

Opinião
Mudanças na Justiça
As nomeações para o STF e para a Procuradoria-Geral da República são tão importantes quanto a reforma ministerial


O STF voltou do recesso com renovada composição e uma agenda digna da relevância política que tem sido atribuída ao seu desempenho. A posse de Cristiano Zanin e a aposentadoria da ministra Rosa Weber prenunciam as alterações na composição do tribunal e na correlação de forças interna à Corte. Lula precisará indicar um(a) novo(a) ministro(a), comprimido entre os imperativos da governabilidade e as reivindicações por representatividade no Supremo. Luís Roberto Barroso assumirá a presidência em outubro e ainda outro assento deverá receber nova ocupação em breve: o mandato de Augusto Aras, o atual Procurador-Geral da República, que atua regularmente na Corte, se encerra em setembro.
As mudanças são significativas e devem afetar a condução da agenda do STF para o ano, que inclui, entre outros temas de repercussão política e social, a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal e do aborto, o fim da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, a demarcação de terras quilombolas e limites de áreas ambientais, além da constitucionalidade do marco temporal das terras indígenas, o marco civil da internet e do juiz das garantias. Além disso, segue em tramitação um conjunto de inquéritos criminais que envolvem os atos antidemocráticos e práticas correlatas que podem alcançar entusiastas do bolsonarismo remanescente e outras ações que se desdobram da derrocada da Lava Jato.
O quinhão que toca diretamente ao recém-chegado Zanin abrange o acervo de processos deixado por Lewandowski – 552 ações. Apesar de pequeno para os padrões superlativos do STF, os casos abarcam discussões importantes e podem ensejar requerimentos de suspeição do ministro. Somados a esses, pedidos de impedimento e suspeição também devem ser mobilizados para afastar Zanin de julgamentos dos casos relacionados à Lava Jato.
Cabe à presidência do STF analisar a admissibilidade dos eventuais reclames e ao plenário julgá-los. Tradicionalmente, os pedidos de impedimento e suspeição de ministros são processados sem muita transparência, o que dificulta a percepção acerca das noções de imparcialidade mobilizadas em cada decisão. Por isso, o escopo da participação de Zanin ainda não está claro. Restando razoável margem de manobra, onde deve operar a dinâmica política interna do tribunal, ainda que se considere que a transferência antecipada de Dias Toffoli para a Segunda Turma, responsável pelos processos da Lava Jato, tenha oferecido certa proteção ao novo colega, reduzindo as chances de questionamentos à sua atuação pela distância que toma do entulho da operação que combateu como advogado.
Embora o STF tenha realizado importantes ajustes para reduzir os poderes individuais dos ministros, alterando as regras relativas aos pedidos de vista e às decisões monocráticas, a chegada de Zanin impacta a dinâmica política interna na conformação da agenda do tribunal, de que depende sua relevância política, e o futuro das decisões. Zanin tem formação liberal, é bem versado nas complexidades dos processos econômicos, sintonizado com as exigências dos setores produtivos e não inclinado a recorrer a processos judiciais em questões de garantias fundamentais contenciosas. O comportamento dos ministros é sempre relacional, no entanto. E, nesse sentido, o desempenho de Zanin, assim como daquele(a) ministro(a) nomeado(a) para a vaga de Rosa Weber, depende, em certa medida, da atuação de Barroso, que assumirá a presidência do STF em outubro.
Da presidência da Corte manifesta-se outro âmbito do poder individual dos ministros, particularmente pela prerrogativa de definição da pauta de julgamentos do plenário. E Barroso tem à sua disposição temas polêmicos, como a pauta dos costumes, e de impacto aos cofres públicos, os quais provavelmente enfrentará, considerando sua trajetória e perfil. Em face disso, de Zanin se pode esperar que se alinhe majoritariamente aos ministros que, como ele, foram nomeados por Lula, o que nem sempre coincide, no entanto, com os interesses do governo, especialmente se vier a perder poder e/ou apoio popular.
Lula deve ouvir os ministros do STF para definir o novo PGR. Não por acaso. Além das mapeadas influências que sofre do presidente que o nomeia, o PGR também se articula, de forma mais ou menos harmônica, com os ministros do STF. No controle de constitucionalidade, as ações que propõe têm maior probabilidade de sucesso. Na seara criminal, a dobradinha com o ministro relator é praticamente intransponível.
Em paralelo à reforma ministerial, portanto, as mudanças no STF e na PGR podem impactar tremendamente o sucesso do governo. •
Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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