

Opinião
Minha irmã comprou um telefone fixo!
Eu me desfiz do meu quando cem por cento das ligações eram pra vender alguma coisa


A notícia chegou logo cedo pelo grupo dos irmãos no zap, o Villas Brothers. Como assim, comprou um telefone fixo, nesses tempos em que ninguém mais tem? Sim, ela comprou, passou o número e disse que o telefone fixo é muito útil a ela.
Achei engraçado, porque minha irmã mais velha é muito moderna. Achei que era pra decoração do AP novo dela, mas não, é pra uso pessoal mesmo.
Hoje, a gente diz telefone fixo, antigamente não, era só telefone. Ainda não havia telefone móvel pra ninguém.
Teve uma época, eu me lembro bem, tínhamos que declarar o telefone no Imposto de Renda. Pra vocês verem como estou velho. Telefone era coisa de rico. Eu tinha um tio, o tio Zezé Siffert, que vivia de comprar e vender telefones. Criou os seis filhos com o negócio.
Quando eu trabalhava no SBT, atravessava todos os dias o Shopping Center Norte e lá tinha uma loja – Banco do Telefone – onde um terminal do lado de fora mostrava o valor do seu no dia, bastava discar o número. O meu valorizava a cada 24 horas. Já estava até pensando em vendê-lo pra comprar a casa própria.
Mas voltando a minha irmã: ela mora em Brasília desde a inauguração da cidade, e agora é a feliz proprietária de um telefone fixo. Onde será que ele foi instalado? Na sala, na mesinha de cabeceira no quarto dela? Será que ele é preto, daqueles antigões, ou branquinho e leve, com o fio comprido que a gente pode ir com ele, puxando, até no banheiro?
Eu me desfiz do fixo quando cem por cento das ligações eram pra vender alguma coisa. O último telefonema que recebi nele foi vendendo vagas num cemitério. Aí achei que era demais…
Juro que qualquer hora ligo pra minha irmã. Quero ver se o sonido é o mesmo, ou diferente, mais puro como o do vinil.
Será que ela vai estar em casa para atender? Vou dar uma de gente velha e perguntar: alô! De onde fala? quem é que está falando?
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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