Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Filme mostra que toques dos sinos das igrejas tiveram uma forte influência afro

Documentário detalha o encontro, no Brasil, do instrumento europeu com o africano

Filme mostra que toques dos sinos das igrejas tiveram uma forte influência afro
Filme mostra que toques dos sinos das igrejas tiveram uma forte influência afro
Foto: Divulgação
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Quando os europeus chegaram à África, em meio a tantos antagonismos, o uso dos sinos como forma de comunicação foi uma das poucas práticas em comum entre eles.

Quando os negros escravizados chegaram ao Brasil sob domínio português, o instrumento amplamente usado nas igrejas católicas passou a receber influências afro, amparadas pela tradição do instrumento no continente africano, dando novos contornos à sua utilização.

Essa história está disponível no canal da USP no YouTube. O documentário foi lançado no fim de dezembro e tem o nome de Essa Gunga Veio de Lá – Tradição Africana nos Sinos do Brasil.

O filme se baseia em uma tese de doutorado de Rafael Galante, etnomusicólogo e doutor em História Social da USP – o projeto foi 1º lugar do Prêmio Sílvio Romero de Monografias de Folclore e Cultura Popular do Iphan em 2023.

Galante e Marcos Cardoso, professor da Universidade Federal de São João del-Rei, oferecem detalhes sobre o tema. O filme de quase 32 minutos desfaz o pensamento geral de que os sinos dobram no Brasil seguindo a tradição exclusivamente católica europeia.

Vale ressaltar que os sinos não eram somente escutados a partir das torres das igrejas, mas também nas fazendas e nos espaços públicos. Era uma forma de comunicação no Brasil até o final do século XIX.

A África Atlântica já usava o sino de metal como representação sonora do poder político e do poder espiritual, explica Rafael Galante no filme.

No Brasil, os sinos africanos (adaptados aqui ao longo do tempo) são usados em várias práticas, como tambor de mina e congada e no candomblé – que tem o agogô (cujo termo em ioruba significa “sino”) e o adjá, peça central na invocação da presença dos orixás.

Entre os católicos, o sino tocado durante a missa evoca o espírito santo, ressalta o documentário.

No Brasil, os escravos tocavam os sinos das igrejas porque era um trabalho perigoso, pelo fato de ter de subir às altas torres dos templos e exigir força.

No passado, os sinos eram tocados nas torres das igrejas por mais motivos do que se conhece hoje – atualmente concentrados na indicação de hora, aviso de missa e falecimento, na maioria das vezes executado de forma eletrônica.

O documentário relata que os negros sineiros impuseram formas de tocar o instrumento, e em igrejas com vários sinos era possível apresentar rítmicas apuradas das manifestações afro-brasileiras existentes. Em algumas igrejas, o toque dos sinos chegou a ser usado para promover encontros não católicos.

A capoeira, que no século XIX era ligada ao universo espiritual afro-brasileiro, tinha como sua iniciação ser sineiro. Os capoeiristas estão entre os que utilizaram os sinos das igrejas a fim de fazer a comunicação para encontros.

Eles eram delegados pela sociedade escravocrata a assumirem a função devido ao perigo da tarefa, sem que seus objetivos fossem importunados. Músicas de roda de capoeira foram inspiradas no toque dos sinos da igreja.

O documentário Essa Gunga Veio de Lá – Tradição Africana nos Sinos do Brasil, produzido pelo Jornal da USP, é uma preciosidade na demonstração de mais um legado afro na produção de sons no País.

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