CartaCapital
Caso Marielle/ Próximo de um desfecho?
Em delação, o sicário Ronnie Lessa aponta Domingos Brazão como mandante do assassinato


Preso há quase quatro anos, Ronnie Lessa celebrou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal e deve trazer novos detalhes sobre o assassinato de Marielle Franco em 2018. O sicário, autor dos disparos que mataram a vereadora, apontou como mandante do crime Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, informou em primeira mão o site Intercept. Como o suspeito possui foro privilegiado, o acordo precisa ser homologado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Deputado estadual por cinco mandatos consecutivos, Brazão ostenta, em sua ficha, acusações de improbidade administrativa, fraude, associação com a “máfia dos combustíveis” e envolvimento com milícias para a compra de votos. Não por acaso, acabou mencionado no relatório final da CPI das Milícias, em 2008, como um dos poucos políticos liberados para fazer campanha no bairro de Rio das Pedras. Suspeita-se, inclusive, que a morte de Marielle Franco tenha sido uma vingança pessoal contra Marcelo Freixo, que liderou a investigação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. À época, ela assessorava o parlamentar, que hoje preside a Embratur.
O nome de Brazão apareceu pela primeira vez no caso Marielle em 2019, após o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira apontar o então vereador Marcello Siciliano e o miliciano Orlando Curicica como mandantes do crime. À época, a PF desconfiou que as denúncias visavam lançar uma falsa pista e a Procuradoria-Geral da República denunciou Brazão por obstrução de Justiça. O conselheiro foi acusado de usar um policial federal aposentado, que trabalhou em seu gabinete, para levar Ferreira ao falso testemunho.
Brazão sempre negou envolvimento no crime e seu advogado, Márcio Palma, diz desconhecer qualquer menção ao seu cliente na delação de Lessa.
Inquérito alongado
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, prorrogou pela nona vez o inquérito que apura a atuação das milícias digitais bolsonaristas. Com a decisão anunciada na segunda-feira 22, a Polícia Federal terá mais 90 dias para concluir as investigações. O inquérito aponta “fortes indícios” da atuação de uma organização criminosa dedicada a propagar fake news e promover ataques ao Estado Democrático de Direito. Em outubro de 2023, Moraes incluiu o relatório final da CPI do 8 de Janeiro, que pediu o indiciamento de 61 acusados – entre eles, Jair Bolsonaro.
Fake news/ Assassinato de reputação
Bolsonaristas requentam acusações levianas de pedofilia contra o padre Júlio Lancellotti
Eis o confiável perito que atestou a veracidade do vídeo – Imagem: Redes sociais
Após a intensa reação de personalidades da sociedade civil contra a CPI das ONGs em São Paulo, solicitada pelo vereador Rubinho Nunes com o confessado propósito de constranger o padre Júlio Lancellotti, os bolsonaristas requentaram velhas e levianas acusações de pedofilia contra o coordenador da Pastoral do Povo de Rua. No mais recente capítulo da sórdida trama, a Revista Oeste apresenta um laudo assinado por dois “peritos”, Reginaldo Tirotti e sua filha, Jacqueline Tirotti, que dizem ser verdadeiro um vídeo propagado por perfis anônimos nas redes, no qual o sacerdote estaria se masturbando para um adolescente durante uma videochamada.
Tirotti pai é um apoiador declarado de Jair Bolsonaro, de quem já recebeu um vídeo de agradecimento com um “abraço hétero” em 2015, quando o ex-capitão ainda era um histriônico deputado do baixo clero. Ele também participou dos atos golpistas na porta de quartéis. Nas redes sociais, tanto ele quanto a filha se declaram especialistas em “perícia grafotécnica”, focada na análise de documentos escritos, e não de conteúdos audiovisuais.
O ex-deputado estadual Arthur do Val, cassado após ser flagrado em áudio dizendo que as refugiadas ucranianas “eram fáceis porque eram pobres”, disse ter recebido esse mesmo vídeo de um apoiador durante sua campanha à prefeitura de São Paulo, em 2020. Com o laudo de um perito contratado por sua equipe, encaminhou o material ao Ministério Público. O caso foi arquivado em 2021 por “falta de materialidade”. À época, a revista Piauí publicou uma reportagem denunciando a fraude: dois ex-militantes do MBL, movimento que projetou Do Val e Rubinho Nunes na política, admitiram que a gravação foi forjada por um assessor.
