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Cobertor curto

Onda grevista alastra-se pelo serviço público federal, mas o governo tem margem estreita para repor as perdas salariais dos últimos anos

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O passivo vem das gestões Temer e Bolsonaro, que se recusaram a negociar – Imagem: ANDES-Sindicato Nacional
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Faltando poucas semanas para o 1º de Maio, o Dia Internacional dos Trabalhadores, uma onda de servidores públicos mobilizados espalha-se Brasil afora. Os primeiros a parar foram os técnicos-administrativos de universidades e institutos federais, que completaram um mês de greve em 11 de abril, com 62 das 69 instituições paralisadas. “Esta já é considerada a maior paralisação da história da categoria”, afirma Loiva Chansis, coordenadora-geral da Fasubra, federação de sindicatos que os representa. Eles reivindicam recomposição salarial e revisão da carreira. Alegam que, sem reajustes nos últimos anos, as perdas salariais já representam de 23% a 60% em diferentes setores. O governo Lula ofereceu, porém, apenas 9% de recomposição, metade do porcentual em 2025 e o restante em 2026.

Somam-se aos técnicos-administrativos, os professores dos institutos federais de educação básica, profissional, científica e tecnológica. Ao todo, 436 unidades da rede, em 23 estados, estão sem aulas. Parte dos funcionários dos Correios também declarou estado de greve. Os trabalhadores da área ambiental fazem operação-padrão. Auditores fiscais, funcionários do Banco Central, agentes da Abin… A lista de categorias mobilizadas por reajustes salariais no serviço público federal não para de crescer.

Os servidores reivindicam reajustes represados há anos. Durante as gestões Temer e Bolsonaro, esboçaram algumas mobilizações, mas logo perceberam que não havia espaço para o diálogo. Com a chegada de Lula ao poder, nutriam a expectativa de correção da defasagem dos salários. Diversas mesas de negociação foram abertas já em fevereiro de 2023, mas os sindicatos se decepcionaram com as propostas oferecidas pelo governo, a alegar uma estreita margem de manobra para conceder reajustes sem desrespeitar a nova regra fiscal nem sacrificar investimentos em programas sociais e obras estratégicas de infraestrutura. “Passamos um ano negociando, mas sem respostas efetivas. Neste momento, entendemos que não resta outra alternativa a não ser a greve”, avalia Gustavo Seferian, presidente da Andes, que representa professores do ensino superior.

De acordo com a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, as negociações nunca pararam, mas o orçamento não permite a recomposição exigida pelos servidores. “Não se trata só da limitação da regra fiscal atual. Em qualquer governo existe uma disputa pelo orçamento, e estamos puxando esse debate pelo lado social”, alega. Como o reajuste não ocorre há muitos anos, já de largada, no início do governo, foi concedida recomposição de 9%, dividida em duas parcelas de 4,5%, para todos os servidores. Dweck explica que isto representou 4,5 bilhões de reais a mais na folha de pagamento e impactou no orçamento deste ano. Também por isso a margem de negociação está mais estreita.

Para atenuar o problema, a pasta apostou no aumento dos valores dos benefícios. Para 2024, foi oferecido aos servidores federais um aumento de 51,9% no auxílio-alimentação e de 51% no auxílio-saúde. Já o auxílio-creche subirá de 321 para quase 485 reais. Essas concessões representam um impacto de 3 bilhões de reais na folha. “A gente sabe que isso não é um aumento de salário, ninguém está confundindo benefício com remuneração”, enfatiza Dweck. “Mas é o que pode ser feito no momento.”

Os servidores não cobram apenas recomposição salarial, mas também melhores condições de trabalho. No caso dos Correios, para citar um exemplo, a empresa foi preparada para ser privatizada durante o governo Bolsonaro e, agora, os trabalhadores colhem o fruto amargo do sucateamento. “Por falta de segurança, passaram a ocorrer assaltos nas agências. Muitos carteiros adoecem pelo calor excessivo na entrega postal matutina. Há uma série de problemas que tem prejudicado o nosso trabalho”, revela José ­Gandara, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Correios, que representa parte da categoria.

Dweck conta com a liberação de novos recursos para contemplar as categorias mais defasadas – Imagem: Antonio Cruz/ABR

Segundo o dirigente, a empresa não realiza concurso público desde 2011 e, de lá para cá, mais de 42 mil funcionários se aposentaram ou saíram. “Antes, éramos 128 mil empregados. Agora, somos 86 mil. A sobrecarga de trabalho é absurda.” A categoria é dividida em duas entidades representativas. Ambas aceitaram a proposta do governo de voltar a pagar 30% de adicional de periculosidade para os carteiros motofretistas a partir deste ano. Mas a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares decidiu manter o estado de greve até que as demais reivindicações sejam atendidas. “Podemos entrar em greve a qualquer momento”, afirma o secretário-geral, Emerson Marinho.

No caso dos trabalhadores do Ibama e do ICMBio, a segurança no trabalho e o adicional de periculosidade figuram, ao lado da recomposição salarial, entre as principais reivindicações. O presidente da ­Ascema, que representa os especialistas em meio ambiente, lembra que o crime organizado se embrenhou nas florestas nos últimos anos. Agora, a logística do tráfico internacional de animais, da extração ilegal de madeira e do garimpo de ouro e minérios passou para outro nível, equiparado ao tráfico internacional de drogas e armas. “No território Yanomâmi, tivemos mais de dez equipes atacadas por criminosos com armas de alto calibre. Várias viaturas e sedes dos órgãos foram queimadas nos últimos anos, além de carros alvejados por tiros”, lamenta Cleberson Carneiro Zavaski.

O cenário de guerra faz com que a categoria tenha um dos maiores índices de evasão do funcionalismo público. No­ Ibama, a evasão está acima de 20%. No ­ICMBio, chega a quase 30%, revela o dirigente. A operação-padrão dos servidores tem afetado as obras do PAC, que precisam de licença ambiental. “Estão praticamente todas paradas”, diz Zavaski.

Das mesas em negociação, dez já chegaram a acordos, e outras oito estão em andamento. Dweck garante que ainda há chance de melhorar algumas propostas, porque o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pactuou com o Congresso que, se o governo cumprir a meta fiscal e a receita for suficiente, pode haver um crescimento da despesa da ordem de 15 bilhões de reais. “Parte desses recursos será destinada a reajustes para os servidores este ano. Agora, estamos discutindo um espaço um pouco maior, principalmente para as categorias mais defasadas.” •

Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cobertor curto’

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