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Vaza Jato/ Pena de homicida

O hacker Walter Delgatti Neto é condenado a 20 anos de prisão

Vaza Jato/ Pena de homicida
Vaza Jato/ Pena de homicida
A dura sentença veio logo após o hacker implicar Bolsonaro na CPI do 8 de Janeiro – Imagem: Marcos Oliveira/Ag. Senado
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O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, condenou na ­segunda-feira 21 o hacker Walter ­Delgatti a 20 anos de prisão no âmbito da Operação ­Spoofing. Os crimes atribuídos a Delgatti incluem invasão de dispositivo informático, organização criminosa, lavagem de dinheiro e interceptação de comunicações, razão da elevada pena, comparável àquela de quem pratica um homicídio doloso. A decisão atinge ainda outros seis acusados pela invasão de celulares de autoridades, a exemplo dos procuradores da finada Operação Lava Jato.

A ação dos hackers deu origem à série de reportagens conhecida como “Vaza Jato”, publicada pelo site Intercept em parceria com vários veículos de comunicação. As matérias expuseram o conluio da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, liderada por Deltan Dallagnol, com o então juiz Sergio Moro, para prender Lula a qualquer custo. O magistrado chegou a indicar uma testemunha contra o presidente, a pedir a inclusão de uma prova contra outro réu e a propor uma inversão de fases da operação.

Depois de ser chamado de “criminoso contumaz” pelo hacker na CPI do 8 de Janeiro, Moro celebrou a sentença e chamou Delgatti de “mentiroso contumaz”. Convenientemente, esqueceu-se de lembrar que a Suprema Corte o considerou um juiz parcial e anulou as condenações contra Lula. Até hoje, as mensagens interceptadas pelo grupo são usadas por réus da Lava Jato para anular processos conduzidos ao arrepio da lei. Provas obtidas por meios ilegais não podem ser usadas para condenar ninguém, razão pela qual Moro e Dallagnol seguem impunes. Mas podem justificar absolvições.

Delgatti entregou as mensagens à equipe do Intercept, então comandada pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, vencedor do Pulitzer de 2014, sem nada cobrar. É uma situação radicalmente distinta das acusações contra a deputada bolsonarista Carla Zambelli, a quem Moro tentava proteger na CPI. A parlamentar é acusada de pagar 40 mil reais ao hacker para invadir sistemas do Judiciário e encomendar uma devassa no ­e-mail e no celular de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo.

Delgatti chegou a apresentar comprovantes de transferências bancárias feitas por assessores de Zambelli que somam 13 mil reais. O restante, emenda o candidato a delator, foi pago em dinheiro vivo. Além disso, o hacker reuniu-se com Jair Bolsonaro, com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e com a cúpula do Ministério da Defesa para fabricar dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral. A turma nega qualquer ilegalidade, mas não oferece uma explicação convincente para ter dado tanta atenção a um “mentiroso contumaz” em plena campanha eleitoral.

Petróleo na Amazônia

Um parecer da Advocacia-Geral da União deu novo fôlego à tentativa da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia de obter um aval do Ibama para explorar petróleo na Margem Equatorial. A estatal pretende perfurar um poço cerca de 175 quilômetros da foz do Rio Amazonas. Segundo a AGU, uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar “é acima de tudo um instrumento de auxílio, de apoio ao licenciamento ambiental, e não um fim em si mesma”. Ao negar a solicitação original da petroleira, em maio, o Ibama apontou, entre outros fatores, a ausência desse estudo de impacto.

Orçamento/ Adeus, camisa de força

Congresso aprova novo arcabouço fiscal e põe fim ao teto de gastos de Temer

O governo Lula conseguiu aprovar a proposta com folgada maioria – Imagem: Zeca Ribeiro/Ag. Câmara

Na terça-feira 22, o Congresso Nacional aprovou o novo arcabouço fiscal, conjunto de regras que permite o crescimento das despesas públicas acima da inflação, desde que o aumento da arrecadação suporte o custo adicional. Com isso, o governo Lula enterra de vez o teto de gastos criado há seis anos por Michel Temer e que, na prática, congelava os investimentos por 20 anos, mesmo em um cenário de expansão da economia. Avalizado pela Câmara e pelo Senado, o texto agora segue para a sanção presidencial.

O arcabouço estabelece que as despesas devem crescer num ritmo menor que a arrecadação, até o limite de 70%. Assim, seria possível reduzir o endividamento do Estado. Haverá, porém, um piso e um teto. Os gastos deverão crescer ao menos 0,6% em termos reais (acima da inflação), mesmo que a receita dos tributos não permita esse aumento. Por outro lado, não podem exceder 2,5%, ainda que a expansão da economia suporte um gasto maior. Dessa forma, não haveria restrição desmedida do orçamento em tempos de crise e tampouco gastança desenfreada no período de bonança. As novas regras continuam bastante restritivas, mas representam inegável avanço em relação à camisa de força imposta por Temer no fim de 2016.

Morre Francisco Dornelles

Presidente de honra do Progressistas, o ex-governador do Rio de Janeiro Francisco Dornelles morreu na quarta-feira 23, aos 88 anos. Nascido em uma família com forte vocação política – era primo de segundo grau de Getúlio Vargas e sobrinho de Tancredo Neves e Castelo Branco –, o mineiro de Belo Horizonte também foi secretário da Receita Federal no governo do ditador João Figueiredo, ministro da Fazenda de José Sarney e ocupou as pastas da Indústria e Comércio e do Trabalho e Emprego nas gestões de Fernando Henrique Cardoso. A causa da morte não foi divulgada pelo Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, onde Dornelles estava internado desde maio.

Justiça/ Golpe desvelado

TRF-1 arquiva denúncia contra Dilma Rousseff por “pedaladas fiscais”

O impeachment da ex-presidente foi baseado em crime inexistente – Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Em 2020, durante uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Michel Temer tropeçou nas palavras e chamou de golpe quatro vezes o movimento que depôs Dilma Rousseff. Dois anos depois da sequência de “atos falhos” do emedebista, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, reconheceu em um artigo que as “pedaladas fiscais”, usadas pelo Congresso para justificar o ­impeachment, foram apenas a “justificativa formal”. O “motivo real”, emendou o magistrado, foi “a perda de sustentação política”. Agora, vejam só, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu manter o arquivamento de uma denúncia de improbidade administrativa contra Dilma por conta das tais pedaladas.

“O Ministério Público não conseguiu imputar uma conduta à presidente da República. Muito pelo contrário. Ora, diz que não sabia, diz que sabia, diz que ela deveria saber, que deveria ter confrontado seus ministros. Nenhuma descrição de dolo”, sustentou Eduardo Lasmar, defensor da ex-presidente petista, durante o julgamento. A decisão unânime dos desembargadores da 10ª Turma do TRF1, pelo arquivamento do caso, apenas prova que Temer não cometeu um ato falho, mas fez uma confissão. Foi golpe mesmo.

Guatemala/ Frescor democrático

A eleição de Arévalo põe fim a um período obscuro da história do país

Indiretamente, o novo presidente foi beneficiado pela perseguição política no país – Imagem: Luis Acosta/AFP

Bernardo Arévalo, do Movimento Semilla, de centro-esquerda, elegeu-se presidente da ­Guatemala no domingo 20, com 58% dos votos. Até junho, ele figurava nas pesquisas com apenas 3% das intenções de voto. Com uma agenda anticorrupção e de inclusão social, o sociólogo surpreendeu ao conquistar uma vaga para o segundo turno e, na votação decisiva, derrotou a conservadora ex-primeira-dama Sandra Torres, do União pela Esperança.

A meteórica ascensão de Arévalo deve-se, em parte, ao cenário de perseguição política instaurado no país pelo atual presidente, Alejandro Giammattei, um direitista que encerra seu mandato com baixíssimos índices de aprovação. Aparelhado pelo governo, o Judiciário impediu a candidatura de diversos opositores do regime que apareciam mais bem posicionados nas pesquisas, abrindo caminho para o crescimento dos nanicos na disputa.

Antes disso, em maio, um dos jornais de maior circulação da Guatemala, El Periódico, foi empastelado e seu presidente, José Rubén Zamora, acabou preso, logo após a publicação de denúncias de corrupção no governo. Dezenas de ativistas, juristas e jornalistas buscaram exílio no exterior para escapar da repressão aos dissidentes políticos.

O próprio Arévalo quase teve a candidatura cassada dez dias após garantir sua passagem para o segundo turno. Um tribunal ordenou a suspensão do Semilla, ofensiva revertida pouco depois, diante dos ruidosos protestos contra a decisão. Fartos da corrupção no governo e da perseguição aos opositores de Giammattei, a população optou pela alternativa apresentada pelo partido de Arévalo, um dos poucos não envolvidos nos escândalos que desgastaram a imagem da elite política guatemalteca.

O presidente eleito é filho de Juan José Arévalo, que governou o país de 1945 a 1951, dando início à chamada “primavera democrática”, uma década marcada por eleições transparentes e reformas sociais. O período foi interrompido por um golpe apoiado pelos EUA, em 1954, que depôs o presidente progressista Jacobo Arbenz Guzmán. Bernardo Arévalo nasceu quatro anos depois no ­Uruguai, um dos países em que seu pai se exilou.

Publicado na edição n° 1274 de CartaCapital, em 30 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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