Educação

assine e leia

Regular sem engessar

A Academia Brasileira de Ciências apresenta propostas para o avanço da Inteligência Artificial no País

Regular sem engessar
Regular sem engessar
Inovação. A IA reuniu novamente os Beatles. Virgílio Almeida, da ABC, teme que o País fique para trás nas pesquisas – Imagem: Apple Corps Ltd/The Beatles e Léo Ramos Chaves/Fapesp
Apoie Siga-nos no

Quarenta e três anos após ter sido assassinado, John Lennon continua fazendo história. Em 2 de novembro, os Beatles lançaram a música Now and Then, composta e gravada em uma fita demo por Lennon no fim dos anos 1970. A canção foi lapidada por Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr e finalizada, agora, por Paul e Ringo. A façanha só foi possível graças à Inteligência Artificial, tecnologia usada para limpar o ruído presente no fundo da gravação original, um dos motivos pelos quais a composição ficou engavetada por mais de quatro décadas. Foi também com o suporte da IA que a banda produziu o videoclipe da música. A ferramenta conseguiu separar o som dos instrumentos utilizados na canção e as vozes dos músicos, mesclando imagens antigas da banda e atuais de Paul e Ringo. Em alguns momentos, Lennon e Harrison – falecidos em 1980 e 2001, respectivamente – aparecem lado a lado dos outros dois Beatles em um estúdio de gravação.

Para os fãs, ouvir uma música inédita dos Beatles mais de 50 anos depois do fim da banda é um privilégio. Para a sociedade e a comunidade científica, o feito suscita controvérsias, por envolver uma tecnologia cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, mas ainda utilizada sem nenhum tipo de controle. Preocupada com o impacto da IA no campo científico, a Academia Brasileira de Ciências lançou, na quinta-feira 9, o relatório Recomendações para o Avanço da Inteligência Artificial no Brasil, fruto de mais de seis meses de debates de um grupo de trabalho criado pela entidade. Os cientistas reivindicam mais investimentos para se apropriarem da ferramenta e estimular o conhecimento para o desenvolvimento do País.

A preocupação é de que o Brasil não fique atrás de outras nações que estão em estágio avançado de discussões sobre a regulação, produção e consumo dessa tecnologia, como os EUA e os países da União Europeia. “O Brasil, por sua dimensão territorial, pelo tamanho da população e sua importância, não pode perder a oportunidade de avançar no debate, porque a Inteligência Artificial é uma tecnologia de uso geral e é transversal a todos os segmentos da sociedade. O País não pode ser um mero consumidor de tecnologias desenvolvidas no exterior, deve apropriar-se desse conhecimento visando o desenvolvimento econômico e social”, defende Virgílio Almeida, diretor da ABC e coordenador do grupo de trabalho.

O relatório da entidade traz propostas que vão desde a defesa de uma regulação até incentivos para o desenvolvimento da IA, no sentido de impulsionar o crescimento do País e na fomentação da ciência. Destaca também a urgente necessidade de formar profissionais para atuar na aplicação da tecnologia, a partir de investimentos públicos e privados em pesquisas na área, fazendo com que essa mão de obra qualificada não migre para outros países onde a IA está mais avançada. Para isso, a entidade defende a criação uma rede colaborativa envolvendo a academia, o Poder Público e empresas privadas.

“O futuro da sociedade brasileira será moldado pelas escolhas que o governo e a própria sociedade fizerem em relação à IA. O senso de urgência em relação aos investimentos em IA e a formulação de políticas públicas emergem como prioridades cruciais em todo o mundo, abrangendo países desenvolvidos e em desenvolvimento”, diz um trecho do relatório da ABC. “Não existe país avançado sem tecnologia, sem universidades de excelência. Precisamos discutir formas para o Brasil investir no uso da Inteligência Artificial em outras áreas científicas”, ressalta Almeida.

A entidade preocupa-se com a segurança da ferramenta, mas também enxerga oportunidades

Patrícia Takako Endo, professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e integrante do Grupo de Pesquisa em Transformação Digital (dotLAB Brazil), afirma que a IA seria de grande valia para a melhora do funcionamento do Sistema Único de Saúde. “Através da análise de dados, a IA pode identificar áreas com mais carências de assistência médica e populações mais vulneráveis, permitindo a melhor alocação de recursos e a implementação de estratégias e políticas públicas direcionadas para atender às necessidades específicas de diferentes grupos”, observa.

No fim de outubro, o presidente americano Joe Biden assinou um decreto que regulamenta o emprego da IA nos EUA, cujo objetivo é criar padrões de segurança para o uso da tecnologia e garantir a privacidade e os direitos dos usuários. A iniciativa envolve vários órgãos governamentais, os quais terão o papel de fiscalizar a utilização indevida da IA e prevenir a operação discriminatória deste recurso.

Os países do G-7 também assinaram, no mês passado, um acordo com princípios que deverão ser seguidos pelas empresas de tecnologia. Ao todo, 11 pontos vão nortear os signatários na implantação de regras, tendo como base o desenvolvimento responsável da IA, em respeito à democracia, à diversidade, à justiça e à dignidade humana. O acordo servirá de referência para outro documento que está sendo formulado pela OCDE. A primeira cúpula internacional sobre IA, realizada no início de novembro, no Reino Unido, deu origem à “Declaração de ­Bletchley”, a alertar para “a necessidade urgente de compreender e administrar coletivamente os riscos potenciais” da tecnologia.

No Brasil, o debate legal sobre a Inteligência Artificial gira em torno do Projeto de Lei 2338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, do PSD mineiro. A proposta é o desdobramento de anteprojeto produzido por uma comissão de juristas e busca implantar a segurança jurídica a respeito do tema, sem implicar, no entanto, limitações para o desenvolvimento da tecnologia nas mais diversas áreas, seja no âmbito público, seja na esfera privada. Foi criada uma comissão temporária para analisar a matéria, mas o debate ainda é muito incipiente, está na fase de realização de audiências públicas.

Enquanto a regulação não sai, o submundo da internet lança mão da IA para cometer crimes e disseminar desinformação. Exemplo recente foi a publicação, no início de novembro, de falsos nudes de alunas do Colégio Santo Agostinho, no Rio de Janeiro. Com a ajuda da tecnologia, fotos das meninas foram modificadas, deixando-as despidas. As imagens circularam livremente nas redes sociais e os principais suspeitos são estudantes da mesma escola. A polícia do Rio está investigando o caso. •

Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo