CartaCapital
Guerra/ Faltava “boa vontade”
Após um mês de recusas de Israel, Lula consegue repatriar 32 brasileiros que estavam retidos na Faixa de Gaza


“Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra, que as mulheres não estão em guerra”, discursou Lula na segunda-feira 13, ao recepcionar, na Base Aérea de Brasília, 32 brasileiros repatriados da Faixa de Gaza. Eles só foram autorizados a entrar no Egito pela passagem de Rafah no dia anterior, após mais de um mês de insistentes apelos feitos pelo Itamaraty. Mais cedo, o presidente afirmou que a liberação “dependia da boa vontade de Israel”.
Aparentemente, essa “boa vontade” só ocorreu após o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, impor um novo constrangimento ao governo Lula. Depois de distorcer o conteúdo de uma resolução do PT que condenava tanto os ataques do Hamas quando os crimes de guerra cometidos pelas forças armadas israelenses, insinuando que o partido era conivente com o terrorismo, o diplomata reuniu-se na Câmara dos Deputados com parlamentares de extrema-direita e com Jair Bolsonaro. Ao término do encontro, o ex-presidente disse ter intercedido em favor da liberação dos brasileiros retidos em Gaza. Não tardou para as milícias digitais bolsonaristas atribuírem ao “Mito” o mérito pela repatriação.
Na avaliação do deputado federal Lindbergh Farias, do PT fluminense, o embaixador “cruzou a linha do aceitável” ao se reunir com Bolsonaro e seus asseclas. “Basta. Que o Itamaraty avalie e requisite sua expulsão do País”, sugeriu no X, antigo Twitter. O governo avalia, porém, que a remoção do diplomata no atual contexto causaria mais danos que benefícios. Seja como for, após conseguir repatriar os brasileiros que estavam em Gaza, Lula pode ser mais incisivo na denúncia do massacre promovido pelo Estado de Israel. Dos mais de 11 mil mortos em Gaza até a terça-feira 14, dois terços eram crianças, mulheres e idosos, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos. Outros 29,8 mil ficaram feridos nos incessantes bombardeios israelenses ao território.
O factoide da “dama do tráfico”
Lula saiu em defesa, na quarta-feira 15, do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Há dias, a mídia faz um enorme estardalhaço com a informação de que Luciane Barbosa Farias, esposa do traficante “Tio Patinhas”, apontado como líder do Comando Vermelho em Manaus, participou de reuniões na pasta para debater a situação do sistema carcerário, representando uma associação que presta auxílio familiares de presos. Houve, sem dúvida, um erro na verificação dos convidados, mas o episódio tem sido explorado pelas milícias bolsonaristas para semear a fake news de que Dino tem relações com o narcotráfico. Trata-se de “absurdos ataques artificialmente plantados”, reagiu o presidente, reiterando que seu ministro não chegou a se encontrar com a tal “dama do tráfico”.
Espanha/ Orgulho e fúria
A anistia aos separatistas catalães incendeia o país
A Espanha é um país politicamente rachado – Imagem: Pierre-Philippe Marcou/AFP
As eleições antecipadas produziram o efeito inverso do desejado: em vez de debelar a crise política espanhola, jogou mais lenha na fogueira. “Vencedor” nas urnas, o direitista PP não conseguiu formar maioria no Parlamento por conta da radioatividade do aliado VOX, legenda de ultradireita rechaçada pelos demais partidos. Inviabilizada a investidura do PP, coube aos socialistas do PSOE e ao primeiro-ministro Pedro Sánchez montar um novo gabinete, em uma aliança com o Sumar, mais à esquerda, e com as forças independentistas da Catalunha. Em troca do apoio no Parlamento, Sánchez aceitou uma das tantas reivindicações catalãs, a anistia aos líderes condenados por organizar um plebiscito de independência em 2017, entre eles Carles Puigdemont, exilado em Bruxelas. Desde o anúncio da anistia, protestos violentos têm reunido milhares de espanhóis contrários ao acordo nas ruas das principais cidades. O PP surfa na indignação popular e insufla as manifestações, na esperança de desestabilizar o novo mandato do PSOE antes do seu início efetivo. Geograficamente, a Espanha continua unida. Politicamente, é um país irremediavelmente rachado.
Recorde de feminicídios
O Brasil registrou 722 feminicídios entre janeiro e junho deste ano, alta de 2,6% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, responsável pelo levantamento, o número é o maior para o primeiro semestre desde o início da série histórica, em 2019. Os assassinatos de mulheres por questões de gênero cresceram por conta da explosão de casos no Sudeste. Foram 273 mortes nos seis primeiros meses do ano, alta de 16,2% na comparação com igual período de 2022.
Terrorismo/ Célula tabajara
Preso ligado ao Hezbollah é pagodeiro e viajou ao líbano duas vezes
A PF parece pisar em cascas de banana lançadas por Tel Aviv – Imagem: Polícia Federal
No domingo 12, a Polícia Federal prendeu no Rio de Janeiro um terceiro suspeito de integrar a “célula terrorista operada pelo Hezbollah no Brasil” e identificada pelo Mossad, o serviço secreto israelense, como propagandeou o gabinete do premier Benjamin Netanyahu. Trata-se do músico Michael Messias, de 43 anos, que visitou o Líbano duas vezes para, segundo ele, realizar “shows de pagode”.
Outro “terrorista” preso dias antes chorou às vésperas da audiência de custódia. O advogado José Roberto Timóteo, insiste que seu cliente é vítima de algum engano: “O Jean [Carlos de Souza] não é libanês, não tem parente libanês e nem fala o idioma. Ele nem sequer sabia o que era Hezbollah”.
Se parece pouco crível o interesse do grupo paramilitar em recrutar um pagodeiro e um mascate que não fala árabe, o que dizer das motivações para um atentado em solo brasileiro? “Não faz sentido. O Brasil tem boas relações tanto com o Líbano, que é a base deles, quanto com o Irã, acusado de financiá-lo”, observa Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC. “O Hezbollah tem milhares de soldados. Por que terceirizaria um ataque a uma célula tabajara?”
Portugal/ Lavajatismo além-mar
O estrago da denúncia fajuta do Ministério Público está feito
Teria Costa se precipitado? – Imagem: Gabinete do Primeiro Ministro/Governo de Portugal
Portugueses que se têm em alta conta, por serem europeus, habitantes do “Primeiro Mundo”, relutam em aceitar, mas a verdade é que, faz tempo, a Justiça do país apresenta laivos do lavajatismo brazuca. O mais recente escândalo político revela-se a cada dia um escândalo judiciário, das corporações que pretendem substituir a escolha dos eleitores. Em uma semana, resta pouco da denúncia do Ministério Público de favorecimento a uma empresa de data center e de negócios nas concessões de exploração de lítio e de hidrogênio verde que levaram à renúncia do primeiro-ministro, António Costa, do Partido Socialista. Os procuradores confundiram personagens, erraram datas, anexaram provas falhas. Por fim, na segunda-feira 13, o juiz de instrução do caso rejeitou as acusações de corrupção, além de afastar por princípio as insinuações contra Costa, e impôs medidas brandas de coação aos acusados. Dois deles tiveram o passaporte confiscado e terão de pagar caução para manter a liberdade. Não deixa de ser um avanço em relação aos processos contra o ex-premier José Sócrates, que há uma década enfrenta, sozinho, uma máquina de difamação incapaz de demonstrar os crimes a ele atribuídos. Sócrates, não custa lembrar, passou 11 meses na prisão sem ser condenado e, pior, sem conhecer o teor das acusações. Embora tardiamente, também neste caso, em breve, a verdade dos fatos será restabelecida. De qualquer forma, tanto no passado quanto agora, o estrago está feito. Novas eleições foram convocadas para 10 de março. Na primeira sondagem divulgada na segunda 13, pela CNN/TVI, o PS aparece com 26%, o PSD, tucanato lusitano, registra 25% e o Chega, o bolsonarismo local, alcança 17%, o dobro das intenções de voto na medição anterior.
E a Ucrânia?
Relegada a segundo plano após o início do conflito em Gaza, a guerra na Ucrânia continua a produzir estragos e impasses. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, não poderá, por exemplo, contar com a promessa de envio, pela União Europeia, de 1 milhão de munições, que não será cumprida. A informação foi dada por Boris Pistorius, ministro da Defesa da Alemanha, durante uma reunião em Bruxelas. Um dos entraves, explicou Josep Borrell, chanceler da UE, são os compromissos de exportação dos países produtores (40% da munição é vendida para fora do continente). Falta capacidade para acelerar a produção.
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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