Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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O Brasil e o jardim Europa

Fica difícil entender a insistência do governo em concluir o danoso acordo UE–Mercosul

O Brasil e o jardim Europa
O Brasil e o jardim Europa
Lula durante reunião de líderes do Mercosul Foto por MAURO PIMENTEL / AFP)
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O leitor ou a leitora que me acompanhe um pouco não estranhará o título deste artigo, uma variante do título do meu livro mais recente, O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém. Se não cabe no quintal de ninguém, como caberia no jardim da Europa? Por que “jardim da Europa”? E por que dizer agora, especificamente, que o Brasil não cabe aí?

Eis a razão. O senhor Josep Borrell, que vem a ser nada mais, nada menos que “o alto representante da União Europeia para os negócios estrangeiros”, declarou que a Europa é um “jardim” e o resto do mundo, “majoritariamente, uma selva”. O sentido desse tipo de afirmação é argumentar que os europeus precisam proteger o seu “jardim”, isto é, a sua sociedade ultraconfortável e privilegiada, do assédio dos estrangeiros de várias origens.

Vejam vocês a contradição. Os europeus, tão ciosos do seu espaço e da sua soberania, dão-se o direito de ­continuar imperialistas no trato com países em desenvolvimento pouco conscientes dos seus interesses nacionais. A Comissão Europeia continua lutando por um acordo de tipo neoliberal e neocolonial com o Mercosul. Os críticos brasileiros desse acordo, entre os quais me incluo, têm explicado ad nauseam por que esse acordo é problemático, para dizer o mínimo.

Aqui há um aparente paradoxo. Se o acordo Mercosul/União Europeia é realmente tão favorável à parte europeia, como sustentam seus críticos no Brasil, não é estranho que uma parte expressiva dos europeus se oponha ferrenhamente a ele?

Explico. As concessões feitas ao Mercosul são limitadas e beneficiam, sobretudo, as exportações agrícolas do bloco sul-americano. O pouco acesso adicional para os nossos produtos tem impacto concentrado nos países cuja agricultura não consegue enfrentar de peito aberto a concorrência brasileira e argentina nessa área. Mesmo limitadas, as concessões que obtivemos são vistas como perigosas por países como França, Irlanda, Bélgica e Polônia. A França tem liderado a resistência ao acordo, Vive la ­France, portanto. Graças fundamentalmente a ela, pode ser que esse acordo desigual não seja concluído. O presidente francês, ­Emmanuel Macron, estará em breve em visita oficial ao Brasil, dos dias 26 a 28 de março. Vamos recebê-lo efusivamente, por favor! Já que os negociadores do Mercosul não conseguem defender os interesses nacionais adequadamente, contemos pelo menos com os franceses para barrar algo que não nos convém.

Podemos contar com o presidente Lula? Espero que esteja errado, mas parece que não. Por ocasião da vinda ao Brasil do presidente da Espanha, Pedro ­Sánchez, outro defensor do acordo, Lula decepcionou. Vejam o que ele disse: “Nós ainda vamos assinar esse acordo para o bem do Mercosul e para o bem da União Europeia. A União Europeia precisa desse acordo. O Brasil precisa desse acordo. Não é mais uma questão de querer ou não querer, de gostar ou não gostar. Precisamos politicamente, economicamente e geograficamente fazer esse acordo, precisamos dar um sinal para o mundo de que queremos andar para a frente. Por isso estou otimista”.

Francamente! Não foi para isso que fizemos o “L”. Pelos motivos acima mencionados, mas também por vários outros que já expliquei em artigos anteriores, o acordo não nos serve e, pior, nos prejudica gravemente. Remeto a um desses artigos: “Complexo de vira-lata”, ­CartaCapital, 6 de dezembro de 2023.

A pergunta que não quer calar, repito, é a seguinte: O que ganhamos com esse acordo? As nossas exportações aumentarão com o acordo? Não muito, pelos motivos já mencionados. Será que aumentarão os investimentos estrangeiros aqui? O acordo fará pouca ou nenhuma diferença nesse terreno. Um possível efeito positivo sobre investimentos de uma “melhora da confiança” é, como sempre, mera conjectura. O acordo pode, inclusive, reduzir investimentos europeus no Mercosul. Para que produzir aqui, se eles podem abastecer o nosso mercado livremente a partir do seu território?

Fica difícil, assim, entender a insistência do governo em concluir essa negociação. Uma explicação possível é que se considere politicamente importante a aproximação com a Europa. Se é isso mesmo, há um equívoco fundamental. Aproximação, sim. Subordinação, não. Não era para ser soberana a integração internacional da economia brasileira?

Além disso, é preciso ter claro que abandonar esse acordo não significa de modo algum romper com a União Europeia ou distanciar-se dela. A Europa continuará a ser um dos principais parceiros econômicos e políticos do Brasil e do Mercosul. As relações com eles continuarão fortes e poderão até ser aprofundadas, independentemente de acordos desiguais desse tipo. •

Publicado na edição n° 1303 de CartaCapital, em 27 de março de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O Brasil e o jardim Europa’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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