Entrevistas
Ativa, altiva e ecológica
O compromisso ambiental marca a diplomacia do terceiro mandato de Lula, diz o ex-chanceler Celso Amorim


Livre das demandas burocráticas de um cargo executivo, o ex-chanceler Celso Amorim desempenha, no terceiro mandato de Lula, um papel ainda mais estratégico. O posto de assessor especial para Assuntos Internacionais lhe confere desenvoltura e liberdade particulares no picadeiro da geopolítica, dosadas pela longa experiência diplomática e independência de pensamento. Salvo em raros momentos, Amorim esteve ao lado do presidente nos principais eventos que marcaram o reencontro do Brasil com a comunidade internacional. E é um dos artífices da nova vertente da política externa “ativa e altiva”, a dimensão ambiental. “O País se reposicionou totalmente em matéria de clima e só isso é fundamental”, afirma. Neste balanço do primeiro ano de governo, Amorim não escapou de nenhuma pergunta, o que proporciona ao entrevistador – e ao leitor – um panorama de um mundo hostil e desafiador. Venezuela, Guiana, Javier Milei, guerra na Ucrânia, a reação desproporcional de Israel em Gaza, inteligência artificial, o avanço da extrema-direita, nada escapa à análise do diplomata. O planeta precisa de “mais tolerância, mais noção de equilíbrio”, conclui. A íntegra da entrevista pode ser assistida no canal do YouTube de CartaCapital.
CartaCapital: O senhor participou, como observador, de uma recente reunião entre os presidentes da Venezuela e da Guiana. Qual a sua impressão sobre os desdobramentos da disputa? Continua a existir o risco de um conflito bélico?
Celso Amorim: Não posso dizer que risco não exista, essas situações são complexas, mas saí da reunião otimista diante das possibilidades que pareciam não existir no sentido de se encontrar algum caminho para o diálogo. Mesmo antes do encontro, achava que, se fosse marcada uma nova reunião, já seria uma vitória, pois apontaria a continuação do diálogo. Saiu algo melhor, no fim das contas. Não só haverá outra rodada de conversas, aqui no Brasil, se nada de excepcional ocorrer até lá, como as partes aceitaram princípios básicos, entre eles o princípio da América Latina e Caribe como uma zona de paz e cooperação e, implícito nesse ponto, a renúncia ao uso da força. Foi positivo.
“A questão climática deixou de ser ônus e passou a ser bônus da política externa brasileira”
CC: Onde exatamente o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, pretende chegar com essa reivindicação?
CA: Esta é uma reivindicação antiga da Venezuela, não foi inventada pelo Maduro, é preciso dizer. Eu era um jovem diplomata do Brasil na missão junto à Organização dos Estados Americanos e me lembro da resistência de países latino-americanos de permitir a entrada na OEA de ex-colônias britânicas. No caso da Venezuela, a oposição tinha a ver com a pendência a respeito do domínio de Essequibo. Então, não é uma novidade. O ressurgimento dessa disputa deu-se em um contexto muito específico, eleitoral. Embora os venezuelanos digam que não, de alguma maneira o assunto serve para mudar o foco da opinião pública para outro lado. E Nicolás Maduro conseguiu. Em situações assim, o melhor que se pode ganhar é tempo. E, ao se ganhar tempo, talvez se consolide a ideia de um diálogo, de preferência sempre com respeito aos tratados internacionais.
CC: O Brasil sempre se esforçou para incluir a Venezuela no âmbito regional, independentemente de simpatias ou antipatias pontuais. A Venezuela nunca foi, porém, um parceiro fácil. Dá para confiar no Maduro?
CA: Se achasse que não dava para integrar, para confiar, não participaria das conversas. É um parceiro fácil ou difícil?, você pergunta. Bem, é preciso lidar com os parceiros que existem. Não será fácil, mas acho possível conduzir o governo Maduro pelos princípios acordados na reunião, até porque, acho, a Venezuela não quer ficar isolada na região. Ela já tem muitas dificuldades, mesmo com governos de esquerda. Você se lembra da declaração do presidente do Chile, Gabriel Boric, em uma reunião aqui no Brasil, sem falar das administrações mais conservadoras, como a do Uruguai, e outras. É do interesse venezuelano, me parece, encontrar uma solução aceitável de acordo com os princípios que regem as relações internacionais na região e compatível com o interesse de todos, sobretudo em favor da paz.
