Mundo
Não há mágica
Enterrar gás carbônico ou rebater a luz solar é insuficiente para conter o aquecimento global


Não há perspectiva de uma solução mágica para salvar o mundo do impacto do aquecimento global, alertaram cientistas no fim de julho. Quando a Terra completou o mês mais quente já registrado em sua superfície, especialistas em clima e engenheiros deixaram claro que somente a redução global da queima de combustíveis fósseis poderá impedir o planeta de entrar numa era de superaquecimento intenso.
Houve propostas de que tecnologias globais ainda a serem desenvolvidas poderiam evitar uma catástrofe climática iminente e impedir o aumento das temperaturas. Os exemplos incluem projetos que podem capturar emissões de carbono e armazená-las no subsolo, ou esquemas que desviariam a luz solar da Terra. Pesquisadores experientes dizem, no entanto, que a única esperança realista de evitar os piores impactos da mudança climática seria interromper a queima de carvão, gás e petróleo. “A prioridade número 1 que temos é substituir os combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis”, afirma o doutor Greg Mutch, da Universidade de Newcastle, na Inglaterra. “Isso será crítico. Depois pensaremos em capturar as emissões de carbono das fábricas industriais que não podem operar sem produzir CO₂.”
Exemplos de processos industriais que produzem dióxido de carbono incluem a fabricação de cimento e fertilizantes. Eles geram gás carbônico não apenas pela queima de combustíveis fósseis para aquecimento, mas como subprodutos químicos dos processos envolvidos na fabricação. Indústrias como essas geram perto de 5% de todas as emissões de dióxido de carbono, então valerá a pena enfrentá-las, segundo os cientistas.
Capturar dióxido de carbono da atmosfera e armazená-lo no subsolo, como forma de enfrentar o problema global da mudança climática, será, porém, muito mais complicado. Embora grandes quantidades de dióxido de carbono sejam emitidas todos os anos, ele continua a ser um componente muito diluído na atmosfera. Cerca de 400 partes por milhão do ar que nos cerca hoje são compostas de CO₂. Isso representa 0,04% da atmosfera. “É muito, muito diluído, e será necessária muita energia para extrair esse dióxido de carbono. Do ponto de vista da engenharia, é muito mais fácil separar um gás de uma mistura concentrada do que extrair um gás que é apenas 0,04% da mistura”, explica Mutch.
A única saída, dizem os cientistas, é reduzir a queima de combustíveis fósseis
Algumas empresas começaram, no entanto, a desenvolver usinas que sugariam o ar, extrairiam seu gás carbônico e o armazenariam. A tecnologia ainda está em sua infância e não foi impulsionada pela indecisão sobre seu uso. O Reino Unido foi um dos primeiros países a financiarem pesquisas sobre captura direta no ar e outras tecnologias de remoção de gases de efeito estufa, fornecendo 100 milhões de libras (608 milhões de reais) em 2020, mas desde então foi superado pelo financiamento dos Estados Unidos, de cerca de 3,5 bilhões de dólares (16,59 bilhões de reais) apenas na captura direta do ar. “O problema é que a própria mudança climática já é um grande experimento em nosso planeta”, disse o professor David Reiner, da Universidade de Cambridge. “Agora estamos tentando combater esse experimento com outros experimentos. Isso terá consequências desconhecidas. Por outro lado, consolo-me com o fato de que muito mais mentes científicas estão se voltando para esses problemas, que mais pesquisas estão sendo iniciadas e que muito mais financiamento público e privado está sendo direcionado para formas de combater o aquecimento global, portanto, em longo prazo, há lugar para certo otimismo.”
É, porém, a segunda forma de geoengenharia – modificação da radiação solar (SRM na sigla em inglês) – que causa mais inquietação. Entre os projetos de SRM apresentados há esquemas que espalhariam pela atmosfera superior minúsculas partículas reflexivas, como aerossóis de sulfato, que poderiam refletir a luz solar de volta ao espaço. Alternativamente, isso poderia ser feito colocando enormes espelhos em órbita ao redor da Terra.
O problema é que tais esquemas ainda permitiriam o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera do planeta. O mundo pode esfriar um pouco à medida que a luz solar diminui, mas como isso afetaria os padrões climáticos não está claro. O dióxido de carbono ainda teria de ser removido em algum momento no futuro. Mais e mais dióxido de carbono se dissolveria no mar, e a acidificação dos oceanos continuaria a se intensificar, provocando ainda mais danos aos recifes de corais e outros ecossistemas marinhos.
Ao refutar a tecnologia SRM, o professor Joeri Rogelj, do Imperial College, em Londres, chamou-a de “irresponsável, perigosa e uma ameaça à capacidade de gerenciamento” de nossa sobrevivência. “Não é uma solução, mas um ‘band-aid’ extremamente perigoso que encobre o problema do aquecimento global sem curá-lo, criando uma sensação falsa e injustificada de segurança climática, enquanto o cerne do problema continua infectado”, resumiu. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.
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