Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Obra discute ‘arte do rodeio’ e afirmação da ‘cultura’ na sociedade do agronegócio
Premiada tese de doutorado aborda o universo que se distancia do estereótipo caipira para uma ressignificação do homem do campo


A Festa do Peão de Barretos, criada em 1956 pela elite pecuarista paulista, tinha o rodeio como legitimação de uma “cultura” típica, menos caipira e mais ligada a valores de uma sociedade do agronegócio em ascensão. O evento cresceu e se tornou um dos modelos de ressignificação do homem do campo.
A ‘Arte do Rodeio’: Peões, Touros e Tropeiros na Sociedade do Agronegócio, de Carlos Eduardo Machado, tese de doutorado defendida na Unicamp que levou o 2º Prêmio Silvio Romero de Monografias sobre Folclore e Cultura Popular do Iphan no fim de 2023, traça um bom panorama sobre as transformações desse universo a partir do evento de Barretos.
Embora o autor enfatize a construção de identidade do peão boiadeiro, a abordagem da construção sociopolítica que se processa para afirmar os diferentes atores desse universo é bem rica, com pesquisas e entrevistas (realizadas pouco antes da pandemia), além da fundamentação teórica.
Vale destacar que, até meados dos anos 1980, as festas de rodeios eram pequenas festividades tradicionais ligadas às populações rurais, como cita a tese. No caso de Barretos, havia ampla diversidade.
O autor mostra no trabalho a programação de 1967 da Festa do Peão, que contava, além do tradicional concurso de montaria e de manifestações típicas rurais, com danças afro-brasileiras, indígenas, gaúchas, dentre outras. E ainda com show de Chico Buarque.
Na festa de 1969, na programação, além das duplas Belomonte & Amaraí e Liu & Leu, estiveram Jair Rodrigues e Originais do Samba.
O padrão mudaria em meados da década de 1980, assumindo um formato ligado à indústria cultural (com gravadoras à época apostando forte nas duplas sertanejas e em programas na TV voltados à temática rural), com predomínio e forte conexão de shows sertanejos com os rodeios – estes se adaptando ao padrão das grandiosas competições nos Estados Unidos.
Naquela época, Barretos criaria seu Parque do Peão e o estádio (inaugurado em 1989) no mesmo local para rodeios e shows. No formato de ferradura, a arena das grandes apresentações foi um projeto arquitetônico feito gratuitamente – a pedido de Os Independentes, organizadores da festa – pelo comunista Oscar Niemeyer (que também projetou o parque).
A tese de doutorado ressalta o forte movimento na última década de reconhecimento oficial das tradições rurais, notadamente as vaquejadas e os rodeios, em um projeto político do agronegócio alicerçado na exaltação de sua “cultura” (as aspas são do autor da tese).
Cita-se que foi no início deste século, com aumento das exportações das commodities agrícolas, que as pautas do agronegócio ganharam ainda mais relevância no Legislativo e no Executivo.
A chamada sociedade do agronegócio montou grandes espaços de lazer, consumo e sociabilidade, hoje altamente consolidados, alicerçados em uma ideia do acontecimento cultural e da afirmação de sua identidade.
Essa premissa tem sido amplamente utilizada nos rodeios, frequentemente questionados devido a possíveis maus tratos aos animais. O trabalho, ressalta-se, não é crítico às festas de peão, mas oferece um relato equilibrado de como a sociedade do agronegócio tem se estabelecido no País.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Patrícia Ahmaral canta a revolucionária obra de Torquato Neto, que faria 80 anos
Por Augusto Diniz
Filme mostra que toques dos sinos das igrejas tiveram uma forte influência afro
Por Augusto Diniz
Alessandra Leão tira a percussão da ‘cozinha’ e a leva ao seu devido lugar: a frente do palco
Por Augusto Diniz