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O Brasil está entre os países com maior porcentual de privatização do ensino superior

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Imagem: Paulo Pinto/ABR
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Educação escolar é fundamental para o entendimento do mundo e para a emancipação dos indivíduos, para viabilizar o crescimento econômico e o desenvolvimento social e cultural de um país, para o enfrentamento das desigualdades econômicas entre cidadãos e regiões e para a garantia da soberania nacional. Por essas e outras razões, a educação é basicamente, ou mesmo exclusivamente, pública na maioria dos países, e não uma mercadoria, cujo acesso depende do poder aquisitivo e da motivação. Mas no Brasil não é bem assim. Na média de todos os níveis educacionais, nosso país está no grupo formado pelos 20% com maiores taxas de privatização e, pior, com uma privatização quase totalmente comercial.

Quanto à educação superior, nossa situação é ainda mais extremada, colocando-nos entre os mais privatizados do mundo, como se vê no gráfico. No Brasil, de cada quatro matrículas, três são em instituições privadas. Esta situação está muito distante do que se observa até mesmo nos países de economia liberal. Nos Estados Unidos, que os nossos liberais fingem tomar como paradigmático, a situação é inversa da nossa: lá, de cada quatro matrículas, três são em instituições públicas. Na figura são destacados o Brasil, o estado de São Paulo e alguns outros paí­ses que possam servir como referência.

Os países com taxas de privatização abaixo de 5% são Cuba, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo, Mauritânia, Síria, Tadjiquistão e Uzbequistão, mostrando que a forte presença pública e estatal é uma característica encontrada em países política, cultural, geográfica e economicamente diversos. Os países europeus, com raras exceções, apresentam taxas de privatização do ensino superior tipicamente abaixo daquela dos EUA. Na América do Sul, com exceção do Chile, todos os demais países têm taxas de privatização menores do que a brasileira. Paraguai e Peru estão logo abaixo do Brasil, com taxas de privatização próximas de 70%, sendo o Uruguai, com cerca de 15%, o menos privatizado.

Em São Paulo, estado mais rico, as universidades privadas reinam

A privatização na educação superior não é uniforme no País todo. São Paulo tem taxas de privatização bem superiores àquelas dos demais estados, qualquer que seja o critério usado para defini-la. Se usarmos como indicador de privatização a distribuição dos estudantes pelas diferentes instituições, vemos que em São Paulo apenas 15% das matrículas estão em instituições públicas e as restantes 85% em instituições privadas, situação bem mais extrema do que a dos demais estados. Se o critério for a oferta de vagas de ingresso na educação superior pública em relação à quantidade de concluintes do ensino médio, novamente São Paulo mostra-se mais privatizado do que os demais estados, tendo uma vaga de ingresso em universidade pública para cerca de dez concluintes do ensino médio regular, relação, aproximadamente, duas vezes pior do que nos demais estados. Se considerarmos todos os tipos de instituições e de cursos superiores – faculdades, centros universitários, institutos federais e cursos de tecnologia –, e não apenas universidades, São Paulo tem mais de cinco formados no ensino médio para cada vaga, novamente cerca de ­duas vezes pior do que o restante do País.

É importante observar que essa alta relação entre o número de formados no ensino médio e o número de vagas de ingresso no ensino superior disponíveis no setor público não é devida ao fato de que, em São Paulo, a taxa de conclusão do ensino médio seria muito mais alta do que nos demais estados. Tais eventuais diferenças da taxa de conclusão são muito inferiores às enormes diferenças entre formados no ensino médio e vagas públicas disponíveis. São Paulo também é o estado recordista em privatização quando comparamos o número de matrículas em instituições públicas com a população: há uma matrícula em universidade pública para cada conjunto de mais do que 200 habitantes, relação duas vezes maior do que se observa nos demais estados. Se considerarmos todos os tipos de cursos superiores, a relação seria de quase 150 habitantes por matrícula em São Paulo ante cerca de cem nos demais estados.

A educação brasileira sempre foi muito ruim, mesmo quando comparada com os países da América do Sul. No quesito alfabetização de adultos (25 anos ou mais), apenas a Guiana apresenta uma taxa inferior à nossa. Nossas taxas de matrícula na educação superior, incluindo instituições públicas e privadas, estão muito aquém daquelas da Argentina, do Chile e Uruguai, o que nos coloca no grupo de países com menores inclusões no ensino superior.

O fato de São Paulo ter uma taxa de privatização do ensino superior bem maior do que os demais estados mostra que o argumento de que o setor privado atua em complementação ao setor público, dada a insuficiência de recursos desse último, não condiz com o que se observa. Caso fosse correto, a privatização seria maior nos demais estados, não naquele com maior renda e geração de impostos per capita. O fato observado parece ser mais condizente com a hipótese de que onde a população tem maior renda o estado se ausenta para abrir espaço para o setor privado, coisa bem do gosto dos liberais nacionais.

A situação do atraso da educação brasileira, e também paulista, é um dos frutos da privatização e do subinvestimento em educação pública ao longo de muitas décadas. É fundamental romper com essa lógica. Se grande parte do atraso atual­ do País é devido ao nosso sistema educacional no passado, hoje nosso sistema educacional está construindo o atraso que nos aguarda no futuro. •

Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.

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