Frente Ampla
Enem 2023: para o agro, preservar o planeta e a vida das pessoas é “ideologia”
O avanço desenfreado do agronegócio traz preocupações ambientais, sociais e éticas, mas a bancada alega que essas questões possuem um “cunho ideológico”


Três questões do Enem 2023 estão no centro de uma controvérsia recente, sendo alvo de críticas por parte da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A bancada alega que essas questões possuem um “cunho ideológico”, questionando seu caráter científico e relevância no exame. Depois de anos de um governo negacionista e anticiência, vimos aumento de cerca de 15% de inscritos no Enem em 2023. Neste primeiro fim de semana, as questões no consideradas “ideológicas” foram respondidas por quase 3 milhões de pessoas. No entanto, a indignação dos representantes do agro vai muito além do debate sobre as perguntas em si. Ela revela uma visão tecnicista e negacionista da educação e ciência e a defesa de um modelo de produção agropecuária que prioriza o lucro financeiro a qualquer custo.
O avanço desenfreado do agronegócio traz consigo sérias preocupações ambientais, sociais e éticas. Ao longo dos anos, ele tem gerado consequências prejudiciais para o meio ambiente, com a destruição de vastas áreas de vegetação nativa, superexploração dos recursos naturais e o uso intensivo de agrotóxicos. Essas práticas não só comprometem a biodiversidade como também ameaçam a saúde das comunidades locais, evidenciando um lado nada “pop” do agro. Além disso, o agronegócio frequentemente está envolvido em conflitos de terra e em atos violência contra aqueles que defendem a preservação ambiental e os direitos indígenas.
O debate proposto pelas questões do Enem mostra uma oportunidade para a juventude prestes a ingressar nas universidades sobre o tipo de sociedade que desejamos construir no Brasil. A educação e a ciência são ferramentas poderosas para moldar o futuro, e é essencial que não se limitem conhecimento técnico, mas que também desenvolvam a consciência global, a preocupação com o meio ambiente, a igualdade social e a valorização dos povos originários.
O Enem deve ser um instrumento em prol da educação e da ciência que não se deixe capturar pelos interesses capitalistas e extrativistas que movem o agro. Por isso mesmo, a crítica ao agronegócio presente nas questões do exame é muito mais do que a expressão de “cunho ideológico” por meio de perguntas “sem critério científico ou acadêmico”. É um alerta contra um sistema que prioriza o lucro às custas do nosso planeta e das futuras gerações, e a defesa de um modelo de educação que impeça os cidadãos e cidadãos de reconhecer e combater esta grave ameaça.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.