Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Patifaria Lima

Curioso: quem alardeia preocupação com o risco fiscal quase nunca se refere ao componente financeiro do déficit

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Prédios da Faria Lima, coração do mercado financeiro de São Paulo - ADVTP / Shutterstock.com
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A economia brasileira continua­rá a crescer? Os economistas dedicados a fazer projeções regularmente não estão muito otimistas. Entraram o ano prevendo um aumento do PIB de apenas 1,6 % em 2024 e de 2% em 2025. Resultados medíocres, se as previsões se confirmarem. Felizmente, podemos dizer que essas projeções não têm grande valia – como vimos em 2022 e 2023, quando as taxas de expansão econômica previstas no início do ano foram largamente superadas pelos resultados observados. Nenhuma novidade. Os economistas sempre demonstraram uma crônica incapacidade de antecipar minimamente o futuro.

Cabe reconhecer, no entanto, que o pessimismo atual dos economistas não é de todo descabido. Uma acentuada desaceleração da economia brasileira está em curso desde o terceiro trimestre de 2023. O crescimento do ano passado dependeu muito do setor primário-exportador e do consumo das famílias. A indústria de transformação estagnou e a formação bruta de capital fixo caiu. A taxa agregada de investimento, que era baixa, diminuiu mais, ficando abaixo de 17%.

O que explica essa performance sofrível? Uma razão, bem conhecida nossa, é a política de juros altos do Banco Central. A autoridade monetária parece ter uma aversão instintiva e profundamente arraigada a tudo que possa parecer crescimento econômico. Ao menor sinal de reativação da economia, acendem-se sinais de preocupação no BC, que logo passa a remar em direção contrária. E tem praticado, como se sabe, as maiores taxas de juro reais do planeta. Quando não são as maiores, estão sempre entre as maiores. Houve, é verdade, certa diminuição dos juros básicos desde meados de 2023, mas em ritmo lento, deixando as taxas reais nas alturas.

Embora sejam evidentes os malefícios dos juros estratosféricos, os juros brasileiros continuam na lua. São três os malefícios principais. Primeiro, o já referido impacto adverso sobre o crescimento econômico. Segundo, a política de juros altos concentra a renda, pois o que ela faz é transferir recursos para aqueles que detêm patrimônio financeiro, ou seja, para as minorias aquinhoadas. Eis um argumento que deveria sensibilizar os corações e mentes num país como o nosso, que apresenta, desde sempre, uma das piores distribuições de renda do planeta. Deveria, mas não faz nem cócegas nos círculos ilustres da Patifaria Lima. Ali, a preocupação principal, quase exclusiva, repetida ad nauseam, é com o risco fiscal e o desequilíbrio das contas públicas.

Com isso, chegamos ao terceiro grande malefício dos juros altos e, ao mesmo tempo, a uma notável contradição no discurso da turma (ou turba) da bufunfa. O que é o risco fiscal? Basicamente, o fato de o déficit público gerar uma expansão da dívida que pode revelar-se insustentável. Recomenda-se, portanto, zerar o déficit primário das contas do governo, em linha com o que promete o arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad.

O curioso é que aqueles que alardeiam suas preocupações com o risco fiscal, raramente, quase nunca, se referem ao componente financeiro do déficit público. É uma omissão sintomática, que reflete os interesses da Patifaria Lima. O déficit público reflete menos o déficit primário do que a despesa líquida de juros do governo. Esta, por sua vez, decorre da política monetária. Em 2023, estima-se que o déficit total tenha representado em torno de 8,3% do PIB, correspondendo a um déficit primário de 1,5% e a uma despesa líquida de juros mais de quatro vezes maior, de 6,8% do PIB.

A carga de juros da dívida pública depende diretamente das taxas de juro básicas fixadas pelo BC. Para ser considerado monetariamente responsável pela Patifaria Lima, o BC precisa manter juros altos. Pouco importa se essa suposta responsabilidade monetária conflita com as declaradas preocupações com a responsabilidade fiscal.

Em resumo, baixar os juros favoreceria o crescimento e, de quebra, afetaria favoravelmente a distribuição da renda nacional e as contas públicas. Resta saber se juros menores seriam suficientes para garantir a manutenção de um crescimento razoável da economia nos próximos dois anos. Talvez não. A experiência sugere que a política fiscal joga um papel tão ou mais importante que a monetária.

Aqui entram o arcabouço fiscal e as suas metas ambiciosas de déficit primário zero em 2024 e superávit em 2025. Metas fixadas, recorde-se, para tranquilizar a Patifaria Lima e aplacar as suas desconfianças em relação ao governo Lula. Nessa situação estamos. Precisamos de uma política fiscal flexível para reverter a estagnação, mas as metas vigentes correm o risco de levar a uma política fiscal contracionista, exatamente o contrário do que se necessita.

Ave Patifaria Lima, morituri te ­salutant – os que estão prestes a morrer te saúdam. •

Publicado na edição n° 1293 de CartaCapital, em 17 de janeiro de 2024.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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