CartaCapital
A Semana: O teste de Zanin
O ex-advogado de Lula toma posse e encara temas controversos


Nomeado por Lula para ocupar a vaga de Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal, o advogado Cristiano Zanin Martins teve o nome aprovado no Senado por um placar folgado, 58 votos a 18. Defensor do presidente nos processos da Lava Jato, o novo ministro tem perfil claramente garantista e avesso ao vale-tudo persecutório da República de Curitiba. Poucos sabem, porém, o que pensa sobre temas espinhosos como aborto, drogas e direitos da comunidade LGBTQIA+. Sem produção acadêmica a respeito, Zanin desviou das cascas de banana lançadas durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça com o argumento, prudente e correto, de não poder antecipar juízo sobre pautas que terá de enfrentar na Corte. É questão de tempo para o magistrado passar pelo seu batismo de fogo, talvez nem tenha chance de se habituar à toga.
Na volta do recesso, o STF terá pela frente ao menos três grandes julgamentos que a ministra Rosa Weber, presidente do tribunal, pretende pautar antes da sua aposentadoria compulsória, em setembro. O primeiro é uma ação movida pela Defensoria Pública de São Paulo a favor da declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas que considera crime comprar, guardar ou portar entorpecentes para consumo pessoal. Outro é a descriminalização do aborto. Uma ação do PSOL propõe legalizar a prática até a 12ª semana de gestação. Por fim, o STF vai decidir sobre a esdrúxula tese do “marco temporal”, tentativa de ruralistas de se apossar de terras indígenas.
A esmolinha do pai do Pix
Jair Bolsonaro recebeu 17,2 milhões de reais em transações via Pix neste ano. A informação consta de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. Segundo o órgão, a movimentação “atípica” tem relação com uma campanha de doações organizada por apoiadores em junho. À época, aliados disseram que o dinheiro seria usado para pagar multas do ex-presidente. Apesar do sucesso da campanha, ele ainda não quitou a dívida com o Estado de São Paulo, no qual acumula sete multas por infringir normas sanitárias durante a pandemia, uma dívida de mais de 1 milhão de reais. Alheios à tapeação, os fiéis seguidores do “pai do Pix”, como Bolsonaro se autointitulou ao lançar a tecnologia desenvolvida pelo Banco Central, prometem “dobrar o valor” em nova vaquinha pelas redes sociais.
8 de janeiro/ História para boi dormir
Inquérito militar isenta tropa de responsabilidade e culpa o governo Lula
Quem manteve os acampamentos na porta dos quartéis? – Imagem: Valter Campanato/ABR
Um inquérito policial militar concluiu que as tropas que deveriam proteger o Palácio do Planalto em 8 de janeiro não tiveram responsabilidade pela invasão dos golpistas. À frente da apuração, o coronel Roberto Jullian da Silva Graça avalia que, se o governo recém-instalado tivesse feito um planejamento adequado, teria sido possível reforçar o efetivo e evitar a entrada da horda bolsonarista ou, pelo menos, ter minimizado os estragos.
A investigação empurra a responsabilidade para a Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional. À época, a pasta era chefiada pelo general Carlos Feitosa Rodrigues, nomeado ao cargo em 2021, ainda na gestão do bolsonarista Augusto Heleno. O oficial foi mantido no governo Lula pelo general Gonçalves Dias, ministro do GSI que pediu demissão em abril, após a divulgação de imagens que o mostravam inerte diante dos invasores. Convenientemente, o inquérito militar ignora um fato decisivo para o desfecho da trama golpista. A Polícia Federal tentou remover o acampamento dos extremistas em frente ao QG do Exército em Brasília ainda em dezembro, mas oficiais não permitiram a ação.
A boquinha de Weintraub
A Unifesp decidiu suspender os salários de Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação de Bolsonaro, e de sua esposa, após meses de ausência do trabalho. Professor do curso de Ciências Contábeis, Weintraub mora nos EUA e não compareceu à universidade no último semestre. Ainda assim, recebeu os salários de dezembro de 2022 a março deste ano. Já Daniela Weintraub, professora de Ciências Atuariais, deveria ter retornado ao posto em novembro, quando encerrou o prazo de uma licença para tratamento de saúde em família. A docente recebeu os vencimentos de janeiro e fevereiro e, agora, responde a um processo administrativo por abandono de cargo. Weintraub alega ter solicitado licença para tratar de “assuntos particulares”, mas diz que o pedido foi negado por “vingança”. A Unifesp esclareceu que licenças sem justificativa estão suspensas na instituição de ensino.
Investigação/ Tramoia exposta
PF faz buscas contra Carla Zambelli e prende hacker da “Vaza Jato”
Delgatti e Zambelli, nova dupla da chanchada – Imagem: Redes sociais
A Polícia Federal cumpriu, na quarta-feira 2, mandados de busca e apreensão em endereços da deputada bolsonarista Carla Zambelli, do PL paulista, e prendeu o hacker Walter Delgatti, protagonista do escândalo da “Vaza Jato”. Recentemente, Delgatti confessou ter sido contratado pela parlamentar para invadir o sistema da Justiça Eleitoral, bem como o celular e o e-mail de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, durante as eleições de 2022. Em depoimento à PF, o hacker disse que a deputada o contratou em setembro passado, durante um encontro sigiloso às margens de uma rodovia. Delgatti não conseguiu acessar as urnas eletrônicas nem o celular de Moraes. Teve, porém, acesso aos e-mails antigos do magistrado. Agora, surgem evidências de que ele inseriu documentos falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão, sob a tutela do Conselho Nacional de Justiça. Entre as adulterações figuravam alvarás de soltura de indivíduos presos por motivos diversos e um mandado de prisão contra Moraes.
EUA/ Eu sou você amanhã?
Trump vai responder na Justiça por insurreição que inspirou Bolsonaro
Ninguém solta a mão de ninguém – Imagem: Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro tentou, no Brasil, emplacar uma adaptação mequetrefe, sem originalidade, de um filme de quinta categoria protagonizado por Donald Trump nos EUA. O antes, o durante e o depois do 8 de janeiro em Brasília são praticamente uma cópia literal da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Assim como Trump, Bolsonaro colocou em dúvida o processo eleitoral. Assim como o ídolo norte-americano, incitou a turba de apoiadores a enfrentar a ordem constitucional. Os dois se basearam em mentiras e se esconderam atrás de subordinados, enquanto tramavam um golpe. Resta saber se o desfecho será parecido. Na terça-feira 1°, a Justiça converteu Trump em réu em quatro acusações: conspiração para fraudar os Estados Unidos, conspiração para obstruir um procedimento oficial, conspiração contra os direitos dos cidadãos e obstrução ou tentativa de obstrução de procedimento oficial. Se condenado, o republicano ficará proibido, entre outras penas, de disputar as eleições ou de assumir a Presidência da República, caso concorra e vença a disputa no próximo ano. Em uma mensagem nas redes sociais, Trump afirmou sofrer perseguição política semelhante àquela empreendida pelos nazistas. Por aqui, o inquérito no STF sobre o 8 de janeiro morde os calcanhares de Bolsonaro.
Pai contra filho
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, informou, no sábado 29, que seu filho mais velho, Nicolás Petro, foi preso por lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. “Meu filho Nicolás e sua ex-esposa Days foram capturados pelo Ministério Público. Como pessoa e como pai, tanta autodestruição me machuca muito”, escreveu no Twitter. Daysuris Vásquez, ex-esposa de Nicolás, acusou-o de ter vínculos com narcotraficantes, além de ter recebido grandes quantias destinadas à campanha presidencial do pai. O dinheiro foi, porém, desviado para bancar sua vida de luxo na cidade de Barranquilla. Petro nega a existência de dinheiro sujo nas contas de sua campanha. Ele mesmo pediu para abrir uma investigação contra o filho.
Espanha/ Daniel Alves no tribunal
O ex-jogador será julgado por agressão sexual
O ex-lateral continua preso até o julgamento – Imagem: Hector Vivas/Getty Images/AFP
Preso desde janeiro, Daniel Alves irá a julgamento por agressão sexual. Concepción Cantón, juíza do caso, concluiu haver provas suficientes do crime e o Ministério Público tenciona pedir dez anos de prisão para o ex-jogador. Fala-se ainda em multa equivalente a 780 mil reais, por danos morais e psicológicos. Alves é acusado de forçar relações sexuais com uma jovem de 23 anos no banheiro de uma boate em Barcelona. Ele mudou cinco vezes de versão, por fim admitiu o sexo, mas continua a afirmar que o relacionamento foi consensual, em contraposição ao depoimento da moça e aos indícios colhidos pelos investigadores. Inicialmente, negou ter visto, conhecido ou mesmo se aproximado da jovem. Posteriormente, alegou ter mentido para tentar preservar seu casamento. O atleta permanecerá detido à espera do julgamento, previsto para acontecer no fim deste ano ou no início do próximo. Nos últimos meses, a Justiça negou-lhe três pedidos de liberdade provisória.
África/ O triunfo das ditaduras
Outra junta militar se instala no Sahel, desta vez no Níger
O general Tchiani é o mais novo ditador do pedaço – Imagem: Télé Sahel/ORTN/AFP
As elites sul-americanas descobriram uma forma mais “limpa” de tomar o poder à força, o lawfare, o uso da Justiça para fins políticos e partidários. Partes da Ásia e da África ainda preferem, no entanto, o clássico golpe militar. Na sexta-feira 28, foi a vez das forças armadas do Níger, que faz fronteira com a Nigéria, derrubar o presidente Mohamed Bazoum. Uma junta liderada pelo general Abdourahmane Tchiani assumiu o comando do país. O Níger era um raro país na região do Sahel livre de ditadura. Os golpistas justificaram a intentona como reação às ameaças jihadistas e à deterioração econômica. “A abordagem atual em matéria de segurança não foi capaz de proteger o país, apesar dos grandes sacrifícios do povo nigerino e do grato apoio de nossos aliados externos”, afirmou o general em pronunciamento na tevê. A França, que colonizou a nação, os Estados Unidos, aliados de Bazoum, e a Organização das Nações Unidas condenaram o golpe de Estado. “A mudança inconstitucional de governo complica ainda mais um cenário que se agrava”, rebateu Leonardo Santos Simão, representante especial da ONU na região. Washington exigiu a libertação imediata do presidente deposto, enquanto o francês Emmanuel Macron ameaça retaliar caso diplomatas e outros compatriotas sejam atacados, presos ou constrangidos pelo novo regime. “A França também apoia todas as iniciativas regionais destinadas a ‘restaurar a ordem constitucional’ e o retorno de Bazoum”, afirmou Macron em comunicado.
Guerra esquecida
Eles não são brancos, não têm olhos claros e não fazem divisa com a Europa. Talvez por isso, o mundo mal saiba o que se passa no Sudão. Em guerra desde 24 de junho, o país registra 3 mil mortos em pouco mais de cem dias de conflito, média de 30 vítimas por dia. Na Ucrânia, em cerca de 500 dias, morreram 9 mil civis, ou 18 a cada 24 horas. A batalha entre facções golpistas das forças armadas atingiu o ápice em junho, mas as divergências começaram a se acentuar a partir de 2021. Desde então, 2,6 milhões de cidadãos foram obrigados a migrar internamente e perto de 730 mil fugiram do país.
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 9 de agosto de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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