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Receita/ O milagre da multiplicação

Crivelatti, outro assessor militar de Jair Bolsonaro, movimentou 2,7 milhões de reais desde 2021

Receita/ O milagre da multiplicação
Receita/ O milagre da multiplicação
O Coaf apontou indícios de lavagem de dinheiro - Imagem: Whinsec/USA Army
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Jair Bolsonaro escolheu a dedo seus assessores militares, todos eles empreendedores de sucesso. Mesmo com remuneração mensal de 12,8 mil reais paga pelo Exército e um penduricalho de 2,2 mil reais para atuar como ajudante de ordens do então presidente, o primeiro-tenente Osmar Crivelatti movimentou quase 2,7 milhões de reais em suas contas correntes entre 2021 e junho de 2023. A informação consta em um informe da Receita Federal para a CPI dos Atos Golpistas, que acabou vazado para a mídia.

Convocado a depor na terça-feira 19, ­Crivelatti fugiu do compromisso, amparado por uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, para quem o comparecimento do militar não era obrigatório. Nomeado por Bolsonaro, o magistrado observou que Crivelatti foi convocado na condição de testemunha, mas também é investigado pela CPI. Não é, portanto, obrigado a produzir provas contra si, razão pela qual foi autorizado a faltar no depoimento ou mesmo se recusar a responder as perguntas. Além de ter as quebras de sigilos telemático, bancário, telefônico e fiscal aprovadas pelo colegiado, o tenente também foi alvo de mandados de busca e apreensão autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes.

O valor informado pela Receita Federal equivale a 59 meses de rendimentos de ­Crivelatti pelo seu cargo militar. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já havia apontado, em um relatório de inteligência, que “não foram encontradas justificativas para a movimentação financeira” e que havia “indícios do crime de lavagem de dinheiro”.

Crivelatti não é, porém, o único assessor militar do ex-capitão com talento para fazer o salário render. Com remuneração líquida de 17 mil reais, o tenente-coronel Mauro Cid, chefe dos ajudantes de ordem de Bolsonaro, movimentou 3,7 milhões de reais entre julho de 2022 e maio de 2023. Ao assinar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, Cid prometeu, porém, explicar o milagre da multiplicação do soldo militar.

Fardas enlameadas

Para 61% dos eleitores brasileiros, oficiais das Forças Armadas estiveram envolvidos em irregularidades durante o governo de Jair Bolsonaro, aponta recente rodada de pesquisa do Datafolha. Outros 25% não acreditam na hipótese e 14% dizem não saber. Os dados ajudam a explicar o forte abalo na imagem dos militares nos últimos anos. O próprio Datafolha revela que somente 34% dos brasileiros ainda “confiam muito” nas Forças Armadas. Em abril de 2019, o porcentual era de 45%. Curiosamente, os fardados perderam prestígio até mesmo entre os bolsonaristas, que se ressentem da falta de apoio da cúpula militar para um golpe de Estado contra Lula.

Julgamento/ Eichmann em São Paulo

Comparado a oficial nazista pelo próprio advogado, vereador paulistano é cassado por racismo

Áudio vazado expôs Cristófaro dizendo que não lavar a calçada é “coisa de preto” – Imagem: Paulo Pinto/ABR

A Câmara Municipal de São Paulo cassou, na terça-feira 19, o mandato de Camilo ­Cristófaro, do Avante, primeiro vereador ­paulistano a ser destituído pelos seus pares. Em uma sessão em maio do ano passado, vazou um áudio do parlamentar, no qual ele dizia a um amigo que não lavar a calçada “é coisa de preto”. O comentário racista motivou o processo por quebra de decoro parlamentar. Foram registrados 47 votos a favor da cassação e cinco abstenções. Nenhum voto contra.

Supostamente encarregado da defesa de Cristófaro, o advogado Ronaldo Alves de Andrade comparou seu cliente ao oficial nazista Adolf Eichmann, responsável pela deportação em massa de judeus para os guetos e campos de extermínio. Capturado na Argentina em 1960 pelo Mossad, o serviço secreto de Israel, o tenente-coronel foi julgado por crimes de guerra em Jerusalém e condenado à morte.

“Eichmann não foi julgado, foi prejulgado”, discursou Andrade, antes de arrematar: “E todas as manifestações que vi até agora aqui foram de prejulgamento”. Após a espantosa sustentação oral do advogado, não causa surpresa o fato de o vereador ter sido abandonado até pelos aliados na Câmara Municipal.

Ejaculação precoce

Após a repercussão do vídeo no domingo 17, a Universidade Santo Amaro, em São Paulo, anunciou no dia seguinte a expulsão de alunos de Medicina que simularam uma masturbação durante um jogo de vôlei feminino universitário. Os expulsos integravam a equipe de futsal da Unisa. O episódio ocorreu em abril, mas só veio a público agora. Após a divulgação do vídeo, a Polícia Civil iniciou investigação a respeito. “A Unisa, instituição com mais de 55 anos de história, repudia veementemente esse tipo de comportamento, completamente antagônico à sua história e aos seus valores”, afirma um comunicado da instituição.

Bahia/ Quanto vale ou é por quilo?

Supermercado pagará 20 milhões por assassinato de jovens negros

Eles foram condenados à morte pelo furto de pacotes de carne – Imagem: Redes sociais

A rede de supermercados Atakarejo vai pagar uma indenização de 20 milhões de ­reais por danos morais coletivos à população negra baiana, pelo assassinato de dois homens negros que furtaram carne em uma unidade de Salvador. O acordo foi fechado com a Defensoria Pública da União, o Ministério Público da Bahia e entidades antirracistas na segunda 18.

Em 2021, seguranças contratados pelo Atakarejo de Amaralina entregaram Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, com 29 e 19 anos, para integrantes de uma facção criminosa da Bahia. Eles foram rendidos no pátio do supermercado com quatro pacotes de carne de sol, fato registrado em fotografias. Familiares chegaram a receber telefonemas pedindo um resgate de 700 reais, mas eles não conseguiram providenciar o valor a tempo.

Criminosos de uma comunidade local se encarregaram de torturar e executar os suspeitos. Desfigurados por golpes de faca e disparos de metralhadoras, pistolas e escopetas, os corpos foram encontrados no porta-malas de um carro, em um bairro a 5 quilômetros de distância. As investigações resultaram na prisão de três seguranças e quatro traficantes.

Velho Mundo/ O fascismo sobrevive

Giorgia Meloni e Viktor Orbán incumbem-se da tarefa

Imagem: Attila Kisbenedek/AFP

O presidente húngaro, Viktor ­Orbán, e a premier italiana, ­Giorgia Meloni, encontraram-se em Budapeste para um convescote político muito afinado. Ao cabo, um comunicado conjunto esclareceu que tanto um quanto a outra estavam perfeitamente sintonizados na defesa de Deus, Pátria e Família. Como se vê, a vetusta impostura fascista ainda goza de sobrevida no chamado Velho Mundo. No caso da península, há explicações para a presença na ribalta da premier Meloni.

Diante da baixa afluência às urnas, fenômeno que se repete há algum tempo, os cidadãos mais bem informados ficam em casa no dia eleitoral e entregam o espaço vago aos mal-intencionados. Deslize gravíssimo, a redundar na vitória de facções ultradireitistas, como a Liga Norte de Matteo Salvini, ministro do Interior, e dos herdeiros de Silvio Berlusconi, a exemplo do chanceler Antonio Tajani. Trata-se de um desastre anunciado, com a participação decisiva dos classes média bem informados, mas preguiçosos.

Overdose

Uma nova onda de mortes provocadas por opioides assola os Estados Unidos. Só neste ano, 100 mil viciados morreram de overdose no país, média de 300 por dia. Com potência 50 vezes maior do que a heroína, o fentanil, medicamento para a dor prescrito livremente por médicos, mas igualmente sintetizado por traficantes, é o principal responsável pela epidemia, a quarta em quatro décadas. Desde os anos 90 do século passado os EUA se deparam com ondas mortais causadas pela droga sintética. Pouco tem sido feito para frear a indústria farmacêutica e o comércio ilegal. Império da Dor, filme baseado em fatos reais no catálogo da Netflix, é um excelente retrato do atual drama norte-americano.

Publicado na edição n° 1278 de CartaCapital, em 27 de setembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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