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Ligações perigosas

Ao explorar a atração de uma mulher de 50 anos por um garoto, Catherine Breillat insere-se no movimento que busca uma nova representação do desejo feminino

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Léa Drucker, Dominique Rabourdin e o jovem Samunel Kircher (ao fundo) são os protagonistas de Culpa e Desejo – Imagem: Synapse/Pyramide
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À época do lançamento de Romance (1999), que causou polêmica pelas cenas de sexo explícito, a diretora francesa Catherine Breillat afirmou: “Não existe uma psicologia masculina no meu cinema. Há tão somente o ressentimento. E o desejo das mulheres”.

Depois de ter sofrido um AVC e ficado dez anos sem filmar, Catherine retornou este ano à competição do Festival de Cannes com um filme no qual revisita o tema-chave de sua longa cinematografia: o desejo feminino.

O título brasileiro do longa-metragem enfatiza, inclusive, esse mote: Culpa e Desejo. O título original, L’Été Dernier (O Último Verão), soou, provavelmente, pouco vendável para os distribuidores.

A escolha da palavra culpa retoma também a publicidade que embalou a produção durante sua disputa pela Palma de Ouro de Cannes. Mas, embora tenha sido vendido como “perturbador”, o filme, no fim, não despertou a polêmica esperada – até porque é comum na trajetória da diretora.

Culpa e Desejo conseguiu, no máximo, dividir a crítica. Alguns definiram o longa-metragem como um drama burguês banal. Outros consideraram potente o retrato do caso entre Anna (Léa Drucker), uma advogada especializada em casos de violência sexual contra menores, e seu enteado, Théo (Samuel Kircher), de 17 anos.

Boa parte da trama se passa em uma residência verde e ampla, na qual Anna vive com o marido, o empresário sempre meio ausente Pierre (Dominique ­Rabourdin), e duas pequenas filhas asiáticas, adotadas.

As roupas impecáveis e a taça de vinho sempre à mão emprestam a Anna uma aura de poder e, ao mesmo tempo, deixam-na como se estivesse sempre um pouco à beira do abismo.

O roteiro não demora a deixar claro que o elemento desestabilizador será Théo, que, após passar por problemas com a polícia, vai morar com o pai com quem mal se relacionou ao longo da infância. O garoto tem uma beleza que remete à de Tadzio, de Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti.

Embora seja conduzido de forma clássica – e sem o ímpeto de um Claude Chabrol, para ficar em um conterrâneo da cineasta –, o filme traz dois elementos que o inserem na contemporaneidade cinematográfica: a presença do desejo nos corpos femininos entrados nos 50 anos e a criação de pares românticos formados por mulheres mais velhas com homens mais jovens.

Léa Drucker, absolutamente brilhante no papel, junta-se a Emma ­Thompson que, aos 62, contracena com Daryl McCormack, de 29, em Boa Sorte, Leo Grande, e a Dakota Johnson, que, em Cha Cha Real Smooth, vive uma divorciada de 30 e poucos anos atraída por um jovem saído da faculdade. •

Publicado na edição n° 1287 de CartaCapital, em 29 de novembro de 2023.

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