangeiro.
O tema dos prós e contras do investimento estrangeiro é vasto e polêmico. Seleciono alguns pontos que parecem especialmente relevantes e remeto à versão mais completa do artigo, publicada na edição online de CartaCapital.
Começo pelos aspectos potencialmente positivos do investimento estrangeiro. São basicamente dois: 1. O investimento do exterior traz receitas cambiais e constitui um tipo de aporte de capital que financia de forma relativamente estável um eventual déficit de balanço de pagamentos em conta corrente. 2. O investimento externo pode contribuir para o aumento da formação bruta de capital fixo, traduzindo-se em elevação do crescimento potencial da economia no longo prazo.
Esses argumentos são válidos e têm ampla divulgação. São meias-verdades, porém.
Quanto ao primeiro, cabe lembrar que há duas formas de investimento misturadas nas estatísticas de balanço de pagamentos: o investimento direto e o de portfólio. O investimento direto é aquele potencialmente mais ligado à formação de capital ou à compra de capacidade produtiva existente. O de portfólio inclui, por exemplo, compra por estrangeiros não residentes de ações na Bolsa de Valores do país ou aquisição de títulos de dívida, pública e privada. Nem sempre é fácil distinguir o que é investimento direto do que é investimento de portfólio. O de portfólio, que pode predominar em determinadas situações, é tipicamente especulativo ou de curto prazo. Não pode ser considerado estável ou confiável.
Quanto ao segundo argumento, o investimento direto nas estatísticas habituais não só aparece misturado com alguns investimentos de portfólio, como inclui também dois tipos diferentes de investimentos diretos: aqueles que criam capacidade nova (novas empresas ou ampliação de empresas existentes) e aqueles que simplesmente compram capacidade preexistente. Nesse último caso, o que ocorre é desnacionalização da economia, exceto em casos de aquisição por outros estrangeiros de filiais ou subsidiárias já existentes de empresas externas.
Outra questão relevante: ao abrir a economia para determinados investimentos diretos estrangeiros, o governo preocupa-se em estabelecer contrapartidas estratégicas? Condiciona, por exemplo, a autorização para investir a compromissos de transferência de tecnologia? Negocia compromissos de realizar compras com fornecedores nacionais, estimulando produção e geração de empregos no país? A China costuma estabelecer esse tipo de condição. O Brasil, pelo seu tamanho, é tradicionalmente um dos grandes receptores de investimentos estrangeiros no mundo. Tem, em princípio, poder de barganha para estabelecer requisitos de transferência de tecnologia e compras em território nacional.
O governo Lula parece caminhar em direção diferente: em vez de negociar contrapartidas, oferece garantias. Anunciou-se há pouco a oferta de hedge cambial para investimentos estrangeiros considerados ambientalmente sustentáveis. Decisão duvidosa, que ainda precisa ser detalhada e merece mais discussão. Se entendi bem, para estimular determinados investimentos do exterior o governo estatiza o risco cambial. Em caso de depreciação acentuada da moeda brasileira, quem paga a conta é o Tesouro.
Trata-se, portanto, de um programa que gera risco fiscal e risco cambial. Se a depreciação da moeda nacional for acima do esperado, o governo incorre em perdas cambiais e fiscais, isto é, diminuem as reservas internacionais e aumenta o déficit público. Curiosamente, o mercado financeiro e a mídia, sempre tão alarmados com o risco fiscal, parecem apoiar sem reservas a nova proposta. Por que será? •
Publicado na edição n° 1309 de CartaCapital, em 08 de maio de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sobre o investimento estrangeiro’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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