Opinião

Quosque tandem?

Em pouco mais de dois milênios, muitos foram os embates semelhantes aos travados entre Cícero e Catilina.

Quosque tandem?
Quosque tandem?
Cícero denuncia Catilina. Afresco de Cesare Maccari que representa o Senado romano reunido na Cúria Hostília. Imagem: Wikipedia
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No ano 63 a.C, o pau quebrava na política romana. O governo republicano usava os discursos no Senado do cônsul Marco Túlio Cícero, contrapondo-se aos ataques do rico, próximo da falência, senador Lúcio Sérgio Catilina, que conspirava a favor de interesses próprios e de seus apoiadores. Condenado à morte em tribunal por conspiração, o senador arregimentou seus seguidores, resistiu e acabou morto em batalha.

Antes disso, Cícero, em seus discursos, alertou sobre as intenções do senador, imortalizando uma de suas mais contundentes orações: “Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”

E completou: “Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?” (RD: sounds familiar, no?)

Em pouco mais de dois milênios, muitos foram os embates semelhantes aos travados entre Cícero e Catilina. Vários com repercussões e ambições maiores, catastróficas até, na medida em que o planeta foi acumulando aquisições materiais e monetárias, em valores que podem significar predominância na disputa por hegemonia sobre povos menos favorecidos.

Penso, hoje em dia, ser fácil identificar situações assim. Rússia x Ucrânia, por exemplo, tantas mais. Compartilhados morticínios, destruições, assassinatos, violências contra minorias submissas, bloqueios econômicos e humanitários de ordem identitária, racial, religiosa, opção sexual, pequenas guerrilhas e grandes conflitos, em missangas divulgadas pela mídia mundial, a confundir e distorcer o psiquismo do que há de bom no ser humano.

O trazer à tela (para as folhas falta proeminência ao colunista) de CartaCapital, no entanto, este artigo caminha pouco mais de dois milênios para alertar “Até quando vocês, destruidores da Natureza e do meio ambiente, continuarão a molestar a nossa paciência?” Quosque tandem?

Nesta Federação de Corporações, recentemente, um “místi-cu-mito”, felizmente, virado em pó pela democracia, tivemos um Catilina que não parou de nos encher o saco. Covarde, pequeno ladrão de galinhas que botam ovos de joias sauditas e relógios Rolex (quantos ainda os usam se saíram de moda?), arregimentou parças mostrando-se um militar morto-vivo insano, ídolo para tardios senhores e senhoras da ignorância. Menos sanguinários, infelizmente para mim, os brasileiros permitirão a ele um final diferente do que teve Catilina.

Também nossa riqueza natural teve um Catilina, salvo pela nossa misericórdia e, dele, a fortuna e a proeminência social, o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro Sr. Ricardo de Aquino Salles.

Devemos a ele uma série de atentados contra a preservação ambiental. O estopim revelador de seu caráter surgiu (para neófitos, pois “comigo não, violão!”), em reunião ministerial de maio de 2020 quando sugeriu aproveitar a atenção da mídia voltada para a Covid e “passar a boiada”, reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, ou seja, tudo aquilo que nos trouxesse as catástrofes e misérias humanitárias que, hoje em dia, estão acontecendo com o clima no Brasil e em outras partes do mundo, no particular atual Líbia, Marrocos, Colômbia, desequilíbrios nas intensidades de temperatura com repercussões nas geleiras polares, oceanos, mares.

Quosque tandem, ruralistas negacionistas da preservação ambiental, continuarão nocere vitam in planeta, jogando em ombros ambientalistas interesses estrangeiros a quem condena aumentos do desmatamento em vários de nossos biomas, venda de madeira e garimpo ilegais, poluição de rios. Uma catilinária assassina. Inté!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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