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Olhar estrangeiro

A maior presença de artistas negros e indígenas tende a facilitar a inserção da arte brasileira no contexto internacional?

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A SP-Arte recebeu um grupo de curadores internacionais – Imagem: Felipe Beltrame/SP-Arte 2024
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Durante a realização da 20ª edição da SP-Arte, na semana passada, no Pavilhão da Bienal de São Paulo, um grupo de dez curadores e consultores vindos dos Estados Unidos, Europa e Ásia esteve na cidade para, além de visitar a feira, conhecer galerias, centros culturais e museus e ouvir palestras sobre a arte brasileira.

Curiosamente, ao mesmo tempo que dão concretude aos projetos de internacionalização do setor, esses visitantes, com quem a reportagem de ­CartaCapital conversou durante um brunch no restaurante Selvagem, no Parque do Ibirapuera, evidenciam o quão desconhecidos são, fora do País, os artistas brasileiros.

O grupo viajou a convite do Projeto Latitude, uma parceria entre a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact). O objetivo do projeto, que foi criado em 2007 e reúne 60 galerias, é a internacionalização do mercado brasileiro de arte contemporânea.

“Estamos retomando vários convênios que foram rompidos no governo anterior”, disse, durante o encontro, Gustavo Sperandio, representante regional da Apex. “Como o Brasil não é uma referência na arte, o maior desafio era trazer pessoas de fato qualificadas, que pudessem influir, depois, na compra de obras.”

Alana Hernandez, que veio de ­Phoenix (EUA), onde trabalha para uma organização que busca a valorização das contribuições artísticas da comunidade latina, não nega que seu conhecimento sobre a arte contemporânea do País sempre se restringiu aos concretistas – Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica à frente – e, nos anos 2000, a Vik Muniz.

O que parecia estar fazendo os olhos de Alana brilharem, durante a viagem ao Brasil, era a descoberta de uma diversidade estética, mas também de raça, à qual ela ainda não tinha tido acesso.

“Venho de um país no qual as obras dos artistas negros e latinos representam apenas 2% das coleções”, conta, explicando parte de sua função. Alana diz, inclusive, que, quando estava na faculdade, não via ninguém como ela nas curadorias das instituições. “De lá para cá, as coisas mudaram”, pontua, aos 31 anos. “Mas, obviamente, uma pessoa latina, como eu, ainda é minoria, e isso se reflete nas coleções.”

Não por acaso, outra integrante do grupo, Adefolakunmi Adenugba, consultora nova-iorquina voltada à arte negra, diz ter como clientes, sobretudo, jovens profissionais negros que estão dando início às suas coleções e desejam “navegar pelos artistas da diáspora”.

No caso de Helena Lyristakis, nascida na Austrália e radicada em Londres, o conhecimento da arte brasileira é mais amplo, mas, durante algum tempo foi quase nulo. Enquanto estudava Artes Visuais, na Austrália, ela jamais ouviu falar de qualquer artista do País. Foi apenas em uma viagem de estudos para Nova York que descobriu existirem os concretistas – mas só eles. Sua percepção mudaria de fato a partir de 2016, quando entrou na Gasworks, organização de arte contemporânea londrina que oferece residências anuais para artistas brasileiros no Reino Unido.

Alana Hernandez diz que, nos EUA, os latinos são raros nas galerias e nas coleções. Durante muito tempo, Helena Lyristakis, vinda do Reino Unido, só conhecia, do Brasil, os concretistas – Imagem: Shaunté Glover e Redes sociais

“De repente, comecei a descobrir artistas jovens, muitos deles vindos de lugares pobres, com preocupações ligadas a raça e classe social”, diz Helena. Ao vir ao Brasil pela primeira vez, e visitar comunidades no Rio de Janeiro, ela diz ter entendido o contexto no qual as obras eram criadas e as paisagens às quais esses artistas pertenciam.

“São trabalhos forjados mais pelas experiências de vida e pela estética do cotidiano do que por uma escola de arte. São artistas que parece terem sido menos expostos aos cânones de arte. E isso faz toda a diferença”, diz a curadora radicada em Londres.

Sabel Gavaldon, que hoje está à frente dos programas públicos no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (Macba), mas que antes trabalhou na Gasworks viu, entre 2018 e 2023, a presença de artistas negros e periféricos brasileiros crescer. “Antes, a diversidade do País não estava representada. Isso foi mudando”, pontua

O cubano Omar Lopez-Charoud, residente nos EUA e diretor artístico da ­Untitled Art, feira independente de arte contemporânea de Miami, não tem dúvida de que a visibilidade recém-conquistada por artistas negros e indígenas tende a atrair novos olhares para o Brasil. E lembra da presença de Adriano ­Pedrosa, diretor do Masp, na Bienal de Veneza, que abre dia 20.

“É uma conjunção de fatores”, diz Victória Zuffo, presidente da Abact, que diz estar convicta de que há um contexto positivo para a reinserção do País no mercado internacional e lembra: “A economia criativa sempre depende também da parceria com o governo”. •

Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Olhar estrangeiro’

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