Mais recentemente, quando o vídeo voltou a circular nas redes bolsonaristas, Mário Gazziro, doutor em Física Computacional pela USP e professor de Engenharia da Informação da UFABC, analisou o material e concluiu que o vídeo era falso e foi manipulado com tecnologia de deepfake. Acusado pela Revista Oeste de ter um “currículo indigente”, o especialista é também revisor do Journal of Forensic Science and Research, uma das principais publicações científicas na área de perícia forense. Já a Oeste, bem… O site bolsonarista é um refúgio de comentaristas desempregados da Jovem Pan, coleciona conteúdos classificados como fake news por agências de verificação e chegou a ter seu canal do YouTube desmonetizado por propagar “conteúdo nocivo”. Um currículo do qual muito se orgulham.
Leãozinho indefeso
Pré-candidata do Novo à prefeitura de São Paulo, a economista Marina Helena chamou atenção nas redes sociais com uma insólita publicação. Grávida do segundo filho, a bolsonarista compartilhou uma foto na qual coloca um fone de ouvido apoiado sobre a barriga para o bebê “ouvir” o discurso do presidente argentino, Javier Milei, no Fórum Econômico Mundial. “Despertando meu leãozinho: Viva a Liberdade!”, diz a legenda. Na imagem, em primeiro plano, o celular mostra o ultradireitista em Davos. Os defensores da vida desde a concepção não esboçaram qualquer reação.
Equador/ Dez dias de terror
População carcerária do país cresce 8% com detenções durante a onda de violência
Mais de 60 foram presos em tentativa de assumir o controle de um hospital – Imagem: STR/AFP
No intervalo de apenas dez dias, as Forças Armadas e a Polícia Nacional do Equador prenderam 2.369 suspeitos, dos quais 158 foram acusados de terrorismo. O número representa 8% da população carcerária, estimada em 31 mil detentos. As prisões
em massa são a resposta do recém-empossado presidente Daniel Noboa à onda de violência que assola o país desde 9 de janeiro, com ataques a bomba e sequestros de policiais. Criminosos chegaram a fazer reféns em uma emissora de tevê, durante uma transmissão ao vivo. Outro bando tentou assumir o controle de um hospital na cidade de Yaguachi. Esta última ação resultou na prisão de 68 homens.
O estopim para a série de ataques foi a fuga de Adolfo Macias, mais conhecido como Fito, líder da gangue Los Choneros, a maior quadrilha de tráfico de drogas do Equador. Ele cumpria pena de 34 anos de reclusão na Penitenciária Regional de Guayaquil, após acumular condenações por crime organizado, narcotráfico e assassinato. Logo após a evasão, Noboa decretou estado de exceção e mobilizou as Forças Armadas para tentar capturá-lo. A reação dos criminosos foi imediata. Localizado entre a Colômbia e o Peru, os maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador sofre com uma sangrenta disputa entre facções associadas a cartéis internacionais.
Maternidade com incentivo estatal
Durante décadas, Pequim adotou a política do filho único para reduzir a taxa de natalidade no país mais populoso do mundo. Agora, busca desesperadamente convencer as mulheres a ter mais filhos. Mesmo após oferecer incentivos às mães, como moradia mais barata e auxílio financeiro, a população chinesa continua em retração, com o declínio de 2 milhões de almas em 12 meses. Os 9,02 milhões de bebês nascidos em 2023 estão abaixo dos 9,56 milhões registrados no ano anterior. A China passa por um acentuado processo de envelhecimento populacional, que reduz a oferta de mão de obra e ameaça a sustentabilidade de seu sistema de previdência.
Europa/ Provocação a putin
Otan anuncia maior exercício militar desde a Guerra Fria
Os combatentes vão simular um “ataque russo” no continente – Imagem: Exército da Letônia/OTAN
A Organização do Tratado do Atlântico Norte convocou 90 mil soldados de países membros e da Suécia para a realização de exercícios militares. As manobras vão simular o cenário de um “ataque russo”, informou o general Christopher Cavoli, comandante da Otan na Europa. Já o almirante Rob Bauer, chefe da aliança militar, foi ainda mais enfático: “Devemos compreender que a nossa existência pacífica não é fato consumado e, por isso, devemos nos preparar para um conflito com a Rússia”.
O “Steadfast Defender 2024”, nome dado ao treinamento militar, envolverá ao menos 1,1 mil veículos de combate, 80 caças, helicópteros e drones, além de 50 navios de guerra, de porta-aviões a destroieres. “Um exercício desta escala marca o regresso final e irrevogável da Otan aos esquemas da Guerra Fria, quando o processo de planejamento militar, os recursos e as infraestruturas estão sendo preparados para o confronto com a Rússia”, lamentou o vice-ministro das Relações Exteriores do país, Alexander Grushko. A expansão da Otan para o Leste foi a principal justificativa do presidente russo, Vladimir Putin, para invadir a Ucrânia em 2022.
Publicado na edição n° 1295 de CartaCapital, em 31 de janeiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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