“Não assinaremos um acordo de livre comércio só para obter um selo de qualidade” – Imagem: Renato Luiz Ferreira
CC: Como o senhor recebeu as primeiras medidas do presidente Javier Milei na Argentina? Algo põe em risco a relação com o Brasil e o Mercosul?
CA: Não vou comentar detalhes da política interna de outra nação. Todos sabem que temos diferenças de perspectiva na maneira de encarar as questões sociais, entre outras, mas não me cabe comentar. O que cabe, não a mim, mas ao Brasil, à diplomacia do País, sou um mero assessor, é manter as boas relações com um vizinho importante, parceiro estratégico. Fala-se muito em comércio, no setor automotriz, é importantíssimo, claro, mas temos acordos nucleares com os argentinos, que dependem da confiança mútua. O nosso acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica é por meio do convênio com a Argentina. Aliás, algo exemplar, observado com atenção em várias partes do planeta, que vem de tempos atrás. Além disso, temos até programa conjunto de reator nuclear. Nossa relação é muito profunda, não dá para brincar. Outra coisa é a amizade, a relação pessoal, que sempre ajuda. Sobre esse ponto, não sei como ficará.
CC: O acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul está morto?
CA: É preciso recuar um pouco no tempo para entender as condições nas quais esse acordo foi inicialmente pensado. É difícil, sobretudo para os negociadores europeus, compreender que a situação do mundo mudou. Quando se começou a falar nesse assunto, e estou ligado a esse tema pessoalmente, pois o primeiro contato, o protocolo inicial, foi feito durante o governo Itamar Franco, as demandas eram diferentes. Naquele tempo, o grande desafio era o Acordo de Livre-Comércio das Américas, Alca, e o Brasil precisava de uma alternativa para contrabalançar. Não existiam os BRICS, a nossa corrente de comércio com a China era de apenas 1 bilhão de dólares. Toda essa conjuntura mudou de maneira dramática. Naquela época, também não havia a preocupação com o clima como hoje, mas o Brasil tomou medidas em relação a esse tema. Os europeus, portanto, não podem ver essa questão de maneira unilateral. Temos, claro, de cumprir o Acordo de Paris ou o que vier a ser negociado no futuro, temos, inclusive, a intenção de aprofundar os compromissos tanto dos países ricos quanto daqueles possuidores de florestas, cada um fazendo a sua parte, mas isso tem de ser julgado com as regras do próprio Mercosul. Não é a União Europeia, unilateralmente, que vai dizer se cumprimos ou não e usar o tema ambiental como razão ou pretexto para medidas protecionistas. É preciso, aliás, um trabalho de aggiornamento do acordo para as condições atuais, um mundo onde não existe Alca, existem os BRICS, e as relações precisam levar em conta questões climáticas, de trabalho e sociais. E fazê-lo não de maneira impositiva, unilateral, mas acordada. Evoluímos nas negociações durante este ano, é preciso reconhecer, talvez não o suficiente.
Maduro não parece disposto a se isolar. E as relações com a Argentina vão além das diferenças ideológicas com Milei – Imagem: Emiliano Lasalvia/AFP e Marcelo Garcia/Presidência da Venezuela
CC: Há um mito de que é preciso fechar acordos, quaisquer acordos, mesmo se ruins, não?
CA: Aproveitar oportunidades para melhorar as exportações, olhando o futuro, se vamos vender baterias de lítio no lugar do lítio puro, ou carros elétricos, quem sabe, é sempre muito positivo. Agora, se o acordo serve apenas para dar um selo de qualidade, como se dizia no passado, não acho que valha a pena. No setor de interesse mais imediato do País, o agronegócio, ou da agricultura em geral, estar sujeito a medidas unilaterais não é boa opção. Outra coisa que talvez não tenha sido pensada de maneira suficiente: o impacto dos acordos nos diversos setores da sociedade. Os tratados de livre-comércio não são feitos só para os empresários. Afetam o pequeno agricultor, o consumidor, o desenvolvimento tecnológico, público e privado. Essas dimensões precisam ser levadas em conta. Por isso nossa ênfase em proteger o mercado de compras governamentais. Houve avanços nas negociações, repito, mas talvez não o suficiente.
CC: Neste ano que marcou a reentrada do Brasil no palco da diplomacia, o senhor conseguiria destacar um ponto alto?
CA: É difícil destacar um único ponto. O País se reposicionou totalmente em matéria de clima, e só isso é fundamental. Ela deixou de ser um ônus e passou a ser um bônus, um trunfo da diplomacia brasileira. Cito também a retomada do esforço de integração da América do Sul. Não é fácil. Quando as estruturas são destruídas, não se encontra mais o que havia antes, encontra-se uma coisa pior, cheia de desconfianças. Mas está em processo. A Colômbia anunciou a intenção de ingressar na Unasul, daqui a algum tempo haverá uma nova reunião dos líderes da região, no Chile.
Quando se pensa na morte de crianças, “é a maior guerra de todos os tempos”, afirma sobre a operação militar de Israel em Gaza
CC: Mas a realidade é outra.
CA: Obviamente, esse retorno brasileiro não é igual ao período dos dois mandatos anteriores do presidente Lula. Cito dois exemplos: a expansão dos BRICS não foi iniciativa nossa, mas participamos da decisão e ela tem um peso enorme na geopolítica. Um dos grandes avanços no campo global dos dois governos anteriores do presidente Lula foi ampliar o G-7 para G-20. Era G-8, em tese, mas, como dizia o então presidente Dmitri Medved, a Rússia só estava no grupo por ter bomba atômica. Barack Obama chegou a dizer que o G-20 era o principal fórum para os assuntos econômicos e financeiros, mas, ultimamente, houve uma regressão, estávamos voltando para o G-7. É preciso uma estrutura previsível, com continuidade, que discuta os grandes temas econômicos e políticos. Hoje em dia, aliás, eles se misturam. Clima é um tema econômico ou político? Em boa medida, a ênfase no G-20 é importante para vários líderes mundiais. Há a preocupação de que se formem dois grupos, o G-7 de um lado e os BRICS do outro. Os BRICS têm, provavelmente, um poder maior, não tanto em termos de tecnologia avançada, mas um peso econômico e populacional superior. E o fato de o Brasil presidir neste momento o G-20 nos coloca em uma posição bem positiva.
CC: O senhor recentemente declarou que o Brasil gostaria da participação do presidente russo, Vladimir Putin, na próxima reunião do G-20. Foi uma mera manifestação de desejo ou o Itamaraty trabalha para viabilizar a visita?
CA: É uma posição normal. A Rússia integra o G-20 e os tratados internacionais preveem que os chefes de Estado estão imunes. Houve autoridades acusadas de coisas piores que participaram de cúpulas desse tipo. Não falamos aqui de um pequeno país. Tentar isolar a Rússia me remete a uma frase do jornal Times, de Londres: se há nevoeiro no Canal da Mancha, o continente fica isolado. Não tem como isolar, a Rússia é o país com o maior número de fronteiras no mundo. Não se trata de juízo de valor. Não vou citar nomes, mas pense em todas as nações do G-20, por que só o Putin? Aplica-se neste caso a frase bíblica: atire a primeira pedra…
O mundo precisa de fóruns multilaterais que promovam a tolerância – Imagem: Loey Felipe/ONU
CC: Em uma entrevista anterior, poucos meses atrás, o senhor me disse não haver, àquela altura, espaço para um armistício entre a Rússia e a Ucrânia. Houve alguma mudança no cenário desde então?
