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Quem semeia vento…
Na Cisjordânia ocupada, o apoio ao Hamas cresce em resposta à violência israelense


Depois da marcha pelo centro da cidade, os homens se dispersaram para as mesquitas, para suas casas, para as poucas barracas abertas que vendem suco ou café. Muitos estavam armados, embalavam seus rifles de assalto M16 e munições nos braços. Todos eram jovens, de cabelos curtos, camisetas pretas e bonés de beisebol, tênis ou botas de combate, e estavam prontos para lutar. Na véspera, muito tinham feito exatamente isso. Um ataque das forças israelenses a Jenin, cidade no extremo norte da Cisjordânia ocupada, levou a uma batalha longa e caótica. Quando terminou, havia 14 mortos e muitos mais feridos. Entre estes, ao menos dois não combatentes: uma paramédica de 31 anos gravemente ferida quando tentou resgatar um militante e um trabalhador da construção civil de 40 anos. As Forças de Defesa de Israel afirmaram ter detido líderes terroristas, destruído infraestruturas terroristas e apreendido um estoque de bombas artesanais.
Os corpos de muitas das vítimas dos combates foram conduzidos pela rua principal de Jenin na sexta-feira 10, envoltos em mortalhas com as cores do Hamas e da facção menor Jihad Islâmica, e erguidos em macas por jovens, muitos dos quais portavam armas. “Nós somos a resistência à ocupação. Em Gaza, na Cisjordânia, somos um e o mesmo”, disse um jovem combatente do Hamas, com um lenço xadrez puxado até os olhos.
Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, prometeu esmagar o grupo extremista islâmico para garantir que nunca se repitam os ataques de 7 de outubro contra Israel. Um porta-voz do exército israelense insistiu na sexta-feira 10 que o foco permanecia em Gaza, no território controlado pelo Hamas. Entretanto, a atenção agora se volta para a Cisjordânia, onde a violência aumentou drasticamente nas últimas semanas.
Desde o ataque do Hamas no mês passado, 176 palestinos foram mortos por soldados e colonos judeus na Cisjordânia, ocupada por Israel após a guerra de 1967. Três israelenses também foram mortos em ataques de palestinos, segundo estatísticas da ONU. Mais de 2,5 mil foram presos pelas forças de segurança israelenses, na maioria militantes do Hamas que planejavam ataques, integrantes ou simpatizantes, disseram autoridades israelenses. “Aqui na Cisjordânia há uma pequena intifada”, disse Hani al-Masri, analista em Ramallah, usando o termo para designar as revoltas em massa em Gaza e na Cisjordânia em 1987 e novamente em 2000. Os protestos, disse Masri, foram limitados tanto pela onda de detenções quanto pelo bloqueio efetivo de grande parte da Cisjordânia. As viagens, que sempre foram difíceis para os palestinos, agora são ainda mais raras, devido ao fechamento dos postos de controle desde 7 de outubro.
Há muitas dificuldades econômicas. Em Ramallah, sede da Autoridade Palestina, um comerciante de artigos de cozinha disse ter demitido funcionários e que poderá ser forçado a fechar completamente, se os palestinos locais não forem autorizados a entrar em Jerusalém em breve. Um educador do campo de refugiados de al-Am’ari, que não revelou seu nome por medo de ser preso, acrescenta: “A Cisjordânia está em ponto de ebulição. Há uma geração aqui sem chances, sem futuro, sem vida. A tensão está aumentando cada vez mais”.
A maioria dos observadores acredita que os acontecimentos das últimas semanas são o presságio de grandes mudanças. Mahmoud Abbas, o frágil presidente da Autoridade Palestina, de 87 anos, lidera uma administração desprezada por inúmeros compatriotas por sua incompetência, corrupção e compromissos. Muitos no Ocidente sugeriram que a autoridade poderia assumir o controle de Gaza, se os israelenses alcançassem seu objetivo de “esmagar” o Hamas. Altos funcionários da AP disseram que não voltarão a governar Gaza sem um acordo abrangente que inclua a Cisjordânia num Estado palestino soberano. Alguns diplomatas levantam a possibilidade de que uma renovada Organização para a Libertação da Palestina, fundada em 1964 e mais tarde reconhecida como única representante do povo palestino, possa assumir um papel importante.
“Há uma pequena intifada”, afirma o analista Hani al-Masri
Isso significa que a sucessão de Abbas é iminente. Muitos acreditam que o próximo líder será Hussein al-Sheikh, um colaborador próximo do presidente, mesmo que a escolha popular fosse Marwan Barghouti, de 62 anos, que cumpre cinco penas de prisão perpétua num presídio israelense e frequentemente é descrito pelos palestinos como o seu “Nelson Mandela”. Os defensores da AP salientam que ela deveria ser uma entidade provisória para criar as instituições para um Estado palestino que nunca existiu. Mas a maioria admite que o Hamas conquistou um apoio popular maciço, devido às muitas deficiências da AP.
Jenin está agora na mira das forças de segurança israelenses. Suas centenas de combatentes, apoiadas por outros que estão prontos para a mobilização, representam um importante desafio ao objetivo de Israel de destruir as capacidades militares e políticas da organização islâmica extremista. “Compreendemos que temos de lidar com toda a infraestrutura do Hamas, seja em Gaza, seja na Cisjordânia ou em qualquer outro lugar”, disse o professor Kobi Michael, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional em Tel-Aviv. “Também teremos de lidar com o elemento ideológico, mas não podemos fazer isso com bombas e tiroteios. Extirpar a ideologia é um processo que durará anos, mas não está ligado aos objetivos imediatos da guerra.”
Há quem saliente as ligações entre Gaza e a Cisjordânia. Os militantes do Hamas em Jenin descrevem aqueles no enclave costeiro como “irmãos” e esperam novos ataques como os de 7 de outubro. “A violência deve ser enfrentada com violência, em todos os lugares”, disse um deles. O custo humano é alto, inevitavelmente. Outra operação em Ramallah pelas forças israelenses na quinta-feira 9 levou à prisão de ao menos dois “suspeitos de terrorismo”, mas também a mais sofrimento civil.
Mohanad Jaad al-Haq, um motorista de 30 anos, estava apressado porque seu chefe não gosta que ele se atrase para o trabalho. Geralmente, o desjejum da manhã era um café e um cigarro. Naquela manhã, ele nem bebeu todo o café. Por volta das 6h30, saiu do apartamento onde mora com a mulher, a cunhada e os dez filhos e entrou na rua estreita do acampamento de al-Am’ari. Momentos depois, estava caído, ferido com uma bala no abdome. Sem que soubesse, o exército israelense tinha entrado no campo alguns minutos antes para prender um morador. Não se sabe quem atirou em Haq. Geralmente, os soldados fazem muito barulho e todos ficam dentro de casa, disse sua mulher, Alaa. Mas o marido estava com pressa. “Estou cheia de esperança em Deus de que ele esteja bem e seguro”, afirmou ela. “Recuso-me a pensar em qualquer outra coisa, mas estou com medo.” •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1286 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Quem semeia vento…’
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