

Opinião
A tinta de Lira está acabando
O presidente da Câmara vence no varejo, mas não tem forças para ameaçar a nossa democracia e nem para impor seu objetivo principal: consolidar o arranjo combinado com Bolsonaro


A notícia é recente, mas parece velha de tão rotineira. Contrariado por alguma medida do governo federal, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaça prejudicar os interesses do Executivo no Congresso. De imediato, o campo progressista se alarmou, ainda traumatizado por todas as violências institucionais que a direita vem provocando desde o golpe parlamentar contra Dilma.
Entender as reais dimensões desse conflito, portanto, é fundamental para que as forças democráticas possa seguir avançando na reconstrução da nossa democracia.
A primeira questão é: Lira ameaça a democracia com sua guerra contra Lula? Sim e não. Sim, porque Lira, junto ao bolsonarismo, criou um arranjo institucional não previsto na Constituição. Pelo acordo com Bolsonaro, o então presidente transferiu todo o controle do orçamento para o Congresso, buscando proteção para preparar sua tentativa de golpe de Estado.
Com a vitória de Lula nas eleições de 2022, Lira adotou uma estratégia ambígua. Por um lado, reconheceu prontamente a vitória e negociou a PEC da Transição, garantindo o funcionamento do governo em 2023. Por outro lado, ele mobilizou seus aliados para tentar preservar o arranjo disfuncional estabelecido com o bolsonarismo. E é justamente a tentativa manter este arranjo que ameaça a democracia brasileira.
Contudo, a dinâmica política e institucional do Brasil mudou significativamente com Lula na presidência, liderando uma ampla coalizão com o objetivo de reconstruir a democracia. Essa mudança foi ainda mais acentuada após o 8 de Janeiro. O levante bolsonarista contra os três poderes complicou os planos de Lira, pois fortaleceu uma frente democrática que inclui Lula, o STF, a imprensa, as elites econômicas e também organizações internacionais, com apoio dos Estados Unidos.
O experiente Lira escolhe a dedo as pautas que ele usa como arma: CPIs que podem provocar dores de cabeça ao governo, projetos de lei que alimentam as guerras culturais, ameaças ao STF e, por óbvio, o avanço sobre o orçamento público pelas emendas parlamentares. Lira nunca desafia os pilares fundamentais da economia brasileira ou as políticas públicas essenciais do governo, pois isso elevaria o conflito a um nível extremo.
Nas questões econômicas e de políticas públicas centrais, tudo o que o governo propõe é aprovado. No entanto, nas áreas em que Lira consegue avançar, as pautas são, em geral, prejudiciais à promoção dos direitos da população brasileira, como é o caso do Marco Temporal. Mesmo assim, o impacto dessas ações é limitado, já que o STF tem mantido uma postura firme em não permitir que tais agendas progridam.
Nesse momento, Lira não tem forças para ameaçar a nossa democracia e nem para impor seu objetivo principal, o de consolidar institucionalmente o arranjo combinado com Bolsonaro. Ele próprio reconhece que, em uma perspectiva mais estratégica, já foi derrotado. O presidente Lula conseguiu restaurar a dinâmica institucional relacionada aos programas e políticas públicas, bem como o controle do orçamento público pelo Executivo.
O que Lira quer agora é vencer a batalha pela sua própria sucessão e eleger um aliado incondicional como novo presidente da Câmara. Isso não será nada fácil, conforme mostrou sua derrota na votação da prisão de Chiquinho Brazão .A situação de Lira pode se complicar ainda mais até o final do ano, à medida que o governo federal ganha mais controle sobre as emendas parlamentares, integrando-as às dinâmicas das políticas públicas. Além disso, Lula pode sair fortalecido das eleições municipais, especialmente se conseguir eleger aliados estratégicos em cidades-chave.
Até que o Congresso pare por conta das eleições, veremos mais manobras de Lira em sua batalha que, embora se volte contra o governo Lula, busca na verdade assegurar sua sucessão. Mas a fila anda, a tinta de sua caneta está acabando e ele pode ter o mesmo destino de outro outrora poderoso presidente da Câmara, o ex-deputado Eduardo Cunha.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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