Economia

assine e leia

Fim dos ciclos na Amazônia

“Não cabe mais um modelo restrito à exportação de matérias-primas”, avalia Paulo Rocha, no comando da Sudam

Fim dos ciclos na Amazônia
Fim dos ciclos na Amazônia
Visão. “Precisamos de um processo de verticalização, para agregar valor aos produtos” – Imagem: Carlos Mota
Apoie Siga-nos no

No Plano Nacional de Transformação Ecológica, anunciado pelo ministro   durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Dubai no fim do ano passado, a Amazônia possui um papel estratégico. Sem deter o desmatamento na maior floresta tropical do planeta, dificilmente o governo conseguirá cumprir suas metas de descarbonização da economia. Ao mesmo tempo, a equipe de Lula precisa oferecer alternativas para a população amazônica. Ciente desse desafio, a Sudam busca retomar o protagonismo perdido no financiamento de grandes projetos de desenvolvimento para a região, que se estende por nove estados e ocupa cerca de 60% do território nacional.

“A Sudam vem de um histórico de desmonte, descaso e descompromisso com a região e com os brasileiros”, lamenta Paulo Rocha, ex-senador pelo PT do Pará e atual superintendente da agência de fomento. O petista acredita ser possível fortalecer os pequenos e médios produtores locais, sem causar prejuízos à preservação do bioma. “Não cabe mais um modelo restrito à exportação de matérias-primas. Foi assim nos ciclos da borracha, da castanha, da madeira e, mais recentemente, de minérios. Precisamos de um processo de verticalização, para agregar valor aos produtos, e também mais inclusivo, e que combine o papel do pequeno, do médio e do grande produtor para desenvolver as economias locais.”

CartaCapital: Ao assumir a Sudam, o senhor se deparou com qual cenário?
Paulo Rocha: Encontramos uma Sudam resultante de um processo cruel de esvaziamento, uma verdadeira falta de compromisso com a coisa pública e com a população. Logo no primeiro dia nos reunimos com todos os servidores para discutir a situação. Iniciamos uma ronda nos ministérios para resolver problemas diversos. Conseguimos elevar o orçamento. Pretendemos acolher vários órgãos com atuação regional no complexo predial da Sudam e daí teremos um centro administrativo do governo federal na Amazônia.

CC: A Sudam sempre esteve voltada ao financiamento de grandes projetos, geralmente ligados ao extrativismo. O senhor pretende diversificar os investimentos para outras atividades?
PR: Historicamente, a Sudam não apenas financiou esses grandes projetos, como também cumpriu um papel imposto desde a época da ditadura, a partir de uma filosofia da caserna, de cima para baixo. A visão militar era ocupar para não entregar. Com isso, os pequenos ficaram acua­dos ou foram expulsos para as grandes cidades, mas agora é possível mudar esse panorama. A sustentabilidade na Amazônia não tem a ver só com a questão ambiental. Precisamos olhar para as ­pessoas que aqui vivem. Elas precisam respirar um clima bom, mas também necessitam de alimentação, vestuário, educação e um tratamento de saúde digno às suas famílias. Como costuma dizer o presidente Lula, não podemos deixar 30 milhões de habitantes contemplando a floresta, sem ter emprego, dignidade ou cidadania.

Equilíbrio. O ex-senador é favorável à exploração de petróleo na foz do Amazonas e diz ser possível conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental – Imagem: Alberto César Araújo/Amazônia Real e iStockphoto

CC: Como assegurar alternativas de renda para a população amazônica?
PR: Primeiro, precisamos levar em conta as desigualdades regionais. No Pará, existem grandes projetos agropecuários e minerais, como nas regiões Sul e Sudeste, que possuem um bom nível de desenvolvimento social, enquanto o arquipélago de Marajó tem o menor IDH do Brasil. Após debater esse assunto com governos estaduais e municipais, além de universidades, trabalhadores e associações de classe, passamos a propor projetos de ­desenvolvimento a partir da vocação de cada região. E começamos a agir nas regiões mais empobrecidas, como Marajó, no Pará, e Bailique, no Amapá. Não cabe mais um modelo focado na exportação de matérias-primas. Foi assim nos ciclos da borracha, da castanha, da madeira e, mais recentemente, de minérios. Precisamos de um processo de verticalização, para agregar valor aos produtos, e também mais inclusivo, e que combine o papel do pequeno, do médio e do grande produtor para desenvolver as economias locais.

CC: Quais são as prioridades?
PR: A Sudam vem de um histórico de desmonte, descaso e descompromisso com a região e com os brasileiros. Quem conhece a Amazônia, seus problemas e desafios, sabe que o Poder Público precisa estar presente levando políticas públicas, proporcionando à população o usufruto da riqueza da região. Uma das nossas prioridades é fazer da Sudam o pilar da atuação do governo federal nos estados que abrigam o bioma. Já começamos esse processo. Estamos recuperando o quadro técnico. Conseguimos o Contrato de Cessão de Uso a Título Gratuito, firmado entre a Sudam e a Secretaria do Patrimônio da União. Essa conquista nos habilita formalmente a compartilhar seus prédios com outros órgãos da União, justamente para criar o centro administrativo do governo federal na Amazônia.

CC: Qual o orçamento disponível para 2024?
PR: No que se refere aos recursos para o plano de desenvolvimento regional, ordenamento territorial e recursos hídricos, projetos de estruturação e dinamização de atividades produtivas, fomento à pesquisa, tecnologia e inovação para o desenvolvimento sustentável da biodiversidade amazônica, conseguimos dar um grande salto passando de 7 milhões de reais, em 2023, para 18 milhões neste ano, um aumento de 174%. Temos ainda recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia, o FDA, que giram em torno de 890 milhões de reais, além de 46 milhões para gestão e manutenção. Somando, os valores são de, aproximadamente, 954 milhões. Oportuno dizer que o orçamento da Sudam não crescia há cerca de dez anos.

CC: O senhor declarou ser favorável à exploração do petróleo na margem equatorial brasileira. Qual seria o impacto desse empreendimento?
PR: Temos uma parceria com diretoria da Petrobras. Fui colega do presidente Jean Paul Prates no Senado e, agora, estamos em órgãos estratégicos, capazes de promover a regeneração de recursos para esse novo ciclo da economia brasileira de forma sustentável, com energias renováveis e recursos para financiar a transição energética do País. A exploração de petróleo na margem equatorial tem um enorme potencial econômico, além de oportunidades para promover melhorias na vida de milhares de brasileiros, sempre com respeito ambiental e geração de receita para os estados.

“Não podemos deixar 30 milhões de habitantes contemplando a floresta, sem ter dignidade”

CC: A Sudam tem recebido consultas de grupos interessados nessa possível exploração dessa área, já apelidada de “novo pré-sal”?
PR: Recebemos contatos de grandes empreendimentos internacionais nas áreas de logística, indústria naval e verticalização de minérios. Nossa única exigência é de que esses grupos tenham sócios brasileiros no empreendimento.

CC: O Consórcio da Amazônia Legal, formado pelos nove governadores da região, não enfraquece o papel da Sudam? Não é um divisor de forças?
PR: A Amazônia tem demandas urgentes e precisamos melhorar o índice de ­desenvolvimento humano de muitas regiões em todos os estados. O momento é de somar esforços, unir forças políticas e mobilizar a sociedade como um todo, inclusive internacionalmente, para respeitar e desenvolver a Amazônia. A verdade é que a riqueza da região suscita interesse de todos os lados. Com a retomada do papel da Sudam, acreditamos que todos os estados devem estar incluídos nesse esforço coletivo, a fim de proporcionar dignidade aos brasileiros que habitam, trabalham e amam a Amazônia.

CC: Em 2025, Belém será a sede da COP-30, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. A Sudam está articulada nesse projeto?
PR: Desde o anúncio do evento, iniciamos junto ao governo federal a aceleração da liberação de recursos, áreas, obras e demais políticas, a fim de preparar a capital do Pará para a recepção da COP-30, além de firmar convênios, cooperações e parcerias com instituições de pesquisa e ensino, reunindo projetos exitosos na área da bioeconomia. É um esforço para que o povo da Amazônia participe da COP, seja beneficiado com suas deliberações e possa ainda usufruir do legado deixado pela realização do evento. •

Publicado na edição n° 1300 de CartaCapital, em 06 de março de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fim dos ciclos na Amazônia’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo