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Investigação/ Entre lobos e cordeiros

Gravação indica participação de André Janones em suposto esquema de “rachadinha”

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Investigação/ Entre lobos e cordeiros
O deputado pede a divulgação do áudio na íntegra, “sem edições manipuladas” – Imagem: Rafaella Ribeiro/CMBH
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Um áudio atribuído ao deputado federal André Janones, do Avante, levanta a suspeita de envolvimento do parlamentar em um esquema de “rachadinha”, apropriação indevida de parte da remuneração dos servidores de seu gabinete. Na gravação revelada pelo portal Metrópoles, Janones menciona que alguns dos interlocutores “vão receber um pouco de salário a mais” para ajudá-lo a pagar dívidas acumuladas na campanha para prefeito de Ituiutaba, no interior de Minas Gerais, em 2016, na qual ele terminou em segundo lugar. “Eu perdi uma casa de 380 mil reais, um carro, uma poupança de 200 mil e uma previdência (privada) de R$ 70 mil. Acho justo que essas pessoas também participem comigo da reconstrução disso.”

A reunião teria sido gravada pelo seu ex-assessor Cefas Luiz em fevereiro de 2019, logo após o deputado assumir o seu primeiro mandato legislativo. Desde o ano passado, antigos servidores acusam Janones de prática de rachadinha, mas até então não haviam apresentado provas de que o parlamentar tinha solicitado repasses indevidos. Provocado pela Procuradoria-Geral da República, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, determinou a abertura de um inquérito à Polícia Federal.

De acordo com Paulo Capelli, colunista do Metrópoles, agentes da Abin também teriam se encontrado com um dos denunciantes em setembro do ano passado, pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais. À época, a agência estava sob o comando do delegado Alexandre Ramagem, homem de confiança do clã Bolsonaro, e Janones prestava um auxílio informal à campanha de ­Lula nas redes sociais.

Janones nega a prática de rachadinha e diz ter solicitado que o conteúdo gravado seja divulgado na íntegra, “sem edições manipuladas” e divulgadas “quase simultaneamente” por lideranças bolsonaristas. “É a segunda vez que trazem esse assunto para tentar me ligar a crimes. Em 2022, já fizeram isso durante a campanha, também com áudios fora de contexto. Essas denúncias vazias nunca se tornaram uma ação penal ou qualquer processo, por não haver materialidade”, disse. “No mais, repito, eu nunca recebi um único real de assessor, não comprei mansões, nem enriqueci, e isso por uma simples
razão: eu nunca fiz rachadinha.”

Incompetência é crime?

Ex-governadora do Rio de Janeiro e ex-prefeita de Campos dos Goytacazes, Rosinha Garotinho foi alvo de uma batida da Polícia Federal na terça-feira 28. A Operação Rebote investiga um rombo de 383 milhões de reais na PreviCampos, instituto de previdência dos servidores do município do norte-fluminense. Segundo a investigação, o prejuízoé decorrente de investimentos de alto risco com baixo retorno realizados em 2016. A decisão que autorizou os mandados de busca e apreensão menciona que a então prefeita era responsável por nomear gestores da PreviCampos, “todos aparentemente sem qualquer conhecimento sobre investimento para exercício das funções”. Em uma live, o ex-governador Anthony Garotinho, marido de Rosinha, rebateu as acusações: “Não existe esse crime de indicar incompetente. E aqui nem é esse o caso, é ‘aparentemente’ incompetente”. Rosinha emendou: “É mais uma perseguição contra nossa família”.

Memória/ Henry Kissinger, o “controverso”

Morre aos 100 anos o diplomata onipresente na Guerra Fria

Os crimes de Kissinger foram esquecidos – Imagem: Brendan Smialowski/AFP

O termo “controverso” é uma muleta do jornalismo. Em geral, é usado quando falta repertório ao autor do texto ou quando se quer esconder a real natureza do personagem em questão. Canalhas e bandidos amigos ou da mesma matriz ideológica normalmente são descritos como “controversos”. É o caso de Henry Kissinger. Figura inseparável da política externa dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, o alemão de origem, denunciado pelo persistente sotaque, serviu sobretudo aos governos republicanos, mas era admirado pelos adversários democratas – de resto, não há grandes diferenças entre os dois partidos no exercício do poder imperial norte-americano e os democratas costumam ser mais beligerantes do que os opositores. Durante sua passagem como secretário de Estado de Richard Nixon, deu-se o golpe no Chile, com participação decisiva da espionagem dos EUA. Kissinger cultivava seus ditadores de estimação na América Latina, mas as tentativas de levá-lo aos tribunais nunca prosperaram. Ao contrário, teve uma vida coberta de louros. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1973, ao lado do vietnamita Le Duc Tho, por conta do acordo que pôs fim à guerra. Será lembrado ainda pela aproximação de Washington e Pequim, manobra para retirar a China da zona de influência da União Soviética. Ironicamente, um lance de xadrez que desaguaria na nova “Guerra Fria” entre seu país de adoção e os “comunistas” chineses. Elevado ao patamar de celebridade internacional, Kissinger dedicou as últimas décadas a escrever livros, vários best sellers, e aconselhar informalmente inúmeros presidentes dos EUA. Aos 100 anos, de cadeira de rodas, continuava a palestrar mundo afora. As causas de sua morte, na quarta-feira 29, não haviam sido divulgadas até o fechamento desta edição.

Doutores da quebrada

O Conselho Universitário da Unicamp aprovou, na terça-feira 28, a outorga do título de Doutor Honoris Causa para os Racionais MC’s. Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, integrantes do grupo de rap, foram reconhecidos como intelectuais que dialogam com o pensamento social brasileiro. “Eles confrontam o racismo e as violências sociais que nos constituem enquanto sociedade, incitando a atitudes antirracistas e solidárias de negros e não negros, periféricos e não periféricos, visando a mudanças sociais profundas”, resumiu Mário Medeiros, professor do Departamento de Sociologia da Unicamp e presidente da comissão de especialistas que avalizou a concessão da honraria.

Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 6 de dezembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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