

Opinião
Emaranhado futebolístico
Quando um clube como o Flamengo não consegue se manter no topo é porque algo muito de errado está acontecendo


Vou aqui me aventurar no exercício de discutir o esporte brasileiro partindo do futebol – que é a minha praia, mas, ainda assim, me parece um emaranhado de idas e vindas.
Há muitas perguntas no ar. São tantas que, além dos vestiários das “peladas” e das “resenhas” encantadoras dos pós-jogo, estou procurando amigos versados em economia para iluminar esses campos minados e obscuros.
Começo por uma pergunta que me intriga o tempo todo.
Por que o Santos, que dominou o futebol no mundo por um bom período, não se tornou um Real Madrid, hoje o melhor de todos os clubes em termos, pelo menos, de organização?
O time espanhol mantém sua posição na elite do futebol mundial e pode se dar ao luxo, por exemplo, de dispensar um Cristiano Ronaldo. E se pode fazer isso é porque tem na algibeira as melhores revelações, como Vinícius Jr.
A situação é bastante semelhante à de seu concorrente doméstico, o Barcelona, que deixou partir Messi, Neymar e outros sem perder a pose.
De imediato, me vem também à lembrança o Bayern de Munique, sempre muito forte, embora, vez por outra, pareça deixar a equipe em “banho-maria”.
Mas é claro que a instabilidade e a grandeza perene que não se cumpre estão longe de ser exclusividade do Brasil.
Milão, outrora a Meca do futebol, com seus dois grandes times, Milan e Internazionale, também teve seus altos e baixos.
E o que dizer então dos africanos, tidos como detentores do maior potencial atlético em termos de elemento humano, mas sem nenhum time memorável na história?
Isto sem falar em Portugal, com o Benfica dos tempos de Otto Glória e Eusébio, passando pela época em que Hungria e Tchecoslováquia tinham seleções marcantes.
Nós, por aqui, entramos na moda do clube-empresa, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), e, como anunciou o comprador do Botafogo, ou entramos no Primeiro Mundo ou viramos um tronco carunchado de entidades futebolísticas compradas por investidores de diferentes quilates.
Nesse contexto, o Palmeiras é outro clube a ser observado. Ele vem mandando no nosso futebol, encabeçado por uma empresária brasileira que é expert no mundo das finanças. Seria uma SAF de casa?
Inevitável, neste ponto, mencionar o Flamengo, que chega ao fim de um período que se pode chamar de francamente perigoso.
A pergunta, neste caso, é: por que razão o clube, logo após uma fase pródiga, não efetuou a transformação claramente necessária do seu grupo de jogadores, que, embora vencedores e talentosos, davam sinais de desgaste?
A explicação plausível é a de que o clube não dispõe de capital para fazer novas contratações caras, mesmo se desfazendo dos craques consagrados que ainda teriam lenha para queimar.
O fato é que o Flamengo chegou a um momento crucial. Quando o maior clube brasileiro em potencial não consegue se manter no topo das grandes disputas, é porque algo de muito errado está acontecendo.
Mais importante que tudo é a situação gravíssima a que ficou submetida a torcida rubro-negra. É uma irresponsabilidade deixar a tensão chegar ao ponto que chegou.
Transcorrida uma semana da final da Copa do Brasil, abocanhada pelo tricolor paulista, ainda me parece temerária a estratégia do maior vencedor dessa disputa, o técnico Dorival Jr., de dar o troco da sujeira feita com ele pelo seu adversário.
Em campo, o São Paulo, em vantagem pela vitória conquistada no Maracanã, limitou-se a empurrar a bola para lá e para cá, praticamente abrindo mão de atacar o Flamengo.
O time, diante de um Morumbi lotado, tomou o gol que a lógica indicava e viu aumentar o risco de uma derrota.
Mas, pouco depois do gol levado, Rodrigo Nestor fez o dele e garantiu a merecida taça ao São Paulo.
Dorival Jr. reconheceu isso em seus comentários posteriores e, por essas e outras, surge, ao fim da Copa do Brasil, como o treinador brasileiro mais indicado para a Seleção Brasileira. •
Publicado na edição n° 1279 de CartaCapital, em 04 de outubro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Emaranhado futebolístico’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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