CA: Há uma impressão mais generalizada de que não haverá vencedor. De alguma maneira, essa percepção condiciona o tipo de negociação pela frente. O presidente Volodymyr Zelensky, tempos atrás, apresentou – e não o critico, pode ter feito de boa-fé –, um plano de paz que se tornou irrealista, pois pressupunha a vitória da Ucrânia. O mais provável, e há uma percepção crescente a respeito, de que isso não vai acontecer. Em vez de propor, sugerir muitas coisas agora, que também não serão aceitas, infelizmente, a guerra só vai… talvez algum plano possa acelerar um pouco o processo… só vamos ter paz quando houver um cansaço no terreno, quando se chegar à conclusão de que existe na batalha um impasse insuperável. A Rússia tem profundidade estratégica que a Ucrânia não tem e esse fator tem se revelado importante. Por outro lado, os aliados de Kiev não vão abandoná-la totalmente, pois seria uma desmoralização total do Ocidente. Então, esse impasse poderia levar a um armistício. Quais serão os termos? Não sei, é cedo para dizer.
CC: E quanto à reação desproporcional de Israel na Faixa de Gaza? O senhor imagina que Benjamin Netanyahu atenderá aos apelos dos Estados Unidos de reduzir a operação militar até o fim do ano ou teremos uma ocupação longa?
CA: Em algum momento vai acabar. O problema é quando. O número de crianças palestinas mortas supera o de todos os conflitos anteriores. Em batalha nunca morreram tantas. É a maior guerra vista no planeta em todos os tempos a envolver a morte de crianças. Quando acabar, a única solução possível é a existência de dois Estados. O que tem acontecido neste momento? A reação desproporcional de Israel, acompanhada de uma retórica igualmente desproporcional, só aumenta o prestígio do Hamas. A ação do Hamas foi terrorista, tem de ser condenada, é preciso encontrar formas de se evitar que ela se repita no futuro, mas a resposta israelense certamente não é a boa, não só pelos prejuízos imediatos, mortes e terror, pois essa mortandade de crianças também é uma forma de terror. As pesquisas mostram que o número de seguidores do Hamas na Cisjordânia tem aumentado. A melhor maneira de combater o Hamas, se é necessário fazer esse combate, é fortalecer a Autoridade Palestina. Não no papel, mas de modo efetivo.
“Tive medo de guerra nuclear lá no início (da carreira diplomática) e voltei a ter agora”
CC: Insisto: o senhor apostaria em um recuo de Israel até o fim do ano, por pressão dos aliados, ou em uma ocupação longa da Faixa de Gaza?
CA: Não faço apostas, não sou bom jogador. Só aposto na paz. Não vi ainda nenhuma brecha, a não ser um crescente sentimento entre os aliados de Israel de que se foi um pouco longe demais.
CC: O governo brasileiro foi criticado por supostamente não ter reagido à altura às provocações do embaixador de Israel, que, entre outras, se imiscuiu em assuntos de política interna. Faltou firmeza?
CA: As ações diplomáticas têm de levar em conta muitos fatores. O comportamento do embaixador de Israel, sobretudo, digamos, a ação política dele, no Congresso, com partidos, é inaceitável. Isso foi dito a ele. Mas estamos no meio de um processo e havia, como há, brasileiros retidos em Gaza. Para retirá-los, é preciso uma constelação de boas vontades. Do Hamas, do governo egípcio e de Israel, entre outros. Temos de colocar a vida dos brasileiros acima de outras considerações.
CC: O senhor ressaltou o reposicionamento da diplomacia brasileira na questão climática. A adesão à Opep+ não ofusca esse esforço?
CA: O presidente Lula já falou a respeito e o ministro de Minas e Energia também, portanto não tenho muito a acrescentar. A decisão não está relacionada com o aumento ou com a manutenção dos níveis de produção de combustíveis fósseis.
Tanto na Ucrânia quanto na ofensiva militar de Israel em Gaza, ainda não há espaço para negociação – Imagem: Arquivo/AFP e Mohammed Abed/AFP
CC: Uma parcela dos brasileiros, mostram pesquisas diversas, reclama da dedicação preferencial do presidente Lula aos assuntos internacionais. Haveria, por consequência, um abandono da agenda interna. Como o senhor responde?
CA: Acompanhei o presidente Lula em quase todas as viagens internacionais e em todas ele defendeu o interesse brasileiro de maneira concreta. Não é uma questão abstrata, de defender posições, como a paz, o que também é importante, mas de buscar, por exemplo, uma solução para o acordo de livre-comércio com a União Europeia. E o pouco que se avançou nesse quesito se deve à ação do presidente Lula, à maneira clara e firme de expressar posições. A presença nos fóruns globais é importante para a atração de investimentos, para aumentar a confiança na economia brasileira. Quando um país trabalha pela paz, isso aumenta a confiança nessa nação de modo geral, amplo, não limitada à parte política. Quando o presidente Lula vai, por exemplo, a uma reunião em Paris sobre investimentos, ele não só trata de assuntos de interesse interno como também encontra possíveis investidores no País, gente que toma decisões. Essa aparente incompatibilidade não existe. Não é necessariamente ficando sentado na cadeira do Palácio do Planalto que ele vai resolver os problemas.
CC: O senhor concorda que há uma nova onda de extrema-direita a ameaçar as democracias? O que fazer? No início do mandato, o presidente Lula havia sugerido a criação de uma frente mundial para combater o extremismo…
CA: Concordo. Mas vejo também uma consciência crescente desse perigo e uma tendência de os países buscarem alianças, não no estilo Cruzada, não com o intuito de mudar regimes, mas para melhorar a percepção das populações sobre fake news, Inteligência Artificial, uma questão que ainda não dominamos no Brasil. Há pouca atenção no País dada à IA. Fico preocupado com a possibilidade de, daqui a pouco, inventarem regras equivalentes ao tratado de não proliferação de armas atômicas no passado. Quem é bonzinho e confiável pode usar IA, quem é subdesenvolvido ou “inconfiável” não pode. Conversar com outros líderes é a melhor maneira de avançar. É um problema civilizacional. Tenho 81 anos e não me lembro, apesar das várias ditaduras, de movimentos extremistas com esse tipo de raiz popular, que mexe com o subconsciente dos indivíduos. É complexo, vai além dos partidos políticos, dos governos. É baseado em uma distopia, para usar uma palavra da moda, um mundo no qual o indivíduo pode tudo, em que a solidariedade é um mal. Como mudar? É uma batalha diária pelas consciências.
CC: Nesta longa carreira dedicada à diplomacia, o senhor se lembra de uma conjuntura tão complexa quanto a atual?
CA: São 60 anos ligados à diplomacia. Tive medo de guerra nuclear lá no início da carreira e voltei a ter agora. Ao mesmo tempo, outras batalhas, não atômicas, podem ser igualmente cruéis, basta ver o que ocorre na Faixa de Gaza. O Brasil é um país de paz e tem de continuar a lutar pela paz. É o que fazemos na nossa região e, se pudermos ajudar, é o que faremos no mundo. Talvez seja necessário que alguns líderes tenham certeza de que as coisas vão caminhar bem, para dar energia a esse processo. Vivemos uma fase difícil. O mundo precisa de mais tolerância, mais noção de equilíbrio, em vez da tentativa de converter os outros aos nossos valores. Sob esse aspecto, Henry Kissinger faz falta. Sou muito crítico do que ele fez no Chile e em outros países, mas é preciso reconhecer sua atuação em matéria de equilíbrio entre a China e os Estados Unidos. Quando vejo o Xi Jinping se reunir com o Joe Biden, fico contente e ao mesmo tempo apreensivo. Temo que se repita o que aconteceu nos anos 1960. Segundo o velho embaixador Araújo Castro, tratou-se, naquele momento, do congelamento do poder mundial, a formação de uma espécie de condomínio entre a União Soviética e os EUA. Queremos entrar nesse meio, criar brechas. Os BRICS são uma das maneiras, assim como os acordos no Ocidente. Nada impede que o Mercosul chegue a bom termo com a União Europeia no futuro.
• Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.
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