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Mudança da meta. E daí?

A revisão do ajuste fiscal era previsível e necessária para manter a rota de crescimento

Mudança da meta. E daí?
Mudança da meta. E daí?
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Lula (PT). Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado
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O governo Lula tem compromisso sério e firme com as contas públicas, como ocorreu nos dois mandatos anteriores. Não tem sentido o escarcéu em torno das novas metas de resultado primário (a diferença entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) para os próximos anos, reduzindo as estimativas de saldos positivos em 2025, de 0,5% do PIB para zero, e 2026, de 1% para 0,25%. Os críticos, sempre mais preocupados em proteger os interesses imediatos do chamado mercado e do rentismo, parecem esquecer fatos relevantes que demonstram que o ajuste fiscal está em curso e que cabe ao governo de uma nação independente dimensioná-lo às necessidades e possibilidades do país.

Após uma sucessão de anos com elevados déficits primários, recessão e ­baixo crescimento econômico, sem falar na hecatombe provocada pela pandemia, que condições teria o Brasil de promover uma rápida transição para elevados superávits primários sem provocar pesado custo social sobre a nossa população? Deixam também de lado o fato de que, diante do déficit primário de 2,29% do PIB em 2023, a meta de resultado primário de 0% em 2025 representa um ajuste considerável para qualquer economia e, principalmente, para uma sociedade marcada por fortes desigualdades como a brasileira.

Os críticos esquecem que o déficit das contas públicas é um problema global liderado especialmente pelos países mais ricos, que apresentam níveis de endividamento muito superiores a seus próprios PIBs, como se dá nos Estados Unidos, cuja dívida chegou a 123% do Produto Interno Bruto em 2023 e que continua a crescer em razão do financiamento de guerras mundo afora. O déficit primário norte-americano situa-se em torno de 5% do PIB. Finalmente, ignoram os quase 7% do PIB que, no Brasil, pagamos de juros para rolar e financiar a dívida pública e jogam no ostracismo a verdade inquestionável de que o crescimento econômico, que a meta fiscal apertada tanto defendida por eles deprime, é o melhor canal para manter a sustentabilidade da dívida pública.

Raramente se veem, na mídia, vozes racionais para tratar do assunto com a seriedade que merece. Tornam-se, os “analistas”, verdadeiros arautos do apocalipse. Frisam, irresponsavelmente, que a dívida bruta vai crescer em relação ao PIB, mas, volto a insistir, tapam os olhos para o fato de a dívida pública crescer substancialmente com a taxa básica de juros, mantida em patamar extremamente elevado.

O Brasil, ou seus analistas de economia, padece de uma doença chamada rentismo. Com uma das taxas de juro mais altas do planeta, uma pequena elite endinheirada acostumou-se a viver de renda. Esse segmento tem seus porta-vozes dia e noite na mídia tradicional, sem contraposição para o necessário entendimento da questão relacionada à dívida pública interna. A taxa de juros criminosa, adotada pelo atual comando do Banco Central, é um monumental percalço a ser suplantado para que tenhamos a economia nos trilhos. A taxa Selic impede o crescimento da economia, com impacto direto nas contas públicas.

É com a expansão do PIB que se reduz de maneira eficaz o peso da dívida

Com esse desvirtuamento e omissões, o noticiário não mostra ou minimiza dados positivos sobre o País, induzindo grande parcela da opinião pública a ter uma percepção falsa da realidade, problema agravado pelo advento das redes sociais, que se tornaram instrumentos de desinformação e disseminação de mentiras. O crescimento no ano passado foi de 2,9%, superando os prognósticos. O Fundo Monetário Internacional revisou para cima a projeção para o crescimento da economia em 2024. A estimativa é de que o PIB vá crescer 2,2%, mas nada impede que seja maior. Segundo as projeções do FMI, o Brasil ascenderá ao oitavo lugar entre as maiores economias do mundo ainda neste ano, superando a Itália, e manterá essa posição até 2029, quando se espera que seu PIB atinja a marca de 3,06 trilhões de dólares em valores correntes. Em 2022, com Lula, o País registrou um PIB de 2,17 trilhões, saindo do 11º para o 9º lugar no ranking das maiores economias do mundo.

A renda média domiciliar per capita bateu recorde em 2023, consequência do crescimento real do salário mínimo, da ampliação do Bolsa Família e do mercado de trabalho aquecido. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o rendimento médio por habitante atingiu o patamar de 1.848 reais, o maior desde o início da série histórica, em 2012. Os dados são ajustados pela inflação e integram recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio.

O PLDO 2025 destaca uma perspectiva econômica positiva com crescimento do PIB previsto em 2,8% para o próximo ano, inflação controlada e a previsão de um salário mínimo de 1.502 reais, aumento de 6,37% em relação ao valor atual. O projeto estabelece meta de resultado primário de zero real para 2025 e um ­superávit progressivo nos anos subsequentes, visando estabilizar a dívida bruta em cerca de 79,7% do PIB a partir de 2027.

A revisão da meta fiscal era previsível e necessária. Isso porque garante que a economia continue na rota do crescimento e da sustentação dos investimentos públicos, além do estímulo aos investimentos privados. De novo, repito: é com o crescimento do PIB que se reduz de maneira eficaz o peso da dívida pública sobre as contas públicas.

Em 2008, o ex-presidente português Mário Soares fez uma entrevista com Lula para uma emissora portuguesa e listou uma série de dados positivos sobre o Brasil, tais como geração de empregos, contas externas, credibilidade internacional e justiça social. Mas assinalou que ficou perplexo com a cobertura da mídia tradicional, que mostrava um quadro extremamente contrário à realidade. Dezesseis anos depois, a estratégia da direita brasileira permanece a mesma: subestimar os fatos positivos e carregar nas tintas nos fatos considerados negativos, num esforço articulado para evitar o empoderamento de um projeto que tem potencial para promover mudanças estruturais no Brasil, dentre as quais a redução sustentada das desigualdades sociais. •


*Deputado federal (PT-PI) e vice-líder da Bancada do PT na Câmara dos Deputados.

Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mudança da meta. E daí?